Lei Murilo Mendes: Zezinho anuncia mudanças
Em entrevista à Tribuna, diretor-geral da Funalfa adianta nova categoria para edital da lei, que será anunciado na semana que vem
São tempos duros e cinzentos. Se literalmente a Amazônia se transforma em fumaça e fuligem enquanto esta matéria é produzida, o que vem acontecendo lentamente e talvez mais silenciosamente com a cultura do país se encaixa, como metáfora, na aniquilação e descaso que neste momento se materializa em chamas. “Estamos num momento em que é preciso falar sobre cultura. Ontem (quarta, 21) o Secretário Nacional de Cultura pediu exoneração depois de o governo suspender um edital que havia selecionado séries sobre ‘diversidade de gênero’ e ‘sexualidade’. Se um integrante que aceitou fazer parte do governo achou que o momento é pesado, imagina quem tem críticas. É um momento de reforçar a importância da cultura, mais do que nunca”, diz o diretor-geral da Funalfa, Zezinho Mancini, em uma conversa sobre os 25 anos da Lei Murilo Mendes em que fez uma avaliação do instrumento de incentivo, anunciou novidades para o esperado edital deste ano (que será lançado na próxima semana) e também fez críticas ao mecanismo, inclusive ao fato de a cidade ter ficado dois anos (2017 e 2018) sem recursos para o lançamento dele – dedo, inclusive, que foi apontado para ele como gestor.
Uma das novidades desta edição, além da maior verba já destinada ao Edital da Lei, R$ 1,5 milhão, é que será experimentada uma categoria inédita, “Incentivo a Festivais”. Ela propiciará a execução de projetos com custo entre R$ 80 mil e R$100, incluindo envolvimento de um maior número de artistas e um maior alcance de público. A mudança leva em consideração a análise crítica de que um dos pontos cegos – comum às leis de incentivo – tem sido a circulação dos produtos culturais contemplados. “Esse investimento em projetos que visem à realização de festivais permitirá aos produtores alçarem voos mais altos. Além da verba mais significativa, há ainda um desdobramento específico da regra, que será anunciado detalhadamente no lançamento do edital. Em suma, iremos estimular que, após a garantia inicial do recurso direto via tesouro municipal, os realizadores busquem ampliar seu orçamento através da captação de recursos para tornar os projetos ainda maiores. É uma maneira de incentivar o produtor a democratizar o uso do recurso público e profissionalizar a produção cultural local”, adianta o diretor, que, como frisa, “está gestor”, mas nunca se distancia do ponto de vista do artista (de teatro), que é.
No fim de semana em que a cidade comemora 25 anos da Lei Murilo Mendes, o superintendente da Funalfa fala sobre a luta para mantê-la funcionando, sobre sua relevância no cenário municipal, suas limitações e outras possibilidades de fomento à cultura.
Tribuna – A Lei Murilo Mendes é reconhecida como pioneira, é a primeira legislação de incentivo cultural que entrega os recursos na mão do artista, e também a primeira fora do eixo das capitais. Como você faria uma avaliação crítica dela como mecanismo de incentivo?
Zezinho Mancini – Acho que é maravilhoso o fato de ela entregar o recurso diretamente para o artista local, é um atalho importante para a realização de grandes projetos culturais neste sentido. Por mais que ela não trabalhe com valores ideais de mercado, a lei propicia cultura e arte em todos os níveis e nichos artísticos e culturais, o que é absolutamente positivo. O lado negativo é poder criar uma certa dependência dela para a cultura local, ficar dois anos sem lei é um problema em muitos sentidos, e isso causou uma certa estagnação da produção cultural. Mas talvez por um posicionamento pessoal de não ver o copo sempre “meio vazio”, nestes dois anos vi florescer muitas iniciativas independentes. E acho que é importante a arte não ser atrelada ao poder público, seja na forma, no discurso, no tema. A cultura não para e nem pode parar com a parada da Murilo Mendes, ela acontece por outras vias, seja de modo colaborativo, na marra, às vezes até de uma maneira mais precária. A cultura continua e deve continuar sendo feita, da maneira que for.
