Se a palavra superação precisasse ser representada por uma pessoa, não teria ninguém melhor que Ramon Gomes da Silva, de 35 anos, para personificá-la. O juiz-forano, morador do Bairro Nossa Senhora Aparecida, Zona Leste, classifica que fez a “pior escolha que alguém pode fazer” aos 15 anos, quando começou com o uso de bebidas alcoólicas e drogas. A cada ano, seus vícios se tornavam maiores e diminuía a esperança que sua família tinha em sua recuperação. Mas há nove meses, depois de 20 anos tendo envolvimento com entorpecentes, Ramon decidiu mudar de vida através da corrida. Hoje, mesmo após pouco tempo inserido na modalidade, ele já é um dos destaques no cenário esportivo de Juiz de Fora.
Ramon, inclusive, será um dos 1.600 participantes da 8ª Corrida Tecnobit Informática Night Run, segunda etapa do Ranking de Corridas de Rua de Juiz de Fora. A disputa acontece neste sábado (13), a partir das 19h, com largada no Estádio Municipal Radialista Mário Helênio. A disputa principal conta com 7,5 quilômetros, enquanto a caminhada tem