VocĂȘ gosta de brincar de quĂȘ?
Um dia, no auge da correria de quem assumiu mĂșltiplas tarefas, alguĂ©m me fez uma pergunta inusitada. “VocĂȘ gosta de brincar de quĂȘ?” Censurei mentalmente a pessoa que me questionava e respondi rabugenta. “De nada, uai. VĂȘ lĂĄ se tenho idade para isso!” Sentia tanto orgulho da minha responsabilidade, da minha seriedade, que nĂŁo tive nem tempo de perceber que estava ficando solitĂĄria. Lancei trĂȘs livros tĂŁo densos em cinco anos que todo o meu tempo livre era gasto com a minha profissĂŁo. Havia e – ainda hĂĄ – tanto amor no que faço que nĂŁo conseguia me sentir interessada por mais nada. O jornalismo sempre ocupou um espaço imenso na minha vida e isso me bastava, porque nunca encarei o ofĂcio como trabalho.
O prazer de escrever me preenchia de tal forma que a paixĂŁo pela profissĂŁo nĂŁo me deixava abrir mĂŁo da vaidade de minha produção intelectual. Por isso, nĂŁo conseguia dizer nĂŁo para nenhum convite. Era como se estivesse traindo o jornalismo e nosso casamento perfeito. AtĂ© que meu filho me deu um ultimato: “MamĂŁe, se vocĂȘ ficar fora no prĂłximo final de semana, eu nĂŁo falo mais com vocĂȘ.” Com apenas 7 anos, Diego estava me dizendo do jeito dele que sentia muito minha falta. Foi quando percebi que estava vivendo dividida e culpada por me sentir extremamente feliz, mas contraditoriamente triste. Estava longe de quem amava, porque eu nĂŁo conseguia desplugar. Por isso, me sentia confusa. Quando estava viajando a trabalho, sentia falta de casa e, quando estava em casa, sentia falta do trabalho. Acabei ficando sem lugar ou tentando encontrar o meu espaço no meio de tudo isso.
Foi difĂcil enxergar que eu poderia fazer coisas novas e impor limites em busca de algum tempo livre para mim e minha famĂlia. Aos poucos, fui me conscientizando que precisava me abrir para outras experiĂȘncias, descobrir algo que me atraĂsse. Em meio a uma imensidĂŁo de conflitos, ganhei uma montain bike do meu marido. Aquele objeto estranho na garagem lĂĄ de casa me despertava incĂŽmodo. O que eu faria com aquilo? Disposto a me seduzir para a prĂĄtica do esporte, Marco me deu tambĂ©m a roupa prĂłpria para pedalar. A primeira vez que vesti o “uniforme” dos ciclistas, me senti ridĂcula, envergonhada e velha para começar, aos 45 anos, algum hobby. Mas como a bike jĂĄ estava lĂĄ, eu fui desafiada a tentar fazer algo novo.
Apavorada, eu aceitei o desafio de pedalar com ele. No caminho, Marco encontrou um amigo e, para minha desgraça, eu caĂ na frente deles feito abĂłbora madura. Apesar do vexame, eu tinha pedalado 15 quilĂŽmetros no final daquela manhĂŁ. Fiquei com vĂĄrios hematomas na perna, mas me senti estranhamente feliz. Na segunda incursĂŁo pelo mundo “nerd” do ciclismo, meu marido me levou para uma trilha ao lado de um grupo experiente. Resisti bravamente, e, com muita ajuda, venci os 25 quilĂŽmetros de percurso. Terminamos – eu e a minha bicicleta – rebocadas, mas eu estava orgulhosa por ter conseguido. O vento no rosto, a beleza do trajeto, o ar livre, tudo isso me conquistou.
Agora me sinto capaz de sorrir mesmo quando nĂŁo estou fazendo um texto, lendo um livro, dando uma palestra ou entrevistando alguĂ©m. Percebi que nĂŁo vou deixar de ser o que sou, mesmo mudando. E confesso… tem sido libertador!