A que você atribui o valor de R$ 1,5 milhão destinado à lei em 2019?
Nos dois últimos anos, houve uma grande dificuldade financeira no município, por vários motivos. Só o Estado deixou de repassar mais de R$ 80 milhões à Prefeitura e as verbas de que de fato ela dispõe têm pouca elasticidade, no sentido de se decidir para onde vão, onde ficam. Diante de uma ausência destas, o valor alto de uma Murilo Mendes, mesmo o último praticado de R$ 750 mil, é muito considerável. Poderíamos ter optado, por exemplo, por lançar o edital em detrimento de outras iniciativas da cidade que precisariam ser canceladas. O “Gente em primeiro lugar”, por exemplo, é um projeto de R$ 1,8 milhão, a Praça CEU, de R$ 1,3 milhão. São ações que alcançam um público enorme, 200 mil pessoas na CEU ao longo do ano e maios de 3.500 alunos do “Gente” espalhados em mais de 50 bairros da cidade. Seria uma opção acabar com um projeto social e o equipamento público da Zona Norte, tão carente de acesso à cultura, para fazer a lei – que é importante, eu sei. Mas seria a melhor? Usamos, junto ao prefeito e ao secretário de Fazenda, o argumento de que a lei é um cartão de visita da Funalfa para parte da cidade que a conhece. E foi um importante esforço coletivo para que ela saísse neste ano e não no ano que vem, primeiro para não ficarmos mais um ano sem edital, depois para que não soasse como algo eleitoreiro, até porque o interesse, pelo menos o meu, é em realização de cultura. Os dois anos sem edital também pesaram como argumento para este valor recorde, tinha que haver alguma forma de compensação, para que pudéssemos desengavetar mais projetos que estavam esperando por este incentivo. Mas acho importante também ter visto que a classe artística buscou outros recursos que não só o tesouro para continuar produzindo, é um contraponto positivo à má notícia de dois anos sem edital. E uma boa notícia agora é que a situação financeira da Prefeitura está melhor, o governo do Estado vem fazendo os repasses, não vivemos mais o arrocho em que estávamos no ano passado. Assim o prognóstico para 2020 é uma economia um pouco mais estável para que o edital possa se repetir como em 2019.
Como a Lei Murilo Mendes foi mudando ao longo de 25 anos?
Ela muda devagarzinho, e é fundamental para compreender a cultura da cidade. A Lei Murilo Mendes é um reflexo da cultura local e a mola que a propulsiona, que faz com que ela se modifique. É interessante que a lei esteja alinhada ao fato de que o mundo muda, Juiz de Fora muda e assim também a cultura local. Se pensarmos hoje em plataformas como o Spotify, percebemos a necessidade de mudança nos projetos de música, com a possibilidade de não ter a mídia física, o que pode, por exemplo diminuir custos de produção e aumentar o de circulação e divulgação. Diante disso, a lei precisa compreender que não tem que exigir 30% do produto cultural beneficiado como contrapartida para o município. Muitas vezes, não tem produto em si, ou ele é intangível, impossível de ser quantificado em porcentagem. É preciso pensar em outro tipo de contrapartida. Além disso, é preciso entender que outras áreas têm sido consideradas cultura: moda, gastronomia, games… E outro ponto é que áreas como patrimônio e cinema precisam de recursos mais substanciais, é necessário que o teto suba para estruturar tais projetos.
Qual é a importância de celebrar os 25 anos da Lei fazendo circular seus produtos?
Mostrar que em 25 anos o recurso que foi investido em cultura via Lei Murilo Mendes não desaparece. Muitas vezes se tem a noção de que a cultura é algo que “some”, “evapora”. Até porque o benefício dela para o público pode ter muito mais um valor emocional, sentimental, racional… enfim, intangível, por mais que se trate de um disco ou um livro. O que a cultura faz com as pessoas está ligado ao imaginário. Quando se retorna com alguns destes produtos e eles são reapresentados, isso mostra que o investimento perdura, ainda tem validade, seja em emoção, sensação… Esse impacto mais uma vez modifica a cidade e as pessoas a partir do incentivo inicial naqueles produtos, naqueles artistas.