Bastam dez metros do nado agolfinhado de Gabriel Araújo para qualquer um ficar inspirado. Entender porque o paratleta de 16 anos, portador de focomelia, uma anomalia congênita que impede a formação normal de braços e pernas, é o atual recordista das Américas nos 50m borboleta com a marca de 1min13s67. Na semana do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (sexta-feira, 21) e no Dia Nacional do Atleta Paralímpico, comemorado neste sábado (22), a Tribuna conversou com um dos principais atletas da nova equipe paralímpica de natação do Clube Bom Pastor, detentor de extrema dedicação, vontade e grandes sonhos.
Natural de Santa Luzia (MG), mas que reside atualmente em Corinto (MG), Gabriel veste a camisa do clube juiz-forano em competições sob a orientação do técnico Fábio Antunes. Para aproveitar a época do ano, com a Semana Paralímpica em Juiz de Fora, por exemplo, o jovem nadador teve sessão de treinamentos no Bom Pastor com foco na disputa do Campeonato Brasileiro no próximo mês e participou de palestras em instituições de ensino como a Faculdade Estácio de Sá, o Colégio Academia de Comércio e a Escola Municipal Prefeito Nilto Bretas, em Chácara. Ao lado de companheiros de time, ele ainda irá prestigiar a natação da Semana Paralímpica neste sábado, a partir das 9h, no Granbery. “É muito bacana poder passar os ensinamentos da vida para muita gente, o que vivemos até para animar as pessoas. Falei mais da minha trajetória e tudo o que fiz para chegar até aqui”, conta Gabriel.
Melhorei muito na parte física e psicológica. E posso ajudar mais também as pessoas que têm necessidades especiais a participar da natação e fazer o mundo paralímpico seguir crescendo sempre. E quem sabe consigo disputar uma Paralimpíada
Gabriel Araújo
O jovem diz que “nadava desde sempre, mas nunca havia pensado em competir. Nadava para não afogar. Mais como lazer. Um dia um professor meu, amigo da minha mãe, que também dava aula, perguntou se eu sabia nadar e me indicou os JEMG (Jogos Escolares de Minas Gerais). Comecei a nadar em 2015, nos JEMG, e lá ganhei três medalhas. Fui classificado para o Brasileiro do mesmo ano, mas como não tinha idade, não pude ir. Em 2016 fui nos JEMG novamente, ganhei mais três medalhas e índice para ir ao Brasileiro, que pude disputar. Desde então só cresci na natação”, resume.
No Brasileiro, ele estabeleceu recorde de 1min17s63, tempo rapidamente superado por ele mesmo, para 1min14s41, e, no Open Internacional em São Paulo, no último mês de abril, chegou a 1min13s67, melhor tempo nos 50m borboleta das Américas. “É resultado dos treinamentos do esforço que tenho. Treino quatro vezes por semana, mais de uma hora em cada dia desses, além do fortalecimento que faço. Isso ajuda muito a evoluir”, destaca Gabriel, que estuda pela manhã e treina na AABB em Corinto de 14h às 17h.
Desde que iniciou a prática em caráter competitivo, as responsabilidades aumentaram, assim como a saúde do paratleta e os sonhos. “Melhorei muito na parte física e psicológica. E posso ajudar mais também as pessoas que têm necessidades especiais a participar da natação e fazer o mundo paralímpico seguir crescendo sempre. E quem sabe consigo disputar uma Paralimpíada. Mas primeiro estou buscando conseguir vaga em uma competição fora do país. Depois disso passo a buscar coisas maiores”, revela o fã de Daniel Dias, nadador também mineiro, detentor de 24 medalhas em três Olimpíadas.
