Uma existĂȘncia cheia de vida e de busca pelo amor contada em livro

Por Marisa Loures

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Ao lado da mĂŁe, Marilu Reis, Nelson Cezar comemora lançamento de sua biografia “A caminho de VĂȘnus… numa cadeira de rodas” – Foto Leonardo Costa/Tribuna de Minas

No prefĂĄcio de “A caminho de VĂȘnus… numa cadeira de rodas” (Gryphon ediçÔes, 216 pĂĄginas), a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora Christina Musse revela-nos que “as memĂłrias de Nelson Cezar Reis tĂȘm o frescor daquelas narrativas que lemos de um fĂŽlego sĂł.” Ela tem razĂŁo. O autor nos fisga pela lição que nos traz. A gente abre o livro e sĂł consegue fechar quando chega Ă  ultima pĂĄgina. Sem conseguir segurar um lĂĄpis, digitando letra por letra, bem devagar, com um Ășnico dedo, o autor nos conduz por uma existĂȘncia cheia de vida e de busca pelo amor. “Tenho um prazer enorme em falar sobre minha vida, mesmo sofrendo discriminação por vĂĄrios motivos, entre os quais destaco o preconceito. NĂŁo quero acabar com isso porque seria uma coisa mais difĂ­cil do que ganhar na Mega-Sena”, brinca Nelson, aos 53 anos.

Nascido em fevereiro de 1964, o menino nada tinha, alĂ©m de uma icterĂ­cia, ignorada pelo pediatra que apenas receitou um “remedinho” e nada mais. Aos seis meses, veio o prognĂłstico, dado por outro mĂ©dico: “O menino tem uma paralisia cerebral causada por KernĂ­cterus. Qualquer tratamento serĂĄ jogar dinheiro fora. O dano maior vai ser na inteligĂȘncia. Ele deverĂĄ ser apenas alimentado para nĂŁo morrer e serĂĄ um ser vegetativo.”

A sentença deixou dona Marilu Reis sem rumo, conforme ela conta na entrevista para o Sala de Leitura de hoje. “SaĂ­ do consultĂłrio sem saber para que lado era minha casa, mas, depois, resolvi encarar o problema e ver o que poderia ser feito. AtĂ© hoje, a gente corre atrĂĄs de tudo o que pode ser realizado. Sinto muito, foi um descuido, uma displicĂȘncia, mas, como todo mundo erra, deixei passar”, conta a mulher forte que, ao lado do marido, buscou recursos de um canto a outro, chegando, inclusive, a atuar na fundação da Apae de Juiz de Fora. Contrariando as previsĂ”es, Nelson tem, sim, limitaçÔes motoras que o fazem ter movimentos involuntĂĄrios e depender de um acompanhante para as atividades diĂĄrias e na fala. É dependente de uma cadeira de rodas, mas a inteligĂȘncia estĂĄ preservada. Depois de passar por algumas escolas, concluiu o Ensino MĂ©dio, antigo cientĂ­fico, e tentou cinco vestibulares, sendo um para psicologia e, outro, para direito.

“Lido como acho que todos deveriam fazer, respeitando os seus prĂłprios limites. Para vocĂȘs verem como eu lido com minha limitação, ontem saĂ­ do lançamento (9 de dezembro) e ainda fui ao show da Elba (Elba Ramalho), do Alceu (Alceu Valença) e do Geraldo (Geraldo Azevedo), como vou a muitos outros lugares, sem dar a mĂ­nima para o que os outros falam sobre mim”, diz ele, que, em suas memĂłrias, passou pelo acidente em que ganhou duas fraturas, sendo uma na mandĂ­bula e outra no queixo. TambĂ©m contou sobre sua infĂąncia, vida estudantil, viagens, tratamentos e amores. No final, o autor ainda nos apresenta o projeto de um jornal para deficientes. Com o que ele sonha? “Desejo que as pessoas tenham motivação para superar suas dificuldades.”

Marisa Loures – Como surgiu o interesse do Nelson pela literatura?

Marilu Reis – Desde pequeno, ele sempre confessou ter vontade de escrever algo sobre si. Isso foi amadurecendo, e ele foi escrevendo. NĂŁo sei exatamente quando começou, mas, talvez, tenha demorado trĂȘs, quatro anos, desenvolvendo o livro, porque meu filho tem muita dificuldade de escrever, de digitar. Ele foi fazendo na esperança de que, algum dia, pudesse ser publicado. Para escrever o livro, Nelson nĂŁo contou com a ajuda de ninguĂ©m, foi escrevendo do jeito dele. Depois, dei uma lida, lembrei de alguns episĂłdios, alguns ele acrescentou, e outros, nĂŁo. Tudo para ele Ă© muito importante. Tudo o que fez ou faz tem um peso muito maior do que para nĂłs, que fazemos tudo com facilidade.

– Por que ele decidiu contar a prĂłpria histĂłria em um livro?

– O sonho dele era ser notado de alguma forma, ser importante, ser visto, porque tem muitas restriçÔes. As pessoas colocam muito preconceito, e, tudo o que viveu, ele viveu com muito gosto, com muito sabor, mesmo as coisas difĂ­ceis. Acho que ele tinha vontade de ser conhecido. SĂŁo algumas passagens da vida dele que resolveu registrar.

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Aos 53 anos, Nelson supera, a cada dia, as limitaçÔes impostas pela paralisia cerebral, diagnosticada aos 6 meses de vida – Foto Divulgação

– Ele teve icterĂ­cia pouco depois de nascer e, por uma negligĂȘncia mĂ©dica, foi diagnosticado com paralisia cerebral. Como foi naquele momento para a famĂ­lia enfrentar essa situação?

– Hoje, nĂŁo temos problema, mas, na hora em que o mĂ©dico disse o que tinha acontecido, inclusive a sentença de que ele seria um ser vegetativo, perdi o rumo. NĂŁo sabia nem onde eu morava. SaĂ­ do consultĂłrio sem saber para que lado era minha casa, mas, depois, resolvi encarar e ver o que podia ser feito. AtĂ© hoje a gente corre atrĂĄs de tudo o que pode ser feito. Sinto muito, foi um descuido, uma displicĂȘncia, mas, como todo mundo erra, deixei isso passar.

– Se o prognĂłstico do mĂ©dico tivesse se confirmado, ele teria ficado vegetando numa cama, teria sĂ©rios danos na inteligĂȘncia. Mas ele estudou, tirou o Ensino MĂ©dio e curte a vida como qualquer pessoa, o que serve de lição para muita gente…

– O mĂ©dico disse para mim que o maior dano seria na inteligĂȘncia, e Ă© o que ele tem de mais funcional. O dano muito sĂ©rio Ă© na parte motora, movimentos involuntĂĄrios que o impedem atĂ© de conduzir a cadeira de rodas sozinho. Em casa, meu filho tem uma cadeira de rodas motorizada. Esbarrando em tudo o que Ă© porta e parede, ele vai aonde quer. Na rua, tem sempre um acompanhante que conduz a cadeira. Ele depende de alguĂ©m para as atividades normais da vida diĂĄria. NĂŁo consegue, por exemplo, pegar um copo de ĂĄgua sozinho, porque entorna, mas ele encara isso numa boa. Se ele vai a um bar, se tem que dar comida na boca, para ele estĂĄ tudo bem.  Ele tem atĂ© uma deficiĂȘncia de convivĂȘncia normal, porque tem ficado mais dentro de casa e tem uma dor crĂŽnica. EntĂŁo, ele nĂŁo tem a convivĂȘncia que todo mundo tem, e isso traz uma visĂŁo de vida, Ă s vezes, um pouco diferente. É uma pessoa ingĂȘnua ao encarar certas coisas.

– Foi a força de vontade de vocĂȘs ou a capacidade de superação dele a responsĂĄvel por essa volta por cima?

– A força de vontade dele, em primeiro lugar. O nosso empenho e a orientação de tudo o que nĂłs temos buscado e temos encontrado. NĂŁo tem solução para tudo, mas, aquilo que Ă© possĂ­vel solucionar, tentamos buscar, e ele colabora.

– Como foi para a senhora descobrir vĂĄrios detalhes da vida dele atravĂ©s do livro?

– Ele gosta de aproveitar a vida. Eu falei: “poxa, isso eu nĂŁo sabia, nĂŁo conhecia.” Meu filho mais velho disse: “Olha, tem muito mais coisas que nĂłs fizemos que ele nĂŁo colocou no livro.” Foi muita surpresa para mim, e acho que ainda tem muito segredo ali.

 

 

– A professora da UFJF Christina Musse escreve, no prefĂĄcio, que ele ri das prĂłprias limitaçÔes. Ele nunca se colocou na posição de vĂ­tima?

– NĂŁo e nunca se revoltou. Ele tem, sim, certa tristeza na parte amorosa, porque gostaria de ter uma namorada, de ter se casado. E aĂ­ Nelson tem encontrado barreiras, mas de se sentir vĂ­tima nĂŁo. Na ocasiĂŁo em que ele quer alguma coisa, que sonha, mas nĂŁo consegue, se entristece um pouco. É lĂłgico, porque ele tem sentimento.

– No livro Nelson relata algumas aventuras amorosas. A famĂ­lia tenta protegĂȘ-lo de alguma forma?

– ProtegĂȘ-lo nĂŁo. Às vezes, conversamos sobre os riscos, mas proteção nĂŁo, porque ele tambĂ©m Ă© independente. Ele sempre tem um acompanhante para ir Ă  rua, exatamente, para fazer alguma coisa, sem ficar pai, mĂŁe e irmĂŁos atrĂĄs. EntĂŁo, nesta saĂ­da dele, nĂŁo dou muita conta do que acontece nĂŁo.

– Ele publica, no livro, o projeto de um jornal televiso para deficientes. Conte essa histĂłria. Por que essa ideia?

– Ele sempre teve vontade de que o deficiente fosse visto de outra maneira, que a população estivesse mais bem informada. Nelson tem vontade de ser Ăștil Ă  sociedade. Como ele nĂŁo conseguiu um emprego formal pela deficiĂȘncia que tem, jĂĄ que precisa de que alguĂ©m o ajude em todas as atividades da vida diĂĄria, mas quer participar de alguma forma. Quando o DVD apareceu, nĂłs colocamos uma placa de captura no computador, e ele fez muita conversĂŁo de fita VHS. Era gente aqui em casa o dia inteiro trazendo fita. Ele precisava de ajuda para colocar o DVD no aparelho, porque movimento fino ele nĂŁo consegue fazer, mas ele ganhou um bom dinheirinho.

– O que vocĂȘs sonham para esse livro?

– Acho que isso pode servir para muita gente, porque nem todos encaram esse problema de maneira otimista. Que essa histĂłria contribua para que as pessoas olhem para essa situação de maneira, pelo menos, nĂŁo pessimista.

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“A caminho de VĂȘnus… numa cadeira de rodas”

Autor: Nelson Cezar Reis

Editora: Gryphon EdiçÔes

Para comprar o livro, enviar e-mail para [email protected] e [email protected]

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures Ă© professora de PortuguĂȘs e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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