Em um ano, o número de vidas perdidas por assassinato em Viçosa aumentou cerca de 37%. A afirmação é fruto de um comparativo entre 2022 e 2023, feito pela Tribuna a partir de dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), que demonstrou um salto de 24 para 33 homicídios registrados. A cidade desconhece, entretanto, grande parte das motivações desses crimes, segundo o registro do próprio órgão estadual. Se avaliados os últimos cinco anos, os dados são ainda mais alarmantes, uma vez que os moradores testemunharam os assassinatos dobrarem no município: foram 15 ocorrências dessa natureza registradas em 2019, 20 em 2020 e 2021, 24 em 2022 e 33 homicídios em 2023.
Para Wagner Batella, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), esses dados demonstram um crescimento gradativo de assassinatos. “É preocupante, porque em Viçosa o homicídio cresce em detrimento da queda de outros crimes violentos”, aponta o docente, à medida que esclarece que, para definir a grandeza de um dado, é necessário construir comparativos.
A afirmação de Batella é fundamentada nos dados da Sejusp. Os crimes violentos diminuíram como um todo no município. Enquanto em 2022 houve 178 ocorrências dessa natureza, elas caem para 141 no ano seguinte, o que simboliza cerca de 20% a menos. Apesar disso, conforme demonstrado, neste mesmo recorte temporal, os assassinatos subiram 37%. A Tribuna questionou a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), da unidade de Viçosa, sobre o que poderia ter levado a tal crescimento. Contudo, não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
‘Causa ignorada’ de homicídios
A causa do pico desses homicídios em 2023 não é facilmente identificável de forma homogênea a partir dos dados, com um único fator determinante para a violência dessa criminalidade. Isso porque entre as motivações elencadas nos assassinatos contabilizados pela Sejusp estão três mortes como resultado de brigas, oito por motivações que não foram citadas, duas por vingança e outras duas por envolvimento com drogas.
O restantes delas aparece concentrado em duas categorias: quatro mortes em decorrência da ação de gangues e facções criminosas e 14 têm causa desconhecida, pontualmente denominada “ignorada”, segundo critério tipificado durante o momento do Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) e inserido dessa forma no banco de dados da Sejusp.
Frente a essa realidade, Wagner Batella analisa como a falta de identificação das causas de homicídios pode ser associada a outras problemáticas. “Grande parte dos homicídios no Brasil não são elucidados, e isso demonstra uma fragilidade no tocante às investigações e tecnologia.” Ele acrescenta que a dificuldade em identificar e, posteriormente, elucidar os crimes é tão grave quanto as próprias incidências.
“A não resolução de crimes aumenta o sentimento de impunidade, o que se torna um convite para mais pessoas se sentirem confortáveis para cometer atos delituosos”, afirma o estudioso. Neste ano, o porta-voz da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), major Alexandre Antunes, destacou que câmeras com a tecnologia de inteligência artificial (IA), para identificar veículos pelas placas, já estaria sendo testada tanto em Viçosa quanto em Muriaé e Ubá.
97% dos assassinatos foram com arma de fogo
No dia 11 de janeiro de 2023, um homem, 40 anos, foi morto à queima-roupa dentro de uma oficina em Viçosa. O crime ocorreu pela manhã e a vítima foi encontrada, já morta, no chão do banheiro do estabelecimento, com diversas perfurações. No dia 25 de setembro do mesmo ano, uma adolescente, 17 anos, morreu alvejada, no Bairro Novo Silvestre, em Viçosa. À época, a polícia trabalhava com a hipótese de a morte ter sido fruto de uma emboscada. A menina estava indo para a piscina quando perdeu a vida.
A brutalidade dos casos chama atenção para algo que se tornou comum em quase todos os crimes de homicídio na cidade: o uso de arma de fogo. De acordo com o levantamento da Sejusp, apenas um dos 33 homicídios anotados em 2023 não teve uma arma de fogo como instrumento para tal. A reportagem questionou a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se a corporação trabalhava com a possibilidade de execuções, em vista da posse de arma em via pública, de modo não autorizado e da brutalidade de tais ações, além da citação da presença de gangues e facções criminosas.
À Tribuna, a PCMG informou que todos os crimes estão em apuração em inquéritos policiais e que, até o momento, afirmações não poderiam ser feitas para não interferir no curso das investigações. “O sigilo necessário e imprescindível para a apuração dos casos impossibilita a divulgação de informações relacionadas aos crimes”, disse o delegado regional, José Donizetti.
Dinâmica territorial da violência
No dia 27 de julho de 2023, um idoso, 64 anos, morreu após uma troca de tiros com outro homem, de 53. A briga teria ocorrido por causa de uma solta de foguetes em um bar e evoluiu para um reencontro de ambos, já na rua e armados. Foi na via pública do Bairro Nova Viçosa, em Viçosa, que o mais velho morreu, atingido com um tiro no rosto e nas costas. “Há um consenso entre quem discute segurança pública que nos últimos anos nós experimentamos uma concepção de enfrentamento da violência muito equivocada, em que mais armas traria mais segurança”, opina Wagner Batella. Com a abordagem armamentista, segundo ele, mais armas foram parar nas mãos de pessoas sem treinamento, o que aumentou inclusive a possibilidade de elas serem subtraídas por criminosos.
O Bairro Nova Viçosa, palco da troca de tiros acima citada, aparece também como local em que mais foram concentrados homicídios na cidade. Sete ocorreram somente ali em 2023. Em segundo lugar aparece o Bairro Bom Jesus, segundo os dados da Sejusp. No entanto, no ano anterior, a área não foi cenário de nenhum crime dessa natureza. Em 2022, os bairros que lideraram a lista foram Benjamin Araújo, Sagrados Corações e Sol Nascente, com quatro, três e dois casos respectivamente. Sobre o crescimento exponencial de zero para sete casos em um único bairro, que foi o caso do Nova Viçosa, o especialista levanta a hipótese tanto da chegada do tráfico nessas regiões quanto conflitos interpessoais que podem gerar os homicídios em determinados locais.
“O Bairro Nova Viçosa é um bairro de periferia pobre. O que tende a ocorrer são conflitos gerados por tráfico de drogas, mas, por outro lado, também são nesses bairros onde os laços de vizinhança costumam ser mais fortes”, observa. O que ele pressupõe, portanto, é que os mecanismos de controle social informais – família, igreja, vizinhança – que normalmente funcionam bem nesses locais, possam estar sendo quebrados. “O que está fazendo com que esses laços de sociabilidade sejam quebrados? A pergunta deveria ser realizada”, sugere.
Trauma
A repercussão do crime gera um sentimento de insegurança social, ele diz, conforme tece diálogo com outros aspectos desses assassinatos. “A arma de fogo em via pública em trocas de tiros ou no cometimento de homicídios torna o espaço uma terra sem lei, isso aumenta muito a sensação de insegurança da comunidade. A experiência de presenciar um ato de tamanha gravidade como o homicídio é um trauma individual e coletivo”, avalia.
As famílias, vizinhos, testemunhas oculares e toda a comunidade se tornam reféns daquele crime, o que passaria a alimentar o receio da falta de segurança e as “falácias da violência” sobre esses casos. “Isso faz com que as pessoas mudem suas práticas de saírem a rua, investir em equipamento de segurança e também na estigmatização do outro – que passa a ser visto como uma ameaça em potencial”, finaliza Batella, ao assinalar que o medo passa a ser direcionado em parte para determinados grupos populacionais que já são estigmatizados.