Derramamento do chorume é problema de saúde pública e meio ambiente
Lei que torna obrigatória a instalação de receptores de chorume em veículos coletores do município ainda precisa ser regulamentada, mas Demlurb garante que nova frota já possui equipamento
Cerca de oito meses após promulgação da Lei nº 13.689, que torna obrigatória a instalação de receptores de chorume nos veículos coletores de lixo do município, juiz-foranos se depararam com derramamento do líquido em via da cidade. Uma leitora realizou um flagrante na Rua São Mateus, na quadra entre as ruas Carlos Chagas e Chanceler Oswaldo Aranha, onde houve vazamento de chorume de um caminhão do Departamento de Limpeza Municipal (Demlurb). A Tribuna conversou com especialistas sobre as principais questões envolvendo o derramamento do líquido em vias públicas, considerado problema de saúde pública e de meio ambiente.
Por causar um odor desagradável, o líquido atrai a presença de insetos e de animais que podem transmitir doenças. O vereador Adriano Miranda (PHS), autor do projeto de lei aprovado pela Câmara em abril de 2018, ressalta um dado da Organização Mundial de Saúde (OMS): a poluição causada por um litro de chorume equivale a cem litros de esgoto doméstico. O vereador ainda apontou a necessidade de instalação dos equipamentos por conta dos problemas que o chorume pode causar ao meio ambiente. “O chorume contamina o lençol freático porque pode penetrar no solo e contaminar a água. Essa é uma questão mais ampla que envolve, diretamente, não só o impacto ao meio ambiente, mas também a saúde pública.”
AMA direciona denúncias
Dedicada a atividades de impacto ao meio ambiente no município, a Associação pelo Meio Ambiente de Juiz de Fora (AMA/JF) pode atuar em casos de denúncia de derramamento de chorume, de acordo com seu diretor, Theodoro Guerra, encaminhando queixas para os órgãos competentes de fiscalização, como o Ministério Público. Para Guerra, tais ocorrências são preocupantes. “O chorume é um líquido contaminante bem mais forte que o esgoto doméstico. Quando fala-se em vazamento do chorume em via pública, que pode ser levado por águas pluviais para o Rio Paraibuna, por exemplo, isso é ruim, pois compromete muito o meio ambiente e a vida aquática.”
Conforme o diretor da AMA, o líquido pode, inclusive, prejudicar os próprios veículos coletores de lixo, por conta da alta corrosividade. “O chorume é um subproduto de decomposição de matéria orgânica. Demora um pouco para ser formado, mas, como os caminhões acumulam lixo durante muito tempo, a decomposição desse material acaba sendo realizada no próprio caminhão. Isso é desfavorável para o próprio veículo.”
Especialista aponta que componentes influenciam na toxicidade do chorume
Os componentes do lixo podem influenciar na toxicidade do chorume, de acordo com José Homero Pinheiro Soares, professor aposentado do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Por se formar a partir da degradação de matéria orgânica, se houver algum resíduo agregado, como metais pesados provenientes de pilhas de bateria, o chorume se torna mais tóxico e mais prejudicial ao meio ambiente. “Como no Brasil a sociedade não tem costume de separar os diversos componentes dos resíduos sólidos urbanos – papel, papelão, plástico, pet, matéria orgânica, remédio -, o potencial de toxicidade desse líquido é crescente.”
Para se ter uma ideia da nocividade do chorume, Soares citou, como exemplo, os valores de oxigênio necessários para despoluir o líquido: enquanto para cada litro de esgoto “in natura” devem ser utilizadas de 300 a 400 miligramas de oxigênio, para remover a toxicidade de um litro de chorume, podem ser necessários até dez mil miligramas de oxigênio. Por isso, de acordo com o professor, quando há produção elevada do produto, especialmente em aterros sanitários, é preciso um sistema de drenagem e condução adequados para o tratamento do chorume. “São necessários drenos em aterros e nos veículos. O chorume tem um odor muito desagradável, e, se não tiver esse recipiente para coletá-lo durante o transporte nos caminhões dos resíduos sólidos para o aterro sanitário, certamente vai tornar inadequado o trânsito de pessoas junto a esse fluxo de chorume nas vias urbanas.”
Tratamento do esgoto
Apesar dos malefícios causados pelo chorume, para Soares, o impacto do derramamento do líquido por veículos de transporte de lixo ainda é menor se comparado à deficiência do tratamento de esgoto. De acordo com a Companhia de Saneamento Municipal (Cesama), Juiz de Fora produz em torno de 1.200 litros de esgoto por segundo, sendo que, atualmente, a capacidade de tratamento do município é de 10%. “Há uma circulação grande de caminhões de lixo ao longo do dia. Se todos estiverem sem recipiente de coleta, vai acontecer uma distorção desagradável nas vias públicas e, de alguma maneira, isso pode chegar nas redes fluviais”, explica. “Na minha avaliação, são quantidades que não seriam muito prejudiciais, pois são muito menores do que, por exemplo, a quantidade de esgoto conduzida ‘in natura’ para os rios da grande maioria dos municípios brasileiros que não têm tratamento de esgoto.”
Norma criada diante de queixas da população
A legislação que exige os receptores de chorume ainda não foi regulamentada, não havendo, assim, informações sobre notificações a empresas que realizam coleta e transporte de resíduos no município. De acordo com o vereador Adriano Miranda, a norma veio para atender queixas relatadas pelo derramamento de chorume por caminhões de lixo em Juiz de Fora. “Os caminhões eram mais antigos e não havia certa manutenção nesses coletores de chorume. Em tese, esses caminhões já teriam que vir com esses coletores, mas, para evitar qualquer possibilidade de uma possível licitação em que o caminhão viesse sem, nós fizemos o projeto de lei – como já existem em outras cidades – para que tornasse obrigatório esse coletor de chorume”, explica.
De acordo com o Demlurb, o problema por derramamento do líquido foi solucionado com a nova frota de caminhões. Após imbróglio envolvendo o edital de licitação para aluguel de 27 caminhões equipados para coleta e destinação de lixo na cidade, a troca dos veículos se iniciou no dia 18 de dezembro, data anterior ao flagrante realizado pela leitora, onde 55% da nova frota entraram em operação. A partir de então, a mudança foi gradual. Em nota, o departamento justificou que os antigos veículos já possuíam reservatórios de chorume, mas, por problemas mecânicos, ocasionalmente aconteciam vazamentos. Como existem outras empresas que realizam coleta de resíduos na cidade, já que o Demlurb é responsável pelos lixos domiciliares, o órgão procura confirmar se, de fato, os problemas são de seus veículos. Em caso de queixas relacionadas aos caminhões do departamento, a população pode entrar em contato com o “Alô Demlurb”, pelo telefone 3690-3500.