A regulamentação do transporte por aplicativo no Município de Juiz de Fora foi postergada para o mandato da prefeita eleita Margarida Salomão (PT), bem como para os vereadores da próxima legislatura da Câmara Municipal. O Projeto de Lei 4.418/2020, encaminhado à Casa pelo prefeito Antônio Almas (PSDB) para regulamentar a prestação do serviço de transporte individual por aplicativo, chegou a ser aprovado em primeira discussão nessa segunda-feira (14), último dia de trabalho dos vereadores da atual legislatura. Entretanto, após pressão dos motoristas de aplicativo em manifestação em frente ao Palácio Barbosa Lima durante a sessão legislativa, a matéria fora embargada em segunda discussão, quando o vereador Júlio Obama Jr. (Podemos) solicitou o sobrestamento das discussões.
O sobrestamento é um mecanismo previsto pelo regimento interno da Câmara para adiar a discussão do projeto de lei ou do veto. Logo, como a reunião fora a última da legislatura 2017/2020, e o pedido de sobrestamento foi aprovado, a matéria voltará a ser eventualmente apreciada apenas em 2021 pela nova formação parlamentar. Acatada pela maioria do plenário, a solicitação foi contrariada apenas pelo líder do Governo, vereador Rodrigo Mattos (Cidadania), e por Wanderson Castelar (PT). O vereador André Mariano (PSL) já havia pedido o sobrestamento da matéria. Contudo, após a negativa do plenário, o texto fora aprovado em primeiro turno, o que foi o estopim para a insatisfação dos motoristas de aplicativo. A categoria reivindica a rediscussão de alguns dispositivos do Projeto de Lei 4.418/2020, bem como contesta a previsão de subsídio ao transporte coletivo por meio dos tributos a serem cobrados às empresas de transporte por aplicativo.
O texto encaminhado pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) ao Legislativo em 27 de outubro foi fruto de longas negociações entre a categoria de motoristas de aplicativo e o próprio Executivo. Além de criar um regramento para o credenciamento das operadoras de transporte de aplicativo, o texto estabelece obrigações para os motoristas. Dentre elas, por exemplo, conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima, contratar o seguro DPVAT, inscrever-se como contribuinte individual do INSS, não utilizar pontos e vagas destinados aos serviços de táxi ou ônibus e realizar corridas apenas por meio do chamado solicitado pelos aplicativos, ou seja, os motoristas seriam impedidos de atender a solicitações de corrida realizadas diretamente por qualquer via pública.
Por outro lado, o Projeto de Lei 4.418/2020 daria margem à Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) para taxar as empresas. Conforme o texto do Executivo, as operadoras ficariam obrigadas a, por exemplo, arcar com uma taxa anual de credenciamento de R$ 30 por cada motorista de aplicativo cadastrado em sua base de dados. Além disso, as operadoras deveriam quitar mensalmente, até o quinto dia útil, um percentual de 1,5% do valor auferido do total de cada viagem em razão da exploração da atividade na malha viária de Juiz de Fora. De acordo com a matéria, 70% do produto da arrecadação dos tributos mensais seriam destinados ao Fundo Municipal de Transportes.
Rodrigo Mattos quer subsídio ao transporte coletivo
Embora a PJF tenha fixado no texto a cobrança de alíquota mensal de 1,5% às empresas, o vereador Rodrigo Mattos apresentou quatro emendas que alterariam substancialmente os mecanismos e valores de cobrança previstos pelo Município no texto original. A primeira emenda, por exemplo, eliminaria a fixação da alíquota em 1,5%, para, conforme o parlamentar, dar autonomia à própria Settra para fixar um valor por quilômetro rodado. Entretanto, como prevê o texto da segunda emenda, “o valor (definido pela Settra) respectivo por corrida poderá, a critério da empresa autorizada, ser repassado ao usuário como parte do preço da tarifa”.
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Por outro lado, a segunda emenda ainda prevê a criação de outras três taxas pelo Município: a taxa de autorização, cobrada para o registro inicial das empresas – com validade inicial de um ano – e para o pedido de renovação anual; a taxa de credenciamento empresarial, cobrada mensalmente para a manutenção do credenciamento e de fiscalização do cumprimento das obrigações das empresas; e a taxa de credenciamento pessoal, cobrada anualmente para manutenção do credenciamento de veículos e motoristas e de fiscalização do cumprimento das obrigações dos trabalhadores. Os valores também seriam definidos pela própria Settra.
Já a terceira emenda vincula “100% do produto da arrecadação dos valores correspondentes ao pagamento mensal devido pelas empresas” para subsidiar, exclusivamente, a tarifa do transporte coletivo urbano. Atualmente, a passagem é financiada única e exclusivamente pelo volume de usuários que utilizam os ônibus, sem qualquer compromisso de financiamento do Município por meio do próprio orçamento anual. A última emenda, por sua vez, apenas estabelece parâmetros para a medição regulatória dos valores tributários a serem cobrados pelo Executivo.
