Carregador móvel
Todo mundo sabe que a maioria destes carregadores móveis de bateria não valem grandes coisas. Até que recentemente encontrei um modelo que tem me salvado vez ou outra, quando a tomada mais próxima está “Lá la longe”: um ônibus, um passeio, uma festa, um bar daqueles tempos em que a gente não chegava nos lugares procurando um plugue. Mas no frigir dos ovos, seja em forma de drops, de capinha de celular ou de microtijolinho, estes “power banks” não passam de um banco movido a uma moeda sem lastro.
Na prática, carga boa é aquela que vem da fonte direta. Tenho um carregador “turbo”, que veio com o meu atual telefone, que é uma maravilha: enche os pauzinhos da bateria rapidinho e depois ela dura muito mais. Na vida, vale a mesma lógica da telefonia. Não que as pequenas carguinhas, as alegrias cotidianas, devam ser menosprezadas, jamais! Delicadezas mudam o curso de um dia ruim, de uma semana difícil, são a luz no fim do túnel de até de um ano inteiro de desventuras – como deviam saber os execradores de 2016. Só que muitas vezes a gente precisa ir na origem, na fonte, na tomada mesmo, aquela da parede.
Passei o carnaval bem longe do ziriguidum e dos glitters, até porque já tinha deitado o cabelo em ambos no esquenta para a folia. Fui para o sítio em que passei todos os fins de semana da infância; fiquei na piscina onde aprendi a nadar; usei pratos, talheres e copos que devem regular idade comigo. É o lugar onde minha vó passou seus últimos dias; eu, meu irmão e meus primos brincamos até alguém arrancar a tampa do dedão em uma topada; e brigamos até alguém sair chorando e dedurando a treta para os adultos. Foi onde meus pais se casaram; onde fui acolhida por minha avó e tia com minha mãe e meu irmão em tempos de vacas magras; onde vi todas os “Pessôa” mais novos que eu darem seus primeiros passos.
Não fosse suficiente, passado, presente e o mistério do planeta (o tal futuro) se reuniram comigo em forma de gente que amo. Amigos que podem falar sobre a Quinta Sinfonia de Beethoven e do “É o Tchan” na mesma conversa. Gente que me elogia e me repreende, dependendo do tópico, mas nunca abandona o “tô contigo”. Pessoas com idade para se lembrar do Jordi e quem nem tem ideia de quem foi o microfenômeno francês. Minha família, que chega com petiscos e decide ficar mais um pouquinho, “pra beber um pouco com os meninos”.
No dia de ir embora, fui receber a Marli no portão, que trabalha com minha mãe há anos. Como sempre, com um abraço e um beijo. Antes que nossos braços se afastassem, ela me apertou mais um pouco, e por um tanto mais de tempo: “Este aqui sua mãe que mandou”. E foi então que eu descobri. Aquele abraço, naquele lugar, encomenda de quem e dado por quem, e em meio a tanta gente que eu amo… Aquele é meu carregador turbo.