Reação que surte efeito
Rede atua para privilegiar os produtores de seu país, mas não pode excluir um mercado ascendente que se vale da livre concorrência
O recuo do Carrefour, que desistiu do projeto de não comprar carne do mercado brasileiro e esbarrou no protesto generalizado dos frigoríficos brasileiros e até mesmo do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, faz parte do jogo dos negócios, mas também foi revelador ao apontar a pressão dos produtores franceses diante da concorrência. Ontem mesmo, após a matriz da rede ter se retratado e afirmado que vai continuar comprando carne brasileira, o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Ricardo Santin, confirmou a notícia e garantiu que o fornecimento será retomado sem prejuízo para os consumidores.
O imbróglio começou na semana passada, quando o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, em postagem nas redes sociais, anunciou que o grupo deixaria de comprar carne do Mercosul, “em apoio ao mundo agrícola da França”, e colocava em dúvida a qualidade do produto brasileiro. O que ele não previa era a reação do setor e do próprio Governo.
Durante o G20, na semana passada, no Rio de Janeiro, as tratativas entre a União Europeia e o Mercosul já estavam gerando incômodos na França. Enquanto o presidente Emmanuel Macron estava à mesa em negociações com os parceiros, os produtores franceses foram às ruas, pararam o trânsito com máquinas e outros equipamentos, mostrando a sua insatisfação. Bompard focou esse grupo, emitiu a nota e cedeu às consequências. Perdeu parte da confiança dos produtores brasileiros e, provavelmente, perdeu a dos patrícios que apoiaram a sua ideia.
O mercado global é sempre marcado por incertezas, uma vez que as economias locais têm perdido espaço diante da porosidade das fronteiras econômicas. A aposta é sempre o menor preço, que pode tanto estar no mercado interno quanto no exterior. O que foi mostrado à rede de supermercados é que o argumento era frágil, ao colocar em dúvida as medidas sanitárias das quais o Brasil é campeão.
Jogo jogado, cada lado cumpriu o seu papel, e a vida segue, mas o que ora ocorreu é prenúncio de outros abalos que virão pela frente, sobretudo após a posse do presidente Donald Trump na Casa Branca. O ex e futuro presidente tem um histórico isolacionista e, certamente, jogará todas as suas fichas no mercado interno, inclusive no agronegócio.
Diante de tal pressão, outros governos nacionais, inclusive o Brasil, serão induzidos a adotar medidas para salvar a sua economia, o que implica novos enfrentamentos entre produtores e compradores com repercussão no mercado interno.
A nota é emblemática. “A decisão do Carrefour França não tem como objetivo mudar as regras de um mercado francês já amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais. Ela visa garantir legitimamente aos agricultores franceses, que enfrentam uma grave crise, a continuidade do nosso apoio e de nossas compras locais.”
“Do outro lado do Atlântico, compramos quase toda a nossa carne brasileira no Brasil e continuaremos a fazê-lo”, afirmou. “Lamentamos que nossa comunicação tenha sido percebida como uma contestação de nossa parceria com a agricultura brasileira e uma crítica a ela.” O próximo lance é questão de tempo.