Um rio, muitas histórias. Em março de 2024, a Tribuna publicou uma matéria especial sobre a luta de moradores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro pela preservação do Rio Preto. Localizado na divisa entre os dois estados, o curso d’água e seu entorno abrigam animais em risco de extinção, plantas raras e um grande valor simbólico e cultural para as pessoas que por ali vivem. Ao contrário do destino de muitos outros rios brasileiros, esse continua conservado, e pouca mudança foi observada nas últimas décadas. Para que assim permaneça, a população ajudou a criar duas Unidades de Conservação, uma do lado mineiro – em Porto das Flores, distrito de Belmiro Braga, e outra do sul fluminense – em Rio das Flores.
Preocupados com a possível construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) na região, moradores dos dois municípios procuraram o jornal. Para entender os interesses no uso do Rio Preto, a repórter Elisabetta Mazocoli e eu, Nayara Zanetti, ouvimos os relatos da população, os resultados de estudos de pesquisadores e a empresa que pretende instalar a PCH Santa Rosa I. O Rio Preto resiste como o único rio da bacia do Paraíba do Sul que não é poluído. A população e pesquisadores disseram à equipe da Tribuna, na época, que temiam que o empreendimento alterasse essa realidade, trazendo impacto negativo para o curso d’água, para a biodiversidade da região e para a vida dos moradores.
Um lugar de espécies raras
O Rio Preto nasce na Serra da Mantiqueira e percorre 240 km até desaguar no Paraibuna. A presença de espécies raras na altura de Porto das Flores e Rio das Flores motivou a criação dos Monumentos Naturais Corredeiras e Piracemas do Rio Preto. O estudo técnico das Unidades de Conservação mostrou que ao menos 39 tipos diferentes de peixe vivem no Rio Preto. Uma das últimas populações do surubim-do-paraíba (Steindachneridion parahybae), espécie exclusiva da bacia do Rio Paraíba do Sul, criticamente ameaçada de extinção, foi encontrada nessas águas. Além disso, a bromélia Neoregelia johannis foi identificada às margens do Rio Preto, em Porto das Flores, em 2022. Essa espécie ocorre em outras áreas da Mata Atlântica no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas pela primeira vez foi registrada em Minas Gerais.
Um dos precursores da causa em defesa do rio, o representante da Associação de Moradores e Amigos de Porto das Flores, Annibal Magalhães, 50, ressaltou que além da rica biodiversidade do local, o projeto da PCH não considera a presença de sítios arqueológicos e de comunidades originárias no local. Annibal vê o turismo ao redor do rio como potencial econômico da região, que também, em sua visão, seria afetado por essa construção. Algumas atividades de ecoturismo estão sendo pensadas pelos moradores, como passeios de caiaques, rafting, natação, circuito de bicicleta e passeio a cavalo, além das visitas aos casarões do antigo Vale do Café.
Em entrevista à Tribuna, a empresa Minas PCH, responsável pelo projeto, concedeu informações sobre o empreendimento em questão, afirmando que o reservatório possuirá pequenas dimensões, “com reduzidos impactos sobre as questões abordadas pelos moradores”. A empresa também disse que ações voltadas à preservação e à documentação das belezas da região estão sendo feitas com base no Plano Básico Ambiental (PBA), além de outros esclarecimentos sobre as queixas dos moradores que foram detalhados na reportagem completa.
‘O rio é tudo pra gente’
Um dos moradores ouvidos pela Tribuna, Edson Batista Faria, 57, conhece o Rio Preto como ninguém. Se pedirmos para mostrar onde o surubim vive, ele saberá exatamente o local. Há 30 anos, o pescador navega por essas águas. Nasceu no distrito de Manuel Duarte, mas ainda novo se mudou com a família para Três Rios, onde começou a trabalhar com pesca aos 14 anos. Aprendeu tudo o que sabe com o pai e o irmão. Para Edson, o valor econômico da atividade não deve se sobrepor à importância ambiental e cultural do rio. “Se eu pego um peixe raro, como o surubim ou o cascudo-leiteiro, por exemplo, eu devolvo. Pode ser grande ou o que for, mas eu solto porque sei da sua importância.”
Em Três Rios, a família dependia do Rio Paraibuna para pescar. Quando voltou a morar em Manuel Duarte, aos 27 anos, sentiu grande diferença entre os dois cursos d’água. “O Rio Preto sempre foi muito fértil, desde quando eu cheguei. O Paraibuna era mais poluído. A água do Preto é mais limpa, as cabeceiras mais protegidas, com mais mata. O Rio Preto é o rio mais saudável da bacia e eu tento fazer de tudo para manter isso.” Para conseguir isso, começou a realizar um trabalho de educação ambiental com os outros pescadores. “É importante preservar para que minha filha, neta e sobrinha tenham a mesma oportunidade de desfrutar esse espaço que eu tenho”, deseja o pescador.