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Próxima gestão tem desafio de repensar a mobilidade urbana em JF

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Juiz de Fora conta com o Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob-JF) desde 2016, reunindo diretrizes e projetos para atender os mais diferentes âmbitos do tema na cidade. O objetivo principal do documento é integrar diferentes modos de transporte e melhorar a acessibilidade e mobilidade de pessoas e cargas na cidade. O texto aponta como prioridade o transporte coletivo sobre o individual, os veículos não motorizados, bem como valorização do pedestre. Os caminhos seguidos no município, porém, parecem ir em direção contrária, segundo especialistas.

O número de automóveis particulares cresce cada vez mais nas ruas, enquanto o transporte coletivo passa por um desequilíbrio financeiro devido à queda do número de usuários. Mesmo no caso de meios alternativos e sustentáveis, como bicicletas, a cidade ainda carece de investimentos para incentivar este tipo de transporte. A próxima administração municipal enfrentará um cenário com diversas discussões sobre o tema, muitas delas, inclusive, agravadas com o contexto da pandemia em Juiz de Fora.

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O sistema de transporte coletivo em Juiz de Fora é custeado integralmente pelos usuários. Ou seja, não há subsídio por parte da gestão pública. Por isso a queda no número de passageiros impacta diretamente no equilíbrio (Foto: Fernando Priamo)

Uma das principais questões envolvendo a mobilidade urbana no Brasil está na visão que os gestores públicos têm sobre o assunto. De acordo com o especialista no assunto, José Ricardo Daibert, há uma cultura de ver o investimento na área como um “concorrente” dos demais segmentos, como saúde, educação e segurança pública. Entretanto, é preciso entender a mobilidade como parte das outras atividades essenciais. “Quando você vira as costas a um sistema que mata mais, onera mais os hospitais, polui mais, gera mais danos à cidade e à população; os custos indiretos disso são muito maiores”, justifica.

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Além disso, ao pensar em mobilidade, considera-se princípios de sustentabilidade social, urbanística, ambiental, acidental e econômica. No contexto atual, com a pandemia do coronavírus, uma nova questão deve ser levada em conta, a qual o especialista trata como “sustentabilidade sanitária”. Esta afeta, em especial, o sistema de transporte coletivo, o que, por sua vez, é um dos pontos mais necessários de se trabalhar dentro do tema, mas que já vem sendo impactado há tempos pela falta de investimento no setor. “Costumo dizer que se nós quisermos o coletivo na frente do individual, o público na frente do privado, o não motorizado na frente do motorizado, então nós estamos fazendo tudo errado”, afirma Daibert.

No Brasil, quase todas as cidades – incluindo Juiz de Fora – seguem um modelo em que o transporte público é integralmente custeado pelo usuário. Tarifas mais baixas e melhorias estruturais dos veículos requerem mais passageiros, entretanto, há anos as pessoas têm dado preferência para outros meios para se locomover, justamente pela falta de qualidade do transporte público. “Nossos sistemas são lastreados na superlotação porque, como o Estado (esferas municipal, estadual e federal) não investe nada, se nós colocarmos os ônibus muito confortáveis, a tarifa explode porque apenas os usuários custeiam o sistema”, exemplifica o especialista em mobilidade.

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Queda no número de passageiros causa desequilíbrio no transporte coletivo

O sistema de transporte coletivo em Juiz de Fora vem enfrentando contrariedades (adversidades) por conta da diminuição no número de passageiros ao longo dos anos. Este fator foi agravado com a pandemia da Covid-19, onde a redução de usuários chegou a ser mais da metade.

Em março de 2020, tendo como referência a semana entre os dias 9 e 13, a média de usuários foi de cerca de 335 mil passageiros por dia. Na semana em que a Prefeitura de Juiz de Fora publicou o decreto que determinou as medidas de isolamento social, para conter a contaminação pelo coronavírus, entre 16 e 20 de março, a média de usuários caiu para aproximadamente 198 mil. Dados mais recentes, entre 28 de setembro e 2 de outubro, mostram que a média de passageiros estava em cerca de 158 mil por dia. Atualmente, a frota de ônibus em circulação é de 70%.

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“Se você pegar 340 mil – número normal de passageiros – e pegar hoje, 150 mil, eu estou rodando com menos da metade da quantidade de passageiros que a frota total transportava”, diz o secretário de Transportes e Trânsito, Eduardo Facio. “Está causando um desequilíbrio porque estou andando com muito mais ônibus do que com a quantidade de passageiros que necessitam”, explica.

O sistema de transporte coletivo em Juiz de Fora é custeado integralmente pelos usuários. Ou seja, não há subsídio por parte da gestão pública. Por isso a queda no número de passageiros impacta diretamente no equilíbrio. Segundo Facio, uma nova licitação não resolveria a questão, visto que, judicialmente, não se pode interromper o contrato – assinado pelos consórcios vencedores da licitação do transporte coletivo urbano em 2016, com duração de dez anos.

