O Senado ainda não havia trazido à luz o ‘impeachment’, após a acidentada gestação de nove meses que deixou o país tenso à espera do demorado parto, e já se ouviam vozes responsáveis advertindo que o afastamento da presidente não é episódio que se encerra em si mesmo; antes, projeta sobre o cenário das instituições nacionais novos desafios e questionamentos.
De fato. Não é suficiente enterrar maus políticos, mas necessário atacar as fontes que facilitam suas maldades. E na mesma cova sepultemos o surrado modelo parlamentar republicano que conduz à corrupção, ao tráfico de influências, ao corporativismo.
O modelo esgotou-se, depois de febricitante produção de vícios e desvios. A começar pela legislação eleitoral, que acata e abençoa o espúrio das coligações proporcionais entre partidos, facilitando os grandes e corrompendo os pequenos, em “casamentos duvidosos e concubinatos adulterinos”, no dizer do ministro Saulo Ramos.
É ao embalo dessas amigações passageiras, ajuste de conveniências, que começa a desmoralização do sistema que se reflete pesadamente no Congresso. Então o Brasil e suas lideranças são chamados a romper com esses defeitos. É o primeiro desafio. O segundo desafio, na esteira do primeiro, encontrar o jeito de conter o crescente corporativismo no Parlamento, onde em um terço das cadeiras tomam assento convicções religiosas intolerantes. Outra parcela das bancadas, também expressiva, se fecha nos agronegócios e nos prestadores de serviços. Não faltando os que desejam reduzir tudo e todos a um discurso que divide as raças. Os partidos e o Congresso não podem se prestar a isso.
Wilson Cid – jornalista e leitor convidado