A prefeita Margarida Salomão (PT), acompanhada do secretário de Comunicação Pública da Prefeitura de Juiz de Fora, Márcio Guerra, recebeu a reportagem da Tribuna em seu gabinete, para uma entrevista exclusiva, na última terça-feira (12). Margarida respondeu sobre temas como a presença das mulheres na política e a violência sofrida por elas, reforma administrativa prometida em entrevista no início do mandato, críticas recebidas por subsídios ao transporte público e a situação da BR-440 e da 040. Além disso, a prefeita falou sobre as eleições de 2024 e seus planos para a candidatura à reeleição, com a possibilidade de formar uma aliança mais ampla, que, se acontecer e for vitoriosa, será levada também para o secretariado. Margarida também prometeu aumentar ainda mais a diversidade na equipe, caso seja reeleita.
Tribuna – Como a senhora sentiu, na prática, o crime de violência política, que foi tipificado no primeiro ano de seu mandato?
Margarida Salomão – A maneira como se lida com as mulheres eleitas, mas também com as mulheres não eleitas… as mulheres que integram o meu secretariado – que é paritário de gênero -, a maneira como agentes políticos, na área de opinião ou no exercício de funcionário público, lidam com elas é inteiramente diferente de, por exemplo, quando eu mando os meus secretários conversarem. Isso é muito forte. Todas essas condições de desrespeito que estão presentes na sociedade, por conta do machismo estrutural, não emergiram na esfera política. Talvez, na esfera política essa emergência seja até mais forte, porque você tem sempre um território em disputa. Nós não estamos falando de convivência, estamos falando de disputa. Então, essas características da violência verbal, opinativa, das tentativas de assassinato de reputação se dão com muita força. Assassinato de reputação é uma coisa louca, e aí eu quero te falar que isso é da direita e da esquerda. Eu não vou fazer nominações, mas eu assisti, em Juiz de Fora, a um processo de desmoralização de um quadro político, conservador, por conta de ser mulher, tratada como nenhum homem foi. É um dado de realidade que só pode ser superado e combatido na medida em que um maior número de nós ocupemos posições estratégicas, porque na medida em que você normalizar a presença das mulheres na política, e houver mais mulheres na Câmara Federal, na Assembleia Legislativa, na Câmara Municipal, por ordem, você vai ter uma redução desses problemas de convívio. Eu acho que isso é uma coisa fundamental. E eu quero dizer que um elemento muito interessante das eleições de 22 foi exatamente a eleição de um grande número de mulheres. Aqui em Juiz de Fora, mesmo, as duas deputadas federais eleitas são mulheres, então estamos avançando, ainda que com dores.
Essa cota que está sendo estabelecida de um número de cadeiras nos parlamentos, que antes era partidária, vai dar certo?
Eu fiz parte da comissão da reforma política. Eu não acredito em nada disso, eu acredito no voto distrital misto, porque aí você vai ter listas. Uma parte da eleição com uma lista partidária, como é na Europa, e uma parte em distrito, condado, como é nos Estados Unidos e na Inglaterra. Esse é o sistema alemão, é o melhor sistema. Nos países em que você tem equilibrado o número de mulheres e de homens é porque se vota em lista, não se vota em indivíduos. Aqui se vota em indivíduo, o voto é individual. Então isso é um elemento que traz muita dificuldade para que você promova esse equilíbrio.
Na entrevista para a Tribuna no início do mandato, a senhora falou que pretendia fazer uma reforma administrativa mais adiante, para impedir o retrabalho e sair do século XX, onde encontrou a Prefeitura, e ir para o XXI. O que ainda não foi possível para fazer isso pela totalidade e quando deve ser?