Para o secretário, esta contrapartida deveria ocorrer por parte do Governo federal, especialmente como medida emergencial para a pandemia. Atualmente, um projeto de lei, que prevê ajuda de R$ 4 bilhões para empresas de ônibus e metrô, aguarda apreciação do Senado. O repasse, já aprovado pela Câmara dos Deputados, seria feito pela União a estados e municípios com mais de 200 mil habitantes, a fim de garantir o serviço de transporte público coletivo de passageiros em razão da pandemia de Covid-19. “Enquanto os municípios do Brasil não tiverem subvenção do Governo federal, nós vamos ter prejuízo para o cidadão”, afirma Facio.

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Construção de ciclovia no eixo do Rio Paraibuna está entre as ações prioritárias do plano de mobilidade e vem sendo discutida há anos na cidade (Foto: Fernando Priamo)

Mudanças com a pandemia

Com a pandemia do coronavírus e as medidas de distanciamento social, o transporte coletivo enfrenta uma nova questão: como manter um sistema baseado na superlotação em um momento em que a orientação das autoridades de saúde é evitar aglomerações? De acordo com o especialista em mobilidade urbana, José Ricardo Daibert, é necessário rever este sistema.

Ao passo em que há uma queda de usuários do transporte coletivo, o número de carros nas ruas aumenta. Em dez anos, a frota em Juiz de Fora cresceu mais de 60%. De acordo com informações do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), em agosto de 2010, a cidade contava com mais de 173 mil veículos. Em agosto deste ano, este número se aproximou de 282 mil.

“O problema é que no Brasil, além de já existir um congestionamento, cada pessoa que sai do ônibus e vai para o automóvel ou motocicleta está congestionando mais”, diz o especialista. “Na hora que eu esvazio o ônibus, quem vai pagar essa tarifa mais cara? Nós estamos diante de uma encruzilhada, pois criou-se um modelo cômodo para o Estado não colocar dinheiro, que onerou historicamente o usuário e que agora é proibitivo”.

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Obras da linha férrea ainda devem ser executadas

Em 2012, a Prefeitura de Juiz de Fora anunciou um conjunto de obras cujo objetivo visava eliminar os conflitos viários com a linha férrea. Até o momento, o projeto resultou na entrega de três pontes sobre o Rio Paraibuna e da alça Radialista José Vicente de Barros, que se une ao Viaduto Augusto Franco.

Outras duas grandes obras deste pacote estão em execução, sendo uma delas o viaduto entre as avenidas Francisco Bernardino e Brasil. As obras do elevado foram iniciadas em dezembro de 2019, e a previsão é de que o equipamento viário seja concluído no primeiro semestre de 2021. Já o Viaduto Engenheiro Renato José Abramo, no Bairro Poço Rico, começou a ser construído em 2016 e deve ser concluído ainda em 2020.

As demais intervenções que incluem o conjunto viário ainda devem ser licitadas. De acordo com a Secretaria de Obras da PJF, o projeto do viaduto da Rua Benjamin Constant “está em fase final de aprovação pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), para ser licitado no início do próximo ano”.

A expectativa é de que as obras comecem ainda no primeiro semestre de 2021. O elevado da Rua Mariano Procópio também segue este cronograma. Já as intervenções programadas para o Bairro Barbosa Lage, Zona Norte de Juiz de Fora, terão os trâmites definidos em 2022, segundo a pasta. Estas dizem respeito à construção de um viaduto e de uma ponte.

Adaptação da malha ferroviária

Segundo o especialista em mobilidade urbana, José Ricardo Daibert, Juiz de Fora cresceu e se desenvolveu em torno da linha férrea. Entretanto, atualmente, a realidade é diferente. A construção dessas obras, na visão do especialista, vêm para “eternizar a malha ferroviária”. “Nós estamos tratando questões pontuais, como se o problema maior fosse apenas a passagem em nível que o automóvel tem que parar na cancela. Não é isso. A cidade, no ponto em que está, é maior que a malha ferroviária. Então, a malha ferroviária poderia muito bem se adaptar, como a cidade já fez ao longo da vida toda e se adaptou em volta da malha”, explica.

Na opinião do especialista, Juiz de Fora poderia contar com um projeto de transporte ferroviário, reaproveitando a linha já existente. “Você ganharia uma área que corta a cidade toda, além de um sistema, por exemplo, de VLT, com baixo impacto ambiental e de grande alcance social”, exemplifica os possíveis usos da linha férrea a favor da mobilidade urbana.