Ao apresentar as emendas, Rodrigo defendeu que o financiamento do transporte coletivo urbano é, hoje, uma discussão travada em todo o país. “As empresas (de transporte por aplicativo) utilizam os espaços, a mão de obra e dificultam a mobilidade urbana da nossa cidade e não pagam absolutamente nada para fazer este trabalho. Estamos propondo, de maneira bem clara, o pagamento de uma taxa. Qualquer atividade econômica paga ao Município 5% de Imposto Sobre Serviços (ISS). Por meio desta emenda, estamos dando margem para a Settra cobrar as empresas. A nossa proposta é que esse valor seja integralmente aplicado no subsídio à passagem de ônibus.”
Amoaplic é contrária ao subsídio
Ao menos desde a última quinta-feira (10), a Associação dos Motoristas de Aplicativo (Amoaplic) tenta postergar a regulamentação do serviço para o próximo ano. Na última semana, o Projeto de Lei 4.418/2020 entrou na ordem do dia para ser discutido em primeiro turno. Na ocasião, o próprio vereador Júlio Obama Jr., em acordo com a Amoaplic, pedira vista à matéria. Os motoristas de aplicativo, então, esperavam um novo pedido de vista na sessão da última segunda, acordado, conforme a categoria, com o vereador André Mariano (PSL). Embora a solicitação tenha sido feita, os demais parlamentares, desta vez, a negaram, o que levou a matéria a ser aprovada em primeiro turno.
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A recusa ao pedido de vista de André Mariano, somada ao teor da emenda apresentada por Rodrigo Mattos, desencadeou uma mobilização dos motoristas de aplicativo a fim de pressionar o parlamento para barrar eventual aprovação do Projeto de Lei 4.418/2020. Além de alegar que a matéria foi levada a votação “na calada da noite”, a categoria questiona a proibição de atendimento a corridas solicitadas por passageiros diretamente de vias públicas. “Mesmo que os passageiros solicitem as corridas por meio dos aplicativos, fazemos o embarque em vias públicas. O texto não ficou amarrado. Vamos pagar multas por atender a corridas solicitadas em vias públicas, tudo bem. Mas como os agentes de trânsito vão saber se a corrida foi solicitada pelo aplicativo ou não?”, questiona o presidente da Amoaplic, Júlio César Marques Paes, o Peixe.
No entanto, conforme Peixe, o ponto mais crítico da regulamentação, no entendimento da categoria, é justamente a proposta de subsídio às empresas dos consórcios Manchester e Via JF. “O ex-secretário de Transporte e Trânsito Rodrigo Tortoriello já havia sinalizado o subsídio lá atrás, quando nos apresentou a primeira proposta de regulamentação. O Tortoriello queria cobrar o imposto das empresas de transporte por aplicativo – que, aliás, com certeza vão passá-los no fim para os passageiros – e repassar os valores arrecadados para as empresas de ônibus. Não aceitamos que o Município subsidie essas empresas.” O presidente da Amoaplic ainda contesta o valor pecuniário de R$ 657,30 em caso de atendimento a passageiros em ruas e avenidas.
A Settra, por sua vez, pondera que todos os pontos do Projeto de Lei 4.418/2020 foram discutidos com os representantes da Amoaplic “em diversas reuniões realizadas” entre a própria pasta, a Secretaria de Governo e a categoria. “Em relação à multa, a Settra esclarece que, caso algum veículo do transporte por aplicativo realize a captação de passageiros nas vias públicas sem o usuário ter solicitado pelo aplicativo, caracteriza transporte clandestino, o que já foi esclarecido em reuniões anteriores”, registra em nota. “Os valores (das multas) não divergem dos já previstos pelo município, pois não são infrações existentes em nenhuma lei municipal nem tampouco no Código de Trânsito Brasileiro, necessitando então, que sejam regradas no momento atual na lei proposta.”
Questionado se a escolha do destino dos tribunos arrecadados junto às empresas de transporte por aplicativo não seria apenas da competência do Município, Júlio César Peixe pondera que tem o direito de questionar o remanejamento dos valores. “Por sermos cidadãos juiz-foranos, pagadores de impostos, nós temos o direito de questionar. Os impostos têm que ser utilizados pelo Município para dar melhorias à categoria, não às empresas de ônibus. Por mais que a PJF subsidie o preço da tarifa de ônibus, ela nunca vai baratear. Isso não existe. A Amoaplic é contra destinar dinheiro público para empresas privadas.”
O representante da categoria ainda nega que os motoristas de aplicativo sejam contrários à tributação das empresas prestadoras do serviço. “A cobrança tem que ser mesmo direcionada às empresas, mas não direcionada aos trabalhadores. Para as empresas, tudo bem. Porém, as empresas têm que se responsabilizar em pagar os R$ 30 reais anuais e mais 1,5% de imposto do montante que ela ganha com as corridas. A Amoaplic só não quer que estes impostos sejam repassados como subsídio às concessionárias de ônibus.” A tendência é que os representantes da entidade representativa reivindiquem à Margarida estas alterações.