Esse processo é um processo em curso. Ele não tem exatamente, vamos dizer assim, fronteira e medidas. Nós mudamos muito em termos do organograma, mas a grande mudança que nós fizemos é em termos de trabalharmos de uma forma transversal. Isso sempre é dito, em todas as falas sobre reforma administrativa, só que aqui nós trabalhamos mesmo. Um dos projetos mais destacados dessa gestão é o Boniteza, projeto coordenado pela Secretaria de Governo, que combina todas as secretarias que trabalham na área de infraestrutura urbana, mais as secretarias que trabalham na área de ordenação urbana – a Sesmaur (Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas ), a área de feiras -, então isso é uma mudança real. Isso está no organograma? Não, mas é assim que funciona. Eu estou apostando no avanço da implantação do GRP (Sistema de Gestão Integrada, ou “Government Resource Planning”, na sigla em inglês), que estamos em processo, implantamos na área de recursos humanos, estamos implantando na área fiscal e na área tributária. Com muitos “terremotos”, obviamente. Quando você muda uma linguagem de computação é como você mudar uma língua. Então não é uma coisa simples, porque a pessoa tem saudade da outra língua, tem que ficar bilíngue uma certa época, até passar a usar a nova língua na qual ela está imersa. Então você tem dificuldades operacionais, tanto do sistema como dos próprios usuários do sistema. Porque isso, na verdade, é uma mudança cultural. Mas eu tenho confiança de que o avanço nesse processo vai levar a uma significativa diminuição do retrabalho. Agora, de todo modo, o fato de nós trabalharmos com diversas comissões que são intersecretarias, interdepartamentais, facilita imensamente a aceleração, tanto da tomada de decisões como da implantação. Eu acho que, inclusive, nós estamos trabalhando muito mais depressa, por exemplo, na área de cuidado da cidade, porque nós trabalhamos coordenadamente. Eu tenho aqui não sei quantas listas de WhatsApp, juntando as pessoas, uma lidando com a outra. Tenho um grupo que se chama “Chuvas”. Começou a chover ou ameaçou uma chuvinha, todo mundo aqui, ó! Outro dia, teve uma chuva forte 3 horas da manhã, comecei a mandar mensagem, ninguém respondia, mas porque fui acordada pela chuva. Isso é um exemplo, isso que é mudança administrativa, porque as pessoas pensam que mudança administrativa é mudança de organograma. Também! Eu acho que, hoje, eu tenho elementos para fazer uma grande mudança de organograma na Prefeitura, mas o que nós estamos é, na prática, mudando o modo de governar.
‘Como era a quarta vez que eu disputava – e é razoável que as pessoas imaginassem que eu faria outra vez uma bonita campanha, mas não chegaria à vitória -, então não tive ninguém para me apoiar’
Este mandato teve PT e PCdoB no alto escalão. Caso venha o segundo mandato, a senhora pretende mudar de alguma forma? E a liderança na Câmara, é uma coisa que pretende manter, tem algum plano?
Isso tudo resolve-se no processo. O meu secretariado decorre da maneira como nós chegamos aqui. Cheguei aqui com pouquíssimo apoio formal, tinha uma pequena coligação com o partido do vice-prefeito, que agora nem é mais do PV, mas era naquela ocasião e contribuiu, naturalmente, para que nós inclusive sinalizássemos para a sociedade que nós estávamos abertos a compor. Mas, naquela altura, como era a quarta vez que eu disputava – e é razoável que as pessoas imaginassem que eu faria outra vez uma bonita campanha, mas não chegaria à vitória -, então não tive ninguém para me apoiar. Então, isso, naturalmente, nos deixou com a alternativa de formar um governo com quem fez a campanha conosco. Agora, se em uma próxima gestão nós tivermos mais amplitude na aliança, obviamente, uma aliança mais ampla na disputa é também uma aliança que vai se expressar de alguma forma no meu governo. Mas sempre mantendo a paridade de gênero, porque nós não vamos retroceder, e aumentando o número de homens e mulheres negros no primeiro escalão.
A gratuidade dos ônibus nos domingos e feriados levou ao recorde de pessoas que utilizaram de forma gratuita e houve a valorização de se manter a tarifa, mas os subsídios geraram algumas críticas. Como a senhora enxerga o trabalho com a questão do transporte público no momento e quais são os próximos passos?
