Exame nacional da segregação
Para a felicidade geral da nação, digam ao povo que o Enem de 2016 acabou – ou deveria, pois quase 272 mil estudantes realizarão outra prova em dezembro, devido às ocupações de escolas e universidades no país. No mar de polêmicas que a avaliação gera, hoje o convido a conversar sobre inclusão social. O Enem, exemplo de democratização do acesso ao ensino superior, amplia os horizontes de pessoas com deficiência, que podem através dele cursar uma faculdade.
Agora, imagine ter que decifrar gráficos complexos, fazer cálculos imensos de funções matemáticas e equações químicas, produzir uma boa redação e interpretar charges, imagens e textos que ocupam uma página sem poder enxergar. Tudo isso em uma maratona que pode durar seis horas e meia. Após fazê-lo, é bem provável que você já não concorde tanto com a última frase do parágrafo anterior. A razão é simples: o Enem não é feito para cegos serem capazes de realizá-lo.
Trabalho lendo o exame para deficientes visuais. Em 2015, ainda sob o hipócrita lema de “Pátria educadora”, cunhado pelo desastroso Governo Dilma, assisti à estudante que eu auxiliava chorar enquanto tentava fazer a prova de matemática. Obviamente, ela não conseguiu e precisou chutar a maioria absoluta das questões da área de exatas.
Nesta edição, não presenciei cena semelhante, porque o candidato sequer apareceu para fazer o Enem. No primeiro dia, dos 169 estudantes que realizariam o Enem na escola em que trabalhei, 59 faltaram. Entre as 17 lactantes previstas, apenas duas foram, mas uma desistiu antes do início da avaliação, e a outra a abandonou assim que as duas horas obrigatórias de permanência passaram. No domingo, nenhuma retornou – foram 66 faltas ao todo.
É inegável a importância de uma prova nacional de viés mais prático e interpretativo, em detrimento do conteudismo encontrado nos vestibulares tradicionais. Mas se você está entre os mais de 500 mil cegos do país, o MEC tem um recado claro: desista dos seus sonhos. A falsa inclusão promovida pelo Enem desestimula os deficientes visuais a entrarem no ensino superior e contribui para o aumento da já expressiva população economicamente inativa do Brasil.