Mulheres no Volante comemora 10 anos de resistĂȘncia artĂstica feminina
Evento acontece neste såbado (9), com shows, exposiçÔes, oficinas e debate
2017 talvez tenha sido o ano das mulheres musicistas no Brasil. O selo PWR Records, criado pelas meninas de Recife, Hannah Carvalho e LetĂcia TomĂĄs, movimentou bandas de garotas com turnĂȘs por todos os estados brasileiros, trabalhando com divulgação, distribuição e banquinhas de merchandising. JĂĄ a SĂLA Ă© uma agĂȘncia de consultoria para cantoras. Ă especializado na criação de conteĂșdo, produção e assessoria em comunicação, garantindo todo o background para a carreira musical destas mulheres. Outra pĂĄgina que fortaleceu o movimento de mulheres na mĂșsica Ă© a “We are not with the band”, possivelmente uma conversa com o tĂtulo da biografia da Kim Gordon (ex-Sonic Youth), “A girl in a band”. A idealização Ă© da Filipa AurĂ©lio, garota portuguesa que vive em SĂŁo Paulo e Ă© a melhor fotĂłgrafa de shows que nĂłs respeitamos. AlĂ©m desses projetos, hĂĄ ainda o primeiro prĂȘmio de mulher na mĂșsica “Women’s music event”, que aconteceu no dia 28 de novembro no Brasil, destacando nĂŁo apenas cantoras, compositoras e instrumentistas, mas tambĂ©m DJs, jornalistas e produtoras musicais, radialistas, diretoras de videoclipe e empreendedoras musicais.
Nem Ă© preciso eu começar a enumerar a quantidade de discos lançados por mulheres brasileiras, pelo menos nos Ășltimos dois anos. Em alguns projetos, sĂŁo elas mesmas que compĂ”em, gravam todos os instrumentos e se autoproduzem. Letrux, PAPISA, Luiza Lian, Sara NĂŁo Tem Nome, Luiza Brina, Charlotte Matou um Cara, My Magical Glowing Lens, Carne Doce, Katze, Cinnamon Tapes, Mahmundi, BĂĄrbara EugĂȘnia, Karina Buhr, Ana Cañas, LuvBugs, Ventre, Cosmos Amantes, fica aĂ certamente uma pequenĂssima parcela de tudo o que tem rolado – sem mencionar o espetĂĄculo Xanaxou, uma mistura de feminismo, teatro, mĂșsica e misticismo reunindo mais de dez musicistas brasileiras, mesclando suas pesquisas, que representam a pluralidade das mulheres. Nesta semana tambĂ©m estĂĄ acontecendo a SIM: “Semana Internacional de MĂșsica de SĂŁo Paulo”, e pelo menos metade dos shows Ă© de mulheres musicistas.
10 anos do MnV
Diante deste cenĂĄrio, Bruna Provazi e TainĂĄ Novellino, realizadoras do primeiro e Ășnico festival de mulheres feministas em Juiz de Fora, decidiram que nĂŁo terminariam o ano sem a comemoração de dez anos da primeira edição do Mulheres no Volante. Em 2007, apĂłs frequentar festivais nacionais como o Lady Fest, em SĂŁo Paulo, e o Punk Feminino, em Goiania, Bruna volta a Juiz de Fora com a vontade de fazer o mesmo por aqui. Na Ă©poca, tinha sua primeira banda como guitarrista – Big Hole, que inclusive se reuniu novamente para se apresentar na edição revival deste ano. Em cinco ediçÔes, nos anos 2007, 2008, 2009, 2011 e 2012, a dupla teve apoio do CCBM e, em uma das ediçÔes, do Estação Cultural. Conseguiu trazer para cĂĄ, com pouco apoio, prezando pelo independente, bandas de SĂŁo Paulo como Dominatrix e As MercenĂĄrias (precursoras do movimento Riot Grrrl brasileiro), alĂ©m de bandas do Rio, GoiĂąnia, Sorocaba e, claro, Juiz de Fora. Em uma das ediçÔes, trouxeram a musicista Ellen OlĂ©ria, de BrasĂlia, por meio de uma campanha de financiamento coletivo. De 2011 a 2013, conseguiu levar o festival para outros lugares do Brasil, realizando trĂȘs ediçÔes em BrasĂlia (DF) e uma em Campinas (SP).
Uma das intençÔes sempre foi a de colocar as garotas no palco. Mesmo que a banda nunca tenha se apresentado ou estiver apenas começando, o Mnv Ă© incentivo para começar a ensaiar e, quem sabe, compor. Neste ano, por exemplo, com uma programação musical majoritariamente de Juiz de Fora, Dona Flor Ă© atração do Mnv Convida, um trio de pop e MPB que acabou de nascer. “Os homens sempre fizeram isso, chamam os ‘brothers’ para ajudar em um trabalho, mesmo sem experiĂȘncia, e eles começam aĂ algum portfĂłlio. EntĂŁo as mulheres precisam se lembrar de fazer isso em suas produçÔes, bandas, filmes: formar equipes com outras mulheres”, defende Bruna.
