Brasil, paĆs da imunidade
NĆ£o se anime tanto. JĆ” faz tanto tempo desde que o mundo era mundo que a gente logo lĆŖ āBrasilā e āimunidadeā na mesma sentenƧa e vai se assanhando. Mas ainda nĆ£o foi dessa vez que o jornalismo vai lavar a prĆ³pria alma e a sua noticiando a vacina que os traseiros de quem tem algum juĆzo esperam ansiosamente – inclua-se aĆ o meu.
Eu sei que Ć© cedĆssimo para pensar em erradicaĆ§Ć£o, mas se for para ser muito otimista e mentalizar o futuro,Ā Ć© bom lembrar que doenƧas que aterrorizaram o mundo inteiro hoje sĆ£o erradicadas de cada pedacinho de chĆ£o do planeta. Ć o caso da varĆola, vĆrus que atormentou a humanidade e matou 300 milhƵes de pessoas sĆ³ no sĆ©culo XX.
Vi muito ZĆ© Gotinha na infĆ¢ncia antes de a poliomielite ser eliminada do Brasil em 1994. Sarampo, difteria, rubĆ©ola, todas banidas aqui da terrinha. Como o mundo estĆ” de cabeƧa pra baixo, sandices como o āmovimentoā antivacina, respaldado apenas pela ignorĆ¢ncia, tornam iminente o risco de enfermidades como estas voltarem a ser o terror da saĆŗde pĆŗblica. Mas isso Ć© papo para outro dia.
Existe algo a que o Brasil estĆ” completamente imune: as metĆ”foras. Para quem vive de escrever, como eu, metĆ”fora Ć© uma mĆ£o na roda para fazer uma firulinha com o texto, deixĆ”-lo mais charmoso, mais agradĆ”vel Ć leitura. E nĆ£o precisa ser nada rebuscado. Quando digo, por exemplo, que o Parque Halfeld fica no coraĆ§Ć£o de Juiz de Fora, sabe-se que estou me referindo ao centrĆ£o da cidade, que nĆ£o tem o Ć³rgĆ£o bombeador de sangue – ou qualquer outro. Eis a metĆ”fora em aĆ§Ć£o.
Mas para descrever o Brasil atual, o teste para detecĆ§Ć£o de metĆ”fora Ć© negativo. Quando li a notĆcia sobre o mandado de busca e apreensĆ£o na casa do vice-lĆder do governo na sugestiva operaĆ§Ć£o “Desvid-19”, que investiga um esquema de desvio de cerca de R$ 20 milhƵes para combate Ć Covid, toda possibilidade de fugir Ć literalidade da lĆngua escafedeu-se. (Para manter a polidez da coluna, se vocĆŖ nĆ£o sabe do que estou falando, convido a dar um āGoogleā nos termos ādinheiroā e ānĆ”degasā – se bem que, depois da dica, nem precisa).
āMas onde Ć© que eu vou enfiar esse dinheiro?ā, pensei no polĆtico perguntando, minutos antes da busca. Ou entĆ£o, respondendo aos agentes da operaĆ§Ć£o: “Dinheiro desviado? SĆ³ se eu tirar do …” opa! Poderia tambĆ©m ser recurso estilĆstico, mas nĆ£o Ć©: encheu o “olho que o sol nĆ£o vĆŖ” de dinheiro.Ā Daqui a pouco poderemos pensar, literalmente, em uma adaptaĆ§Ć£o daquele dito popular que sela o destino do passarinho que come pedra, mas falando sobre a sorte de polĆtico que desvia verba: sabe os fundos que tem.