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Câmara aprova cota racial em concursos públicos municipais de JF

Palácio Barbosa Lima abriga a Câmara Municipal de Juiz de Fora

Câmara Municipal de Juiz de Fora (Foto: Fernando Priamo)

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No início da noite desta terça-feira (22), a Câmara Municipal de Juiz de Fora aprovou um projeto de lei que pretende reservar 20% das vagas previstas em concursos públicos realizados pelo Município de Juiz de Fora para a população negra. Após polêmicas e um alinhamento envolvendo a maioria dos parlamentares, a proposição foi aprovada na forma de um projeto substitutivo, construído após ampla discussão. A principal mudança no texto original, de autoria das vereadoras Cida Oliveira (PT), Laiz Perrut (PT) e Tallia Sobral (PSOL), passa a ser a exigência de que, para fazer jus à reserva de vagas prevista pela cota, o candidato deve ter parte de sua formação em escola pública ou como bolsista na rede privada. A despeito das mudanças, a proposição recebeu voto contrário dos vereadores Bejani Júnior (Podemos), João Wagner Antoniol (PSC) e Sargento Mello Casal (PTB).

De acordo com o projeto substitutivo, que leva a assinatura das vereadoras Laiz Perrut, Tallia Sobral e Cida Oliveira, e é subscrito por Maurício Delgado (DEM), Marlon Siqueira (PP), Luiz Otávio Coelho (Pardal, PSL), Kátia Franco Protetora (PSC), Zé Márcio (Garotinho, PV) e Juraci Scheffer (PT), 20% das vagas em concursos públicos realizados pela Prefeitura de Juiz de Fora ou pela Câmara Municipal deverão ser “reservadas aos negros e pardos, que tenham cursado no mínimo sete anos da Educação Básica em escolas públicas ou sob o regime de bolsista integral ou parcial em escolas particulares”. “No caso dos estudantes em educação de jovens e adultos ou supletivos, o edital do concurso explicitará as formas de cálculo proporcional da carga horária total e cursada equivalente ao período”, diz a proposição.

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Ainda de acordo com o projeto de lei substitutivo, para fins de comprovação da condicionante da escolaridade cursada em escolas públicas ou sob o regime de bolsista integral em escolas particulares, deverão ser apresentados documentos como os históricos escolares do ensino fundamental do ensino médio; e declaração da instituição de ensino atestando a condição de bolsista do candidato, na hipótese de candidato bolsista integral em escolas particulares.

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Por fim, a última mudança trazida pelo projeto de lei substitutivo prevê que, no prazo de dez anos, será promovida a revisão do modelo de cota proposto.

Vereador chegou a sugerir redução de percentual para 10%

A proposta de adoção de cotas raciais nos concursos públicos municipais realizados em Juiz de Fora teve uma tramitação atribulada, com início em agosto do ano passado. Por vezes, quando o texto original constou na pauta de votação da Câmara, o plenário do Palácio Barbosa Lima chegou a ser tomado por manifestantes favoráveis e contrários à proposição. O texto chegou a ser aprovado em primeiro turno pela Câmara no dia 24 de novembro. Contudo, os entendimentos diversos ora superados pelo projeto de lei substitutivo travaram a votação da matéria em segundo turno.

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Neste ínterim, no dia 25 de novembro, o vereador Sargento Mello Casal chegou a apresentar uma emenda ao texto original, estabelecendo a exigência que, para fazer jus às vagas reservadas, o candidato deveria ter estudado integralmente em escolas públicas até o ensino médio. De certa forma, tal proposta foi adotada no substitutivo.

No entanto, Mello também sugeriu uma alteração estrutural, com a redução do percentual da reserva de vagas para negros e pardos de 20% para 10%. À época, a vereadora Tallia Sobral, uma das autoras do projeto original, considerou que os 10% sugeridos por Mello se mostrariam inócuos na prática, na maioria das vezes. “Poucos concursos públicos municipais disponibilizam dez vagas”, pontuou na ocasião.

