JF registra sete infrações diárias por uso de celular ao volante
Uso do aparelho móvel é a terceira maior causa de morte no trânsito no Brasil, ficando atrás apenas do excesso de velocidade e de dirigir alcoolizado
Seja para responder uma mensagem, atender a uma ligação ou dar uma espiada no feed de uma rede social, os poucos segundos em que o condutor desvia sua atenção do trânsito para olhar o celular podem ser fatais. De acordo com um estudo em desenvolvimento pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o uso do aparelho móvel no volante é a terceira maior causa de morte no trânsito no Brasil, ficando atrás apenas do excesso de velocidade e de dirigir alcoolizado. Em Juiz de Fora, a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) registra uma média de sete autuações por dia relacionadas ao uso do celular ao dirigir um veículo. Entretanto, poucos minutos observando o trânsito na cidade revelam que a atitude tem virado hábito entre os juiz-foranos.
Conforme o estudo da Abramet, ao usar o celular no volante, as reações dos motoristas ficam até 35% mais lentas. No Brasil, a ação resulta em cerca de 150 mortes por dia, com uma média de 54 mil por ano. Desta forma, a associação destaca que é necessário manter toda a atenção voltada ao trânsito. Para exemplificar, ao parar cerca de 10 segundos para atender uma chamada, caso o condutor esteja a 80 km/h, pode percorrer cerca de duas quadras inteiras com a atenção reduzida. Já ao mandar mensagens de texto, com um tempo médio de 20 a 23 segundos de atenção voltada ao celular, o motorista pode andar até quatro quadras sem a completa atenção, caso esteja a 60 km/h.
Especialista em mobilidade urbana, José Ricardo Daibert explica que as pessoas tendem a pensar que são capazes de realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo no trânsito. Entretanto, na realidade, há uma “troca de atenção do trânsito para o celular”, especialmente quando é feito uso do aparelho para a digitação de alguma mensagem. “Não é questão de fazer duas coisas ao mesmo tempo. É questão de parar de dirigir por um tempo. Na prática, o que acontece é isso.” Conforme Daibert, há ainda a crença do “comigo não”, quando se acredita que não se envolverá em um acidente ao fazer uso, mesmo que rapidamente, do telefone celular ao volante. “Nós precisamos estar sensíveis, primeiro porque estamos colocando em risco outras pessoas, e segundo porque é uma questão de responsabilidade e noção do perigo que isso representa. Esse ‘comigo não’ basta uma vez para ser verdade para que aconteça fatalidade.”
Motoristas admitem uso do telefone
Um a cada cinco brasileiros admite utilizar o celular enquanto dirige, de acordo com o Ministério da Saúde. O dado é do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), que entrevistou mais de 52 mil pessoas, maiores de 18 anos, entre fevereiro e dezembro de 2018. Destas, 19,5% cometem o ato. O levantamento aponta, ainda, que as pessoas com idade entre 25 e 34 anos (25,1%) são as que declararam esse comportamento de risco.
Em Juiz de Fora, uma motorista de 25 anos ouvida pela reportagem, que preferiu não se identificar, admitiu usar o aparelho enquanto está no trânsito, mesmo estando consciente dos riscos que a ação implica. Para ela, aplicativos de mensagens instantâneas são as maiores distrações. “Eu realmente mexo muito no celular enquanto estou dirigindo. Isso é muito errado e já me trouxe distrações arriscadas. Nunca aconteceu nada, mas quando, às vezes, vou frear, eu assusto, aí pode acontecer alguma coisa”, conta. “Às vezes eu insisto em olhar rápido a mensagem e quero responder. O carro geralmente está parado, mas isso atrapalha para ficar atenta ao sinal, e, depois, quando continua andando. Se eu já estou quase terminando de responder, às vezes eu continuo, e isso é o que me atrapalha mais.”
Outra condutora, de 32 anos, que também preferiu não se identificar, já foi multada por atender uma ligação telefônica enquanto dirigia. Segundo ela, a infração foi registrada na Rua Bernardo Mascarenhas, no Bairro Fábrica. Ela parou o veículo em uma faixa de pedestres, onde um agente de trânsito estava orientando a travessia durante horário de saída de escola. “Ele [agente] fez o sinal, e eu parei, só que, por alguma razão, o meu celular não conectou ao bluetooth do carro. Eu estava com o carro parado, minha mãe me ligou e eu atendi, avisei que não poderia falar porque estava dirigindo, mas foi uma coisa muito rápida. Meu carro era o primeiro na faixa, e, nesse momento, o agente que estava fazendo a travessia dos pedestres me olhou, viu que eu estava com o telefone, viu que eu já estava desligando, mas ‘canetou’ na minha frente”, relata.
