O palhaço, o que é? Cláudio Trombini, o Trombetinha, responde
Bravo para o palhaço! Aos 70 anos, Trombini tira a maquiagem e conta sua história
“Um palhaço é meu amigo, um palhaço bem ridículo, e cujo nome está escrito em letras maiúsculas. Não é ‘bonito para um império’, é mais ‘triste do que um chapéu’. Ele bebe enormes gargalhadas e come os ‘gritos de bravo'”, cantava, em seu francês, Edith Piaf. Impactante, “Bravo pour le clown”, de Henri Contet e Louis Guglielmi, defende a humanidade de um ser entre o riso e a lágrima. O palhaço, o que é?, pergunto a Cláudio Belmiro Trombini. Aos 70 anos, com seus cabelos alvos como a pele e seus olhos azuis, ele parece confirmar a música. “O palhaço é ser humano, tem família, tem problemas, sente dores, tem dias que está triste e dias que está alegre. Às vezes acontece um problema em casa, mas ele não pode deixar de fazer a apresentação. O palhaço me ajuda no dia a dia. Às vezes eu estou fazendo maquiagem e as lágrimas correm pelo meu rosto e, pouco a pouco, vai parando. Quando a maquiagem fica pronta, estou preparado”, diz. O que o deixa triste? As lembranças dos irmãos e dos pais, responde. “Tenho as minhas angústias”, assegura o homem atento aos jogos de palavras e com um sorriso que saca ao menor gesto de desalento.
“O palhaço não deixa de ser um grande ator. E tem a vantagem de improvisar sempre. Tem um roteiro, mas se não seguir, não tem problema. O palhaço, mesmo não falando, com um simples gesto, faz o espetáculo continuar. O palhaço está dentro de mim o tempo todo, desde quando eu era um menino”, conta ele, num quarto de sua casa onde guarda os adereços de seu personagem, o Trombetinha, que se junta ao amigo Rosquinha para comemorar, nesta terça (10), o Dia do Palhaço. Às 17h, a dupla se encontrará com outros palhaços e com o público no Parque Halfeld, para, em seguida, seguir numa palhasseata pelo Calçadão. Em frente ao Cine-Theatro Central cada artista fará sua performance. Bravo!
‘Para os seus cabelos emplumados! Bravo! Bravo!’
Aos 16, Cláudio Trombini mudou-se para São Paulo convidado por uma irmã. “Em 1969 comecei a fazer teatro amador. Fiz peças adultas e infantis. Também fiz participações em TV e cinema. A primeira foi no programa do Airton Toledo, no Canal 7, TV Record. Fiz participação com Mazzaropi. No início, era figuração, depois passei a ter papéis. Integrei alguns grupos, como o Grupo Teatral Boca Aberta. Fizemos peças como ‘Sonho de uma noite de velório’ e ‘Mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube’, ambas comédias”, conta, mostrando os álbuns que guarda na estante com recortes de jornais e fotografias. Memória de uma vida que não se completou. “Eu não vivia do meio artístico”, lamenta. “Nunca pensei em sucesso. Se eu tivesse ficado em São Paulo, talvez minha carreira tivesse deslanchado, mas era inviável continuar vivendo lá.” Em 1985, ele retornou a Juiz de Fora. Com a roupa do corpo. De mãos dadas com a esposa e com um filho nos braços. “A cidade de São Paulo era violenta, mas não tão violenta como hoje. A gente morava no Centro, mas em todo lugar era um problema, com transporte, engarrafamento, insegurança. Minha esposa não gostava da cidade para morar e queria viver perto da família”, narra Trombini, que já vivendo em Juiz de Fora, lendo a Tribuna, viu um anúncio do Palhaço Fuzil. “Eu havia tentado entrar na cena teatral daqui, mas não consegui. Procurei o Fuzil, e ele me admitiu como um contrarregra. Nos primeiros dias, ele me propôs a vestir de palhaço e em toda peça ele me dava uma participação. Comecei. Como meu sobrenome é Trombini, ele sugeriu Trombeta. Mas depois percebi que para as crianças seria melhor o diminutivo”, explica ele, cujos parentes distantes são donos do Parque Trombini, para o qual trabalha vez ou outra, na parte burocrática ou na portaria. “Meu negócio é fazer animação de festa”, diz. Bravo!
