Eu caminhava vagabundamente pelas ruas de pedra, sob um sol de rachar moleira, quando trombei a plaquinha: “SilĂȘncio”. NĂŁo como aquelas de advertĂȘncia nos hospitais, mas adornando a fachada de um sobrado contra o cĂ©u aberto e calcinante do meio-dia. Essa rua em que eu me metera era um pouco empenada, descia Ă esquerda e logo dava em outra travessa, igualmente empenada e que desaguava em mais vielas. AtrĂĄs de mim, a rua subia atĂ© uma praça e descia em curva para outras bandas.
Essa rua em que me precipitara zanzando sozinho era pequena, mera passagem para outras ruas e parques e avenidas e estradas e fronteiras. Por sorte era o inĂcio da tarde e era o interior da Espanha, e no interior da Espanha as pessoas ainda tĂȘm essa sabedoria de recolherem-se a suas casas e estirarem-se em suas praças para fazer a siesta, aquele momento de descanso pĂłs-almoço que sĂł os pedreiros, aqueles que dĂŁo uma pestanejada depois de bater um PFĂŁo, sabem compreender em sua magnitude e potĂȘncia. O silĂȘncio era absoluto. E permitia ecoar coisas que nĂŁo estavam ali.
Nessa rua chamada SilĂȘncio, o tempo parecia suspenso. O espaço se alargava e fazia sala Ă contemplação. Que experiĂȘncia! Como nĂŁo morar no SilĂȘncio agora? Se Ă© preciso silĂȘncio para compor uma mĂșsica para ser tocada acintosamente alta; se Ă© preciso silĂȘncio para investigar minhas cicatrizes e tambĂ©m aquelas que inflijo a outros; silĂȘncio para mudar de direção, para manter o rumo, para desacelerar o mundo, acelerar os sonhos, medir as palavras, pesar o pensamento, dar valor ao que sai da boca e dos dedos e dos mĂșsculos – o coração, mĂșsculo vital! -, extrair, enfim, realização do vazio.
Como aquela rua pequenininha, impĂĄvida sob o sol fustigante, o silĂȘncio desĂĄgua em outras praças e avenidas, fronteiras e planos, atos e afetos. Ă ponto de partida. NĂŁo o silĂȘncio da banal ausĂȘncia de sons, mas o do esvaziamento das necessidades, da gana de produzir e produzir e produzir, produzir o que quer que seja, de ganhar mais dinheiro, mais likes e compartilhamentos, da correria desenfreada que nĂŁo leva a lugar algum. Um silĂȘncio que floresce num domingo perfeito, numa nova canção, no tempo precioso com aqueles que amamos.
Talvez estejamos todos correndo atrĂĄs disso, quando talvez nĂŁo devĂȘssemos correr, mas apenas caminhar. E sentar-nos Ă sombra de uma mangueira. Fazer a siesta e ouvir o vento. Olhar pra dentro. No fim das contas, talvez todos nĂłs estejamos por aĂ nessa desabalada carreira, entrando e saindo de vielas, procurando aquela rua chamada silĂȘncio.