Não existe almoço de graça. Se alguém anda de graça de ônibus, alguém está pagando. No caso, a população. E é justo que seja isso. Inclusive, 76% da população de Juiz de Fora é usuária de ônibus. Então, quando você mantém a tarifa nos valores que temos, que são os mesmos desde 2019, quando você introduz gratuidade na tarifa, você está, na verdade, praticando justiça social. É disso que se trata. E não é uma “jabuticaba” de Juiz de Fora, é uma tendência mundial. Na Europa, há muitos anos que você tem subsídio de tarifa, na França, na Itália, na Inglaterra, a passagem é subsidiada em 50%, que é o quanto ela é subsidiada em São Paulo. São Paulo, que anunciou que também vai começar a fazer transporte gratuito no domingo. “Juiz de Fora que caminha na vanguarda do progresso estrada afora”, como diz o nosso hino. Então, isso é uma necessidade, porque é o direito à cidade, é o direito de mover-se na cidade. Pela maneira como as cidades brasileiras se constituíram, inclusive em Juiz de Fora. Onde é o Minha Casa, Minha Vida? Na beirada. Então, as pessoas levam quantas horas por dia se deslocando, da sua casa para seu trabalho, da sua casa para a escola? Então, na medida em que você tem já essa dificuldade, é mais ou menos uma contrapartida. O subsídio ao transporte coletivo é uma política que eu defendo desde 2008, que foi a primeira vez que eu disputei a Prefeitura, acompanhando experiências mundiais e brasileiras muito bem-sucedidas, e tendo em vista, hoje, que a mobilidade é um direito constitucional. O que há, inclusive, em debate na Câmara, são vários projetos definindo, porque, no momento, quem está bancando é o Tesouro do Município. Também não é justo. Eu acho que a União tem que participar, o Estado tem que participar, contribuindo para um fundo do transporte público que avance até que nós tenhamos não só uma tarifa cada vez mais barata, como, no limite, uma tarifa zero.
‘Quando você mantém a tarifa nos valores que temos, que são os mesmos desde 2019, quando você introduz gratuidade na tarifa, você está, na verdade, praticando justiça social’
Na apresentação do projeto de municipalização da BR-440, a senhora falou que desde que assumiu o mandato, as pessoas sempre perguntavam de três coisas: o Museu Mariano Procópio, o Ginásio Municipal e a BR. Como a senhora enxerga essa possibilidade de terminar no próximo mandato? Seria o que falta para a sensação de dever cumprido?
Acho que nós conseguiremos, ano que vem, fazer um projeto de intervenção significativo na 440. […] Isso foi muito bem recebido pelas pessoas. Há, ainda, demandas, “podia fazer também uma ciclovia”. Não estamos dizendo que nós não vamos fazer. O que, no momento, nós precisamos, a coisa mais urgente, é o projeto de mobilidade. […] E aí nós vamos, gradualmente, ampliando a melhoria urbana daquela cicatriz. Aquilo na verdade é uma ferida na Cidade Alta. Uma coisa que foi imposta de uma forma muito violenta, dividindo o bairro São Pedro ao meio e criando inclusive impedimentos para que as pessoas transitem de um lugar para o outro. Então, no momento, a nossa expectativa é de fazer uma intervenção para trazer aquela via para virar rua, e no que ela virar rua, a gente vai melhorando várias coisas que podem ser feitas.
Os prazos para a licitação da BR-040 estão programados para terminar no terceiro trimestre do ano que vem. É um plano que também entra neste meio?
Apesar das minhas proximidades com o Governo federal, eu não tenho condições de avançar isso.
Como estão as articulações para as eleições do ano que vem?
Para as eleições do ano que vem, o nosso partido deve reapresentar a nossa candidatura. Nós vamos, certamente, trabalhar agora adiante, que é quando se forma o grupo de trabalho eleitoral e é quando nós conversamos as conversas em termos de formação de aliança. Mas, a minha expectativa, inclusive, em função da facilidade de conversa que eu tenho hoje com os partidos brasileiros, é de criarmos uma grande frente em favor de Juiz de Fora e podermos levar adiante esse plano de trabalho ambicioso que a gente já vem realizando.