‘E você lava os pratos! Bravo! Bravo!’
Fruto do segundo casamento do pai, Trombini tornou-se órfão quando tinha apenas 6 anos. “Não tenho lembranças.” Os pais trabalhavam na extinta Companhia de Tecidos Sarmento, mas, com a morte do patriarca, a mãe passou a atuar na catação de café. “Eu ajudava ela. Era uma vida dura, muito difícil”, lembra ele, que logo cedo mudou-se para o Rio de Janeiro e, na adolescência, para Três Rios. “Eu tinha 14 anos e fui trabalhar nas Casas Pernambucanas, mas acabei ficando desempregado e fui para uma distribuidora para recuperar caixotes de bebidas. Mais uma vez, fui dispensado e consegui uma oportunidade numa funerária. Eu tinha um medo, um pavor”, recorda-se ele, que nesse momento mudou-se para a capital paulista. Seu primeiro emprego foi como office boy, mas logo passou a auxiliar de escritório de advocacia. “Tive a oportunidade de fazer direito, mas fiz tudo errado”, brinca. “Como era um funcionário exemplar e muito querido, sempre que surgia a oportunidade para atuar, meu patrão me incentivava. Ele era uma pessoa culta”, conta Trombini, que em julho de 1981 casou-se com Terezinha. “Minha esposa, descobri em Descoberto”, ri. Poucos meses depois, o patrão morreu, o escritório sofreu uma reorganização, e ele foi demitido. “Fiquei desesperado. Lembro-me que o patrão me falava que eu tinha emprego garantido, porque eu atuava com grandes empresas, multinacionais. Só consegui promessas e nenhum emprego”, traz à memória. No jornal, ele leu um anúncio: ‘Precisa-se de corretor de capitalização’. “Nem sabia o que era isso”, recorda-se o homem que descobriu o talento para vendas e se especializou em corretagem de seguros. Bravo!
Eu rio até sangrando! Bravo! Bravo!’
Trombini é sobrenome que carrega a arte na genética, conta Cláudio. “Meu pai tinha uma banda. Meus irmãos quase todos tocavam instrumentos. Meus filhos hoje são músicos: o Lulu Trombini, que foi da Banda Onze:20 e atualmente é da Makaia e do Chapeleiro Maluco, e o Leandro Trombini, da banda Só Parênt”, pontua, orgulhoso, o morador de um apartamento na parte baixa da Batista de Oliveira. Da casa de Cláudio, ouve-se a todo momento os sons da rua, da ambulância aos ambulantes. “Em São Paulo, eu tive duas casas. Por último, morava no Centro num apartamento próprio. Aqui também tive imóvel, mas hoje pago aluguel. Se eu tivesse na minha mente aquela música, ‘Dinheiro na mão é vendaval’ (cantarola), as coisas seriam diferentes. Graças a Deus, o que ganho está dando para me manter e manter minha família”, pontua ele, aposentado, mas ainda na ativa, tanto como corretor quanto como palhaço. “Aqui moramos eu, minha mulher e a cachorra da minha mulher”, ri, referindo-se à gordinha Nina, uma vira-lata branca com manchas pretas. É feliz? “Sou”, responde de pronto. “A felicidade é por causa dos meus filhos, do meu neto, da minha esposa. Felicidade é viver como se gosta.” E Trombini gosta de ser Trombetinha. “Palhaço tem alma de criança”, define, referindo-se a um sentimento de ingenuidade misturado a uma constante disposição. “Quantas e quantas vezes, eu e o Palhaço Fuzil tínhamos que empurrar o carro, maquiado, para chegar na festa”, narra, para logo se lembrar de momentos como o de quando um cachorro, enquanto ele se apresentava, parou ao lado de sua mala e fez xixi em seus pertences. Ou quando uma criança convidada correu para a janela e jogou sua mágica pelos ares. “Ser palhaço é minha vida. Se eu tivesse só a profissão de corretor de seguros, não sei se estaria vivo. Quando Deus me levar vai me levar como palhaço.”