Laicidade do Estado e religião


Por LUÍS EUGÊNIO SANÁBIO E SOUZA Escritor

10/10/2014 às 06h00- Atualizada 02/03/2018 às 13h24

Pertence à estrutura fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus (Mateus 22,21), isto é, a distinção entre Estado e Igreja ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia das realidades temporais. A Igreja Católica reconhece que é correto o princípio da laicidade do Estado quando é compreendido como distinção entre a comunidade política e as religiões. Assim, “é legítima uma laicidade sadia do Estado em virtude da qual as realidades temporais se regem segundo suas próprias normas, mas sem excluir as referências éticas que têm seu fundamento último na religião. A autonomia da esfera temporal não exclui uma íntima harmonia com as exigências superiores e complexas, que derivam de uma visão integral do homem e do seu eterno destino” (Papa Bento XVI: Discurso ao presidente da Itália em 24/06/2005). “No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas. Mas ambas, embora a títulos diferentes, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens” (Concílio Vaticano II: GS nº 76).

É um grave erro apoiar-se no princípio da laicidade do Estado para justificar a adoção de uma política ateia que não reconhece a natureza religiosa da pessoa humana ou que simplesmente relega a religião para o âmbito individual. Também é um grave erro reivindicar, em nome da laicidade, ou seja, da justa autonomia do Estado, uma espécie de neutralidade moral. As exigências morais dos grandes valores que dão sentido à vida e salvaguardam a sua dignidade são valores humanos que as religiões apenas confirmam e, portanto, não podem ser confundidos com valores estritamente confessionais ou pertencentes ao âmbito restrito das religiões. Assim, todos, sem exceção, devem procurar sinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito à vida (desde a concepção até à morte natural) e aos outros direitos da pessoa.

“O fato de algumas destas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a laicidade do empenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no seu reconhecimento por parte de cada cidadão. A laicidade, de fato, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Seria um erro confundir a justa autonomia, que os católicos devem assumir em política, com a reivindicação de um princípio que prescinde do ensinamento moral e social da Igreja” (Roma, Nota doutrinal da Congregação para a doutrina da fé, em 21/11/2002).

“O laicismo, ou seja, uma ideia que separa totalmente a vida pública de qualquer valor das tradições, é um caminho cego, sem saída. Devemos voltar a definir o sentido de uma laicidade que realça e preserva a verdadeira diferença e autonomia entre as esferas, mas também a sua coexistência, a responsabilidade comum. Só com uma base de valores que têm fundamentalmente uma origem comum, a religião e a laicidade podem viver numa fecundação recíproca” (Papa Bento XVI em 28/11/2006). Segundo a doutrina católica, “não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social” (Catecismo da Igreja Católica nº 2442). Mas faz parte da missão da Igreja “emitir juízo moral também sobre as realidades que dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas” (Concílio Vaticano II: GS 76,5).

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.