Sambista de São Paulo faz releitura atual de Geraldo Pereira
Nascido em Juiz de Fora, sambista centenário radicado nos morros do Rio de Janeiro é reverenciado em rock, reggae, cantiga e outros estilos por cantora paulista
Tem sintetizadores no samba de Geraldo Pereira. E em eco, Nelson Sargento e Anaí Rosa cantam “Que samba bom”, de Pereira em parceria com Arnaldo Passos. A música que abre o disco “Anaí Rosa atraca Geraldo Pereira”, lançado nas plataformas digitais na última sexta-feira, 23, desenha o discurso que se desdobra ao longo do trabalho, mostrando como ecoa o clássico, preservando a tradição sem se restringir ao passado. Do rock de “Falsa baiana” (uma das mais belas e expressivas faixas) ao reggae de “Chegou a bonitona”, passando pela tecnomacumba com pitadas de funk de “Pisei num despacho”, entre guitarras, saxofones e sintetizadores, Geraldo surge outro. Com o frescor das sonoridades contemporâneas, mantém-se o homem do samba bom, gênero do qual a cantora não se distancia ao inserir instrumentos como cuíca, cavaquinho e tambores.
De Apiaí, no interior de São Paulo, criada em Piracicaba, formada em Campinas e, radicada em São Paulo desde 1991, Anaí conheceu o sambista mineiro em terras paulistas. “Cantamos muito Geraldo Pereira por aqui. Não tem como não cantar. Por mais que tenhamos bons sambistas e compositores, eu gosto muito de cantar o samba carioca. E embora ele seja mineiro, ele pegou a malandragem e o sotaque do samba carioca. A melodia e as divisões dele me emocionam muito”, conta a artista. “Quando mudei para São Paulo comecei a cantar com uma banda de gafieira, chamada Farinha Seca. Depois disso fui cantar num bar de referência em samba de raiz, o Ó do Borogodó, onde conheci grandes músicos do samba e do choro, como o Zé Barbeiro, violonista de 7 cordas, e Roberta Valente, uma grande divulgadora do choro na cidade. Canto com o grupo Cochichando, de samba e choro. Sendo centenário do Geraldo Pereira, propus ao Sesc, ainda no início do ano, fazer esse disco em homenagem a ele. Eles gostaram, mas quiseram fazer uma releitura do samba, trazendo para a atualidade, para um público novo que tem outros ouvidos.”
“Cadê o samba?, eu me perguntava no meio do processo, cobrando os músicos e os diretores, que diziam que o samba entraria em instrumentos, em momentos”, recorda-se Anaí. “A princípio, isso me tirou da minha zona de conforto, mas embarquei na proposta. Fui apresentada a dois diretores musicais (Cacá Machado e Gilberto Monte) com uma linguagem mais moderna e pensamos juntos, em várias reuniões, ouvindo o samba e pensando qual sonoridade poderia ter. Eles me mostraram um caminho que eu jamais poderia buscar sozinha. Foi um aprendizado para mim”, acrescenta ela, entusiasmada com as releituras que leva ao palco, pela primeira vez, no dia 5 de dezembro, no Sesc 24 de Maio, no Centro de São Paulo. “O arranjo tradicional já foi feito por muita gente. Bebel Gilberto já gravou Geraldo de forma tradicional, Roberta Sá, também. É legal inovar”, ressalta.
Presente em três das 14 faixas do álbum, Nelson Sargento é um pouco do samba, da tradição e da origem das músicas no disco. “Ele foi parceiro dele”, lembra Anaí, que leva Nelson para a eletrônica “Que samba bom”, para a roqueira “Falsa baiana” e para a inclassificável “Polícia no morro”. Dá samba. Na nova dicção das canções do sambista morto em 1950, surge uma nova compreensão da crônica social registrada por Geraldo Pereira. Anaí destaca a força da mulher, que nas letras já aponta para o desejo de romper com as estruturas patriarcais. “Era sempre com amor, na cultura de uma época em que o homem achava que era dono da mulher”, sugere a cantora, para quem o compositor fez um “retrato de seu tempo”. Retrato que Anaí digitaliza e faz instigantes interferências, entregando uma nova e original obra, que em momento algum deixa de ser um samba, um samba bom.
ANAÍ ROSA ATRACA GERALDO PEREIRA
Disco disponível nas plataformas digitais. Show de lançamento no dia 5 de dezembro, no Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio 109 – Centro – São Paulo)