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ALMG debate violação dos direitos humanos no sistema prisional de Juiz de Fora

Denuncias ALMG Paula Duarte 3
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A situação dos presos na Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, em Juiz de Fora, foi debatida em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta quarta-feira (30). Foram investigadas denúncias de possíveis violações de direitos humanos no sistema prisional, como superlotação, má alimentação e briga de facções. Familiares estiveram no plenário para expor a condição insalubre à qual os encarcerados estão submetidos.

O requerimento para a realização da audiência é da presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputada Andreia de Jesus (PT). As denúncias foram levadas a público pela vereadora de Juiz de Fora Tallia Sobral (Psol), que também esteve na audiência.

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Representantes de movimentos do município marcaram presença na capital do estado para discutir o tema. Participaram da audiência membros do Conselho da Comunidade de Execução Penal; Fórum Feminista 8M; Centro de Referência em Direitos Humanos; Mãe pela Liberdade; Movimento Negro Unificado; Unegro e lideranças religiosas.

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Mais de dez mortes registradas em 2023

Um dos destaques durante a sessão foram as mortes de dez detentos ocorridas este ano. Nove delas atrás das grades da unidade. Sete por supostos enforcamentos com cordas artesanais tipo “teresa” em celas lotadas, com cerca de 30 pessoas. Pelo menos um desses presos teria sido assassinado por colegas de cárcere, que forjaram seu autoextermínio, segundo investigação da Polícia Civil. Outros casos seguem em apuração e podem revelar outros “suicidados”.

A veracidade dos autoextermínios dentro do sistema prisional é contestada por familiares e membros de órgãos defensores dos Direitos Humanos. Membro do Conselho da Comunidade de Execução Penal, Manuel Paixão, trabalha há mais de 20 anos com a população carcerária. De acordo com ele, ao analisar as ocorrências que mostram a dinâmica dos fatos, “fica claro que muitos dos suicídios foram na verdade homicídios”. Ele ainda ressalta que, dos dez mortos, nove eram homens negros.

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Ele cita o exemplo de um dos presos que “se enforcou” em uma cela com 33 pessoas sem que ninguém tivesse visto, segundo registrou o boletim de ocorrência. “Se observarmos todos esses supostos autoextermínios aconteceram de madrugada e o óbito foi constatado só de manhã. Passou a noite toda sem que ninguém tenha visto? Os presos morriam e no dia seguinte apareciam nas notícias como se tivesse sido autoextermínio, sem qualquer averiguação já era tachado como suicídio.”

As denúncias também apontam que a Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires se tornou palco de rivalidade entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). A rivalidade entre os presos poderia ser um dos motivos das mortes dentro da unidade prisional.

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Dez mortes ocorridas neste ano também foram lembradas por meio de cartazes e manifestações de familiares durante audiência (Foto: Paula Duarte)

Denúncias

Foram apontadas irregularidades no horário de visitação por parte dos familiares dos presos. Conforme o relato de uma das mães, cujo filho está acautelado na Penitenciária José Edson Cavalieri, as quatro horas de visita permitidas não são cumpridas, por conta de atrasos e mal planejamento, cita. “Se o horário de visitação está marcado para 8h, por exemplo, a gente vai passar pela revista umas 9h, e chegar lá dentro 10h. A gente nunca tira as 4h com ele.”

Ainda em relação à visitação, foi exposto que os encontros estão restritos a familiares e cônjuges, excluindo amigos e pessoas em união estável. Uma das mães afirmou que essa medida fere principalmente os presos da comunidade LGBTQIAPN+, que frequentemente são vítimas de abandono parental e criam laços afetivos com outras pessoas ao longo da vida.

A falta de água no sistema prisional também foi apontada como um problema tanto na penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, quanto na José Edson Cavalieri. De acordo com as denúncias, a água só é distribuída durante três horas do dia, podendo ser à tarde, manhã, ou noite. Muitas das vezes os presos ficam privados de banho e higiene pessoal, o que os retira também das visitas íntimas.

