Desinformação, o novo cabresto

“(…) a elite política sabe que boa parte da população, por ser vulnerável, é facilmente manipulável”


Por Eder Lima Moreira*

04/06/2025 às 08h00

A história brasileira passa, na maioria dos acontecimentos, pela história da influência de uma categoria específica de políticos sobre os brasileiros. O último país do Ocidente a “acabar” com a escravidão, o país que demorou muito mais do que outros da América Latina a inaugurar universidade pública, deu mostras de que o atraso era uma política de estado e, quando não era de governos também, era daqueles que gostariam de assumi-los. Ou seja, o atraso sempre foi uma estratégia de poder das elites políticas reacionárias (e continua sendo).

Neste contexto, a manipulação de eleitores – também demoramos a ter eleitores e, sobretudo, eleitoras, plenos – tornou-se fundamental para a garantia de sucesso daquela estratégia. Antes eram coercitivos os trabalhos dos senhores, dos coronéis, na tarefa de fazer pessoas (do povo) agirem conforme eles quisessem. Em um salto histórico para o hoje – na era digital – mudaram os senhores e os coronéis, mas a estratégia de poder, pela via do atraso, continua a mesma. Contudo, paradoxalmente, o atraso se modernizou!

Em um país onde pouco se lê, já que também foi estratégia garantir isso, onde os meios de informação autônomos e livres apareceram tardiamente e onde a ciência é historicamente perseguida e desacreditada, a elite política sabe que boa parte da população, por ser vulnerável, é facilmente manipulável. Por isso, a desinformação aparece como a arma perfeita para o intento. Joga-se nas redes e nas ruas, dentro de nichos/grupos, o que se pretende que seja espalhado, sem esperar a devida apuração, e – bingo! – a magia acontece, o “cabresto” é instalado com eficazes antolhos.

A desinformação encontra outro campo propício para a sua proliferação, qual seja: indivíduos deslumbrados com figuras públicas que representam o anticonhecimento; indivíduos alucinados a ponto de fazer corrente de oração para a Fernanda Torres não ganhar o Oscar; divulgar áudio dizendo que a vacina da gripe vai conter todas as outras vacinas de Covid a fim de exterminar 50% da população do mundo; ou seja, um campo fértil para o que não é a verdade. E ela, a mentira, irmã gêmea da desinformação, é usada de tal modo que, sendo para atingir um opositor e alcançar ou manter o poder, não importa se traz algo de concreto. Aqui reside mais um campo propício: a falta de senso sobre a realidade, que permite que a imaginação ganhe força e passa-se a acreditar que o que se imagina, a partir de uma “informação” falsa e/ou distorcida recebida, é a verdade. A ponto, por exemplo, de parte da classe trabalhadora transformar em semideuses pseudos deputados que votam contra os anseios de si mesma; a ponto de se acreditar, há pelo menos 108 anos, que o comunismo é iminente no Brasil; a ponto de escancarar e propagar preconceitos sem um pingo de vergonha e respeito ao próximo.

A desinformação cresce, pois também encontra governos, agentes públicos, jornalistas, cientistas, educadores, estudiosos, líderes comunitários, influencers… sem a mesma capacidade que possuem os agentes desinformadores de transmitir mensagens. Por quase sempre se tratar de algo que atinge a maioria da população, alguns políticos e formadores de opinião – com aquela velha estratégia à brasileira – sabem o momento certo de lançar mão do atraso como tática e, assim, ganhar espaço e força com a desinformação, onde a falsa liberdade de se propagar o que quiser é, na verdade, a forma moderna de aprisionamento. Eles valem-se do atraso para avançar como lideranças políticas! A desinformação, assim, é o novo cabresto; é, portanto, mais uma mazela do Brasil. Todavia, sendo uma estratégia conhecida, não fazer nada sobre é também colaborar com os “domadores”.

*  Cientista social e graduando de Jornalismo

 

Esse espaço é para a livre circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail ([email protected]) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.