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O impasse resultou no travamento das discussões, inclusive com um pedido de retirada temporária de tramitação por parte da vereadora Tallia Sobral. Assim, o texto só retornou para a pauta de votação nesta terça, quando acabou aprovado em segundo turno. Agora, o projeto de lei volta uma vez mais à discussão na Câmara, apenas para possíveis adequações em seu texto final. Depois disso, seguirá para análise do Poder Executivo, quando a prefeita Margarida Salomão (PT) terá a prerrogativa de sancionar ou vetar o texto.

Reserva será aplicada sempre que número de vagas for superior a cinco

Os demais aspectos constantes na proposta original, apresentada em agosto de 2021 pelas vereadoras Cida Oliveira, Laiz Perrut e Tallia Sobral, foram mantidos. Assim, o percentual de 20% de vagas reservadas nos concursos públicos municipais será aplicado sempre que o número de vagas oferecidas na seleção pública for superior a cinco.

Ainda de acordo com a proposição, para a disputa das vagas reservadas, “será considerado negro ou pardo o candidato que assim se declare no momento da inscrição”. Para isto, serão levados em consideração os critérios de raça e cor utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As manifestações, porém, serão passíveis de análise por comissão de heteroidentificação.

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“A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade e deverá ser confirmada mediante procedimento de heteroidentificação a ser definido no edital de abertura do certame”, diz o projeto de lei. No entanto, o texto ressalta que “a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação”.

Por outro lado, a proposição prevê que, nas situações em que forem detectadas a falsidade da autodeclaração, o candidato será eliminado do concurso, e a cópia dos documentos tidos como falsos serão imediatamente remetidas ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais para apuração e eventual ação penal. Caso a identificação da fraude seja percebida após a admissão do candidato no serviço público, este ficará sujeito à anulação de sua posse, desde que garantido o contraditório e a ampla defesa.

Formação de comissão de heteroidentificação seguirá regras específicas

Com relação à comissão de heteroidentificação, ela deverá ser sempre colegiada e composta com, no mínimo, três integrantes. Esses precisaram ser escolhido respeitando os seguintes critérios: pelo menos dois deverão se autodeclarar pretos ou pardos; pelo menos dois deverão ser servidores públicos efetivos com estabilidade; ao menos um deverá ser ter relações com entidade da sociedade civil notoriamente atuante na defesa dos direitos de negros e pardos ou do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Social.

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Os integrantes ainda deverão atender a outros quesitos, como ter a reputação ilibada; ser residente no Município de Juiz de Fora há, ao menos, cinco anos; ter experiência em atividades de promoção da igualdade racial e de enfrentamento ao racismo; ter, de preferência, conhecimento acadêmico correlato à promoção da igualdade racial e ao enfrentamento ao racismo; e possuir formação profissional ou acadêmica de nível igual ou superior à exigida no edital de abertura do concurso.

Ampla concorrência

O substitutivo também manteve previsão do projeto de lei original de que os candidatos que se autodeclararem negros e pardos também concorrerão às vagas de ampla concorrência sem prejuízo às vagas reservadas. Assim, os aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento da cota sugerida na proposição.

Projeto surgiu em discussões em comissão de igualdade racial

Na justificativa do projeto de lei original, as vereadoras autoras defendem que a proposição é oriunda de debates realizados no âmbito da Comissão Especial para a Promoção da Igualdade Racial instaurada na atual legislatura da Câmara. Assim, o tema é visto como “uma demanda importante trazida pelos movimentos sociais que acompanham de perto, de forma qualitativa e aguerrida, os trabalhos do colegiado”.

Para as parlamentares, a adoção do modelo de cotas nos concursos públicos municipais é uma política afirmativa “com objetivo de democratizar o acesso aos cargos e empregos públicos também à população negra e parda, tradicionalmente excluídos dos postos de trabalho público, sobretudo de nível e escolaridade mais altas”. As autoras defendem ainda que o percentual de 20% acompanha modelo observado em “outros municípios, estados e regulamentações federais, seja do executivo ou até mesmo do judiciário, consistindo na garantia de atendimento mínimo à inclusão afirmativa da população segregada”.

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