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Em resposta a esses problemas, o diretor Regional de Polícia Penal, Jefferson de Alcantara Almeida, representando o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Rogério Greco, afirmou que foram recebidos novos equipamentos para ambas as penitenciárias que vão resolver o problema do desabastecimento. Já quanto às visitas, o diretor se colocou à disposição para conversar sobre o assunto com as famílias para atender as demandas.

Alimentação

Em setembro uma greve de fome foi iniciada pelos detentos da Ariosvaldo Campos Pires por conta da má condição de alimentação no presídio. Na audiência, o tema foi levantado pela representante do Centro de Referência dos Direitos Humanos de Juiz de Fora e Zona da Mata, Raiane Costa. De acordo com ela, a situação coloca o Estado de Minas Gerais em uma conduta criminosa ao negar um direito básico aos acautelados sob sua tutela. “As pessoas não tinham o direito à alimentação, porque as comidas chegavam estragadas, azedas, com resto de lixo, animais. Uma violação à saúde. Mudou a empresa, comemoramos como uma vitória, mas hoje estamos na mesma situação. A comida continua chegando estragada.”

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Sobre a alimentação, Jefferson de Alcantara afirmou que há articulações para trazer as cozinhas para mais perto das unidades prisionais, a fim de evitar que a comida chegue azeda aos presídios.

Ceresp interditado e superlotação

Desde 2022, o Centro de Remanejamento Provisório (Ceresp), no Bairro Linhares, segue interditado e passa por reformas. A expectativa era de que as obras ficassem prontas neste ano, com ampliação para 500 vagas masculinas na unidade. Os cerca de 800 presos que estavam custodiados no espaço, portanto, foram transferidos provisoriamente para outras penitenciárias e centros de remanejamento da região.

A condição acarretou superlotação nos demais presídios do sistema prisional de Juiz de Fora. Há relatos de celas que chegam a ter 60 pessoas. A falta de infraestrutura básica, como ventilação e iluminação foi exposta por órgãos relacionados aos Direitos Humanos de Juiz de Fora. De acordo com a advogada membro da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB de Juiz de Fora, Michelle Leal, as celas na José Edson Cavalieri estão sem luz, algo que é contra a lei desde a Ditadura Militar. “Hoje estamos em um sistema penitenciário torturador. Em Juiz de Fora nós temos problemas no regime fechado e semiaberto. O diretor da Pejc (José Edson Cavalieri) tirou todas as lâmpadas e se negou a falar com o preso. Atualmente a Pejec está no escuro.” Durante a fala oficial, o diretor Jefferson de Alcantara Almeida não comentou sobre o assunto.

Desde agosto, Ariosvaldo Campos Pires não é mais porta de entrada do sistema prisional da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp) de Juiz de Fora. O presídio do município de Matias Barbosa foi designado pelo Estado para essa função. Na prática, significa que os novos presos provisórios, sejam aqueles autuados em flagrante ou detidos mediante mandados de prisão, vão ser encaminhados, inicialmente, à unidade na cidade vizinha, e não mais a Juiz de Fora.

Mais visitas técnicas

A vereadora Tallia Sobral afirmou que é preciso manter uma relação próxima entre os órgãos reguladores do estado para que o acompanhamento da situação no sistema prisional seja efetivo. Para ela, é preciso realizar outra visita técnica como a realizada pela Comissão dos Direitos Humanos para “mostrar que, desde então, não foi possível avançar nessas questões”.

Ela ainda ressaltou a importância da volta do Ceresp para mitigar o problema da superlotação. “O prazo era para agosto, depois passou para outubro, agora está em dezembro. Não pode adiar mais, pelo contrário, o Estado precisa expor qual política eles vão adotar para acelerar as obras no Ceresp. Por mais que Juiz de Fora não seja mais a porta de entrada, continuamos com mais de mil pessoas dentro da Ariosvaldo, em um ambiente com superlotação, problemas de infraestrutura e um espaço insalubre”.

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