Após alteração na lei, infração é considerada gravíssima
Até 2016, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) previa o uso de celular no volante como infração média, punível com multa de R$ 130,16. Entretanto, a lei nº 13.281, de maio de 2016, trouxe um alteração e classificou como infração gravíssima casos em que o condutor esteja segurando ou manuseando telefone celular. Desta forma, a multa passou a ser de R$ 293,47. Em Juiz de Fora, durante o ano de 2018, a Settra aplicou 2.549 multas aos juiz-foranos, enquanto, até 30 de junho, foram registradas 1.173 infrações relacionadas ao uso do celular no volante, mantendo uma média de quase sete multas por dia.
As infrações são divididas em quatro tipificações: dirigir veículo utilizando-se de fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular; dirigir veículo utilizando-se do telefone celular; dirigir veículo segurando telefone celular; e dirigir veículo manuseando celular. Conforme o gerente do Departamento de Fiscalização da Settra, Paulo Peron Júnior, o que diferencia as três últimas classificações é a maneira em que o condutor utiliza o aparelho. A infração sobre dirigir utilizando-se de telefone é identificada quando o motorista está em uma ligação telefônica com o celular entre a orelha e o ombro. “Nós conseguimos visualizar que existe um aparelho de telefone celular, junto ao seu ouvido, mas ele mantém as duas mãos no volante.” Essa transgressão, juntamente com a utilização de fones de ouvidos, ainda é considerada média.
A lei de 2016 trouxe as tipificações de segurar e manusear, consideradas gravíssimas. A primeira, conforme Peron, é identificada quando o condutor está com uma mão segurando o volante e, a outra, o celular. “Se ele está com o telefone junto ao ouvido, e segurando com uma das mãos, essa é uma tipificação específica para dirigir os veículos segurando o telefone celular. Ele pode estar apenas segurando sem olhar para o telefone, sem colocar junto ao ouvido, ou sem fazer uso dele, mas ele está segurando o aparelho telefone e dirigindo com a outra mão.” A outra classificação, de manuseio, se aplica quando o condutor utiliza o aparelho com as funções de smartphone, seja mandando mensagem, olhando rede social, entre outras ações. “Ele está com o telefone nas mãos e faz movimento com os dedos, caracterizando o manuseio do telefone com outras funções que não é a de fazer uma ligação telefônica.” Essas infrações também são as mais recorrentes em Juiz de Fora. Em 2018, foram 1.431 multas por segurar o celular, e 703 por manuseá-lo. Já em 2019, a Settra registrou 573 por segurar, e 401 por manusear.
Educação associada à fiscalização nas ruas
Para o especialista em mobilidade urbana, José Ricardo Daibert, uma punição maior é apropriada e pode auxiliar na diminuição do uso do celular no trânsito pela população. Como exemplo de ação efetiva no país, ele cita o cinto de segurança. “Existia uma resistência muito grande quanto ao uso do cinto de segurança no Brasil. Em determinado momento, se achou um valor de multa que a população era sensível, portanto, preferia usar o cinto de segurança.” Entretanto, conforme Daibert, a fiscalização deve ser associada, especialmente, à educação no trânsito.
O que é permitido?
As restrições quanto ao uso do celular no trânsito trazem algumas especificidades. A utilização do GPS, por exemplo, é permitida desde que o aparelho esteja em um suporte no painel do carro. Entretanto, é preciso programá-lo antes de se iniciar a viagem. “O condutor pode programar o GPS com o veículo parado ou estacionado. Se ele está em uma vaga regulamentada ou em local onde não é proibido o estacionamento e a parada, ele pode utilizar todas as funções do telefone, não só os aplicativos com GPS, mas fazer ligação, passar mensagem, olhar rede social, gravar vídeo, desde que o veículo esteja estacionado ou parado em uma área que seja permitida”, explica o gerente do Departamento de Fiscalização da Settra, Paulo Peron. “Aí ele pode usar o GPS, posicionar o aparelho naquele suporte de painel do carro, e, depois que der início à viagem, pode fazer uso verificando o posicionamento do veículo via GPS, seguindo a rota sugerida, mas ele não toca mais no aparelho.”
Como Peron explicou, é permitido utilizar todas as funções do aparelho desde que o veículo esteja parado ou estacionado em local permitido. Desta forma, em semáforos, por exemplo, mesmo que o motorista esteja parado no trânsito, ainda é vedado o uso do celular. “Essas interrupções são diminuição da marcha em função de alguma ocorrência do trânsito ou de alguma sinalização viária, que é o caso do semáforo, cancelas de passagem de nível, de um congestionamento, ou de uma operação de trânsito com agentes. O tráfego foi interrompido por uma ocasião, mas é uma interrupção momentânea e não pode fazer uso do celular.”
Já para a função do Bluetooth, que torna possível conectar o aparelho ao som do carro, não há restrições. Segundo Peron, a situação é como se o motorista estivesse conversando com algum passageiro do veículo. “Dentro do carro tem um motorista e o passageiro ao lado, esse passageiro pode atender a ligação no celular para o condutor e, se for algo muito importante, ele conecta o dispositivo no bluetooth do veículo para poder conversar como se fosse o passageiro ao lado dele. Por isso é permitido a utilização”, exemplifica.