Especialista no nado borboleta, modalidade altamente técnica, Gabriel pode ser comparado a um golfinho, já que a ondulação do nado lembra justamente o movimento deste mamífero das águas. Todos os movimentos do paratleta são profundamente estudados e, segundo ele, necessitam de tempo e paciência para o domínio. “O borboleta é a minha prova principal, mais pelo meu tipo de nado agolfinhado. Fui só aprimorando o nado nos treinos. O Fábio via meu corpo de fora da água e me orientava em questões como meu ombro, a ondulação da perna, angulação. Melhoro a cada dia. Não é curto o tempo de aprendizado. Eu mesmo acredito que fiquei entre 2017 e 2018 atrás da técnica correta, por volta de um ano.”
14 paratletas, um técnico e muita união
Gabriel é um dos muitos exemplos de pessoas que viram no esporte uma possibilidade de melhorar a saúde e de sucesso pessoal e profissional. Criada este ano, a equipe de natação paralímpica do clube Bom Pastor já reúne 14 integrantes de diversas idades e deficiências. “O histórico do clube já tem atletas com deficiência há muito tempo, mas não havia uma equipe específica para eles. Nadavam junto dos atletas convencionais. Neste ano oficializamos a equipe. Começamos a monitorar e tentar manter os atletas em um mesmo grupo, viver mais o mundo paralímpico e buscar maior capacitação nessa área. Mas o clube já recebe estes atletas há bastante tempo. O (Gabriel) Schumann, por exemplo, já participou em 2017; o Paulinho (Paulo Sérgio), foi o pioneiro. Competiu fora, pelo Tijuca, e quando voltou cadastrou o clube no Comitê Paralímpico. Então o Bom Pastor veio amadurecendo essa ideia. E eu já trabalhava há 12 anos com pessoas com deficiência e era treinador do clube. Aí conseguimos linkar isso tudo e criar a equipe”, explica o técnico Fábio Antunes.
Os resultados, desde então, vieram individual e coletivamente. Gabriel Araújo, Schumann e Manuela Alves, por exemplo já colecionam medalhas em competições nacionais. A ideia é que no ano que vem já exista uma equipe de revezamento misto com o trio e mais uma mulher para competições nacionais. Mas se engana quem acredita que o rendimento é a prioridade do clube. “Temos um trabalho de base, não pensamos somente em performance. Ninguém chega pronto. E sempre buscamos atletas. Se vemos alguma pessoa com deficiência na rua, convidamos, avaliamos e direcionamos para a melhor turma. Temos atletas de 9 anos no aprendizado com os convencionais, sem estresse, e quando for mostrando que pode compor uma equipe vamos levando aos treinos com os mais experientes”, reitera Fábio.
O trabalho é individualizado na maioria dos casos, já que cada atleta tem uma necessidade específica na água. “Precisamos focar na individualidade e onde podemos contribuir para que o rendimento seja otimizado. O Gabriel Araújo, por exemplo, recebe um treino para melhorar sua qualidade de corpo na natação. Cada um tem sua particularidade e, coletivamente, como equipe um complementa o outro. O Schumann, por exemplo, tem dificuldade em compreender o que você fala. Aí tem um atleta que vai ajudando ele, comunicando. Um atleta tem dificuldade em subir no bloco, aí outro se posiciona para dar o ombro e ajudar ele a subir. Isso fortalece o grupo. Um dá a vida pelo outro, corneta o amigo para que treine melhor. E o combinado é que, enquanto a galera não for para uma competição internacional, fora do Brasil, ninguém vai relaxar” revela o treinador.
Agolfinhados, velozes ou não, o que realmente importa é o caminho trilhado por cada um dos paratletas, exemplos diários de garra e superação presenciados por profissionais como Fábio. “Esse é o diferencial deles, porque no dia a dia tudo foi mais difícil na vida de cada um. Na palestra, você escutando os relatos dos paratletas, percebe como são referência para muita gente. Eles têm vontade de ser campeões e motivam as pessoas. Estávamos em uma escola falando sobre isso e é um momento em que as pessoas param e ficam atentos observando esses atletas.”