Transporte por bicicleta carece de mais incentivos

Os eixos de atuação do PlanMob-JF também visam a aumentar a participação do transporte por bicicleta no município, por meio de um sistema de ciclorrotas, ciclofaixas e ciclovias. Entretanto, poucas diretrizes foram colocadas em prática quanto ao tema desde a elaboração do projeto. De acordo com o diretor da ONG Mobilidade JF, Guilherme Mendes, algumas ações, como a instalação de bicicletários em pontos estratégicos, dependem de pouco para serem efetivadas. “Você tendo onde deixar a bicicleta quando for ao Centro incentiva bastante e é um custo relativamente baixo.”

A construção de uma ciclovia no eixo do Rio Paraibuna também está entre as ações prioritárias do plano de mobilidade e vem sendo discutida há alguns anos na cidade. Em 2018, a Tribuna adiantou que a MRS Logística estaria em articulação com a PJF para viabilizar o projeto e captar recursos para instalação do equipamento na Avenida Brasil, no trecho compreendido entre a ponte do Bairro Santa Terezinha e o Viaduto Augusto Franco. “Ali, nós vemos pessoas usando a bicicleta tanto como transporte, quanto para praticar esporte também. A Avenida Brasil é passagem de muitos ciclistas, então precisávamos de alguma atenção”, diz o diretor da Mobilidade JF.

Projeto prevê três etapas

Em nota, a MRS informou que o projeto está sendo elaborado em fases, considerando a extensão da Avenida Brasil e da via Acesso Norte (Avenida JK). As duas primeiras etapas, relacionadas à área central de Juiz de Fora, já contam com projeto básico e estão em análise técnica e ambiental pela Prefeitura.

Segundo a concessionária, muitos aspectos devem ser verificados, “principalmente por se tratar de uma futura obra às margens do Rio Paraibuna, que irá impactar em serviços de contenção de aterro, remoção ou supressão de árvores/outras vegetações e demais aspectos ambientais e estéticos naquele entorno”.

Ainda conforme a MRS, para atender normas técnicas e de segurança, o projeto requer intervenções estruturais ao longo das vias, o que implicará na necessidade de se estudar o comportamento do tráfego de veículos. “MRS e Prefeitura continuam a trabalhar em todos esses quesitos a fim de poder contemplar as soluções adequadas e viáveis para esse projeto de construção de uma ciclovia às margens do Rio Paraibuna”, destaca.

De acordo com o secretário de Transportes e Trânsito, Eduardo Facio, o projeto para construção de uma ciclovia no trecho em questão prevê investimento de mais de R$ 10 milhões. Entretanto, “não houve verba disponível para que o município pudesse ter construído nessa administração”.

O secretário afirma que a topografia de Juiz de Fora possibilita a implantação deste tipo de modal em trechos específicos. Porém, mesmo nesses pontos, como na região central, há uma dificuldade relacionada com a quantidade de veículos nas vias. Para abrir espaço para implantação deste tipo de equipamento, são necessárias ações que diminuam o fluxo de veículos particulares. “Hoje, na forma que é, nós continuamos gerando interesse do veículo nas vias”, aponta Facio.

Transporte por aplicativo aguarda regulamentação

Entre os principais tópicos relacionados à mobilidade urbana, o imbróglio da regulamentação do transporte por aplicativo em Juiz de Fora pode ser um dos pontos a serem tratados pela próxima administração da Prefeitura. Um projeto de lei está em elaboração na PJF e, de acordo com a Secretaria de Governo, deve ser encaminhado em breve à Câmara Municipal. Entretanto, esta sinalização já ocorre desde novembro do ano passado, mas até então o material não foi encaminhado para apreciação do Legislativo.

Enquanto isto não acontece, a categoria cobra a tramitação do projeto de lei, especialmente por questões de segurança dos motoristas. No ano passado, o motorista de aplicativo Edson Fernandes Carvalho, de 21 anos, faleceu após uma tentativa de assalto, no Bairro Santos Anjos, Zona Sudeste de Juiz de Fora. Mais recentemente, outro motorista faleceu após ser esfaqueado por um passageiro na região central da cidade. “Precisamos fazer com que esse tema avance, até para trazer um pouco mais de estabilidade e menos conflito, e deixar algumas coisas pautadas”, diz o vice-presidente da da Associação dos Motoristas de Aplicativo (Amoaplic/JF), Sóstenes Josué Ramos de Souza.

Conforme o representante da categoria, além de itens voltados à segurança dos profissionais, espera-se que o projeto municipal também tire o estigma de “clandestinos”, considerando que a atividade é regulamentada a nível federal, bem como melhoria nas condições de trabalho em questões tarifárias. “Uma grande falha que vemos pelo poder público é que eles não sentam para discutir com quem realmente entende da situação ou que vive a situação, que somos nós, motoristas, os taxistas, aqueles que estão na ponta fazendo serviço”, diz.

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