A programação deste ano nasceu tĂmida, atĂ© que uma rede de criadoras e produtoras da cidade foi entrando em contato querendo participar, expor e oferecer oficinas – todas ministradas por mulheres e com vagas destinadas a garotas. Bruna, que mora hĂĄ dez anos em SĂŁo Paulo, voltou para cĂĄ e encontrou uma outra realidade, que acompanha, naturalmente, o movimento feminista em todo o mundo. “Eu fiquei surpresa com a quantidade de mulheres em Juiz de Fora organizadas em coletivos e ainda com a quantidade de artistas querendo expor, dar oficina e tambĂ©m envolvidas com cinema.”
Mulher artista
CaracterĂstica do Mulheres no Volante desde a primeira edição Ă© mesclar a programação musical com outras manifestaçÔes artĂsticas da mulher, Ă© por isso que se consideram um “festival multi-artĂstico feminista”. “Inicialmente, o incĂŽmodo era a mĂșsica, mas como eu sou das artes visuais, da pintura e fotografia, fui trazendo essa ideia para as ediçÔes. A prĂłpria rede do festival foi trazendo outras mulheres criadoras, artistas”, comenta TainĂĄ. Uma recente nova atração incluĂda no evento Ă© a exposição de fotografias do SomaMulheres, uma apresentação do novo coletivo de mulheres da imagem em Juiz de Fora.
Para esta edição, algumas das oficina sĂŁo de dança reflexiva e consciĂȘncia corporal, com Lailah Garbero, e ginecologia autĂŽnoma, com Nina Pinheiro. TambĂ©m terĂŁo exposiçÔes das ilustradoras Maria Nicoline Hallack e Carmina Usher, estande de camisetas “Transfigurart” da Lilian Carvalho, banquinha de zines, brechĂł, flash de piercing e tatuagem. O CINE MnV vem para concretizar o sucesso das mulheres no Festival Primeiro Plano. “FilĂ©”, de NatĂĄlia Reis, que levou o prĂȘmio incentivo 2017, e “Ainda Ă© cedo”, da diretora Ana ClĂĄudia Ferreira, premiada no Ășltimo ano, serĂŁo exibidos durante o festival. “O cinema estĂĄ bem forte, nĂŁo tinham tantas mulheres no cinema em determinadas funçÔes, como a direção. O Festival Primeiro Plano trouxe isso, e acredito que o IAD esteja fazendo com que mais mulheres entrem para o cinema”, reflete TainĂĄ.
O que mudou de 2007 para 2017
Um debate dentro da programação do evento sobre as mulheres na cultura em Juiz de Fora tem a intenção de fazer essa reflexĂŁo. Inclusive eu vou participar desta mesa, junto a musicistas e produtoras. “Em 2007, quando eu e TainĂĄ chegamos com a ideia de um festival feminista em Juiz de Fora, era muito difĂcil. Questionavam: ‘mas pra que isso? VocĂȘs sĂŁo contra os homens?’. Hoje o assunto estĂĄ ainda mais em alta e facilitou muito”, conta Bruna. A intenção Ă© que o MnV seja um ponto de encontro de mulheres, para que troquem ideias, surjam novas parcerias e açÔes colaborativas. “Fazia cinco anos que a gente nĂŁo produzia nada em Juiz de Fora. E, que Ăłtimo, com tantas iniciativas rolando, vai ser interessante colocar uma em contato com a outra, um encontro das mulheres que estĂŁo ativas na cena.”
Sobre a programação musical, sentiram falta de bandas de rock femininas autorais na cidade, de 2007 para 2017 parece que bem pouco mudou nesse sentido. ‘Onde estĂŁo as mulheres bateristas e baixistas, por exemplo?”, Bruna indaga. Juiz de Fora Ă© rica em compositoras de MPB e agora o rap vem sobressaindo, mas bandas autorais de rock, punk, hard rock – com pelo menos alguma integrante mulher – Ă© raro por aqui. A programação musical, alĂ©m da banda Dona Flor, convidou Tata Chama & as InflamĂĄveis, com influĂȘncias de MPB e que deve mostrar algumas novas composiçÔes do quarteto, que convidou a cantora Luisa Moreira para a apresentação. TerĂĄ tambĂ©m a banda Hangover, tocando cover de rock clĂĄssico, hard rock e heavy metal. AlĂ©m da reuniĂŁo da banda punk Big Hole, convidaram a Rafa Jazz (SP) para fazer beats ao vivo, e o grupo Rap das Mina, com as MCs ThainĂĄ Kriya, Laura Conceição e Tata Dellon.
“Esse retorno de dez anos estĂĄ acontecendo com a menor edição de todas. Mas estamos conhecendo outras mulheres, e queremos fazer em 2018 um festival com mais dias, como sempre foi feito, tentando cada vez mais promover a inclusĂŁo, buscando, tambĂ©m, uma programação gratuita. Vamos voltar a correr atrĂĄs de patrocĂnio, leis de incentivo Ă cultura e continuar esse intercĂąmbio cultural com outras cidades do Brasil”, conclui TainĂĄ.
Festival Mulheres no Volante
Neste sĂĄbado (9), das 14h Ă s 23h, no Bananal (Rua Marechal Setembrino de Carvalho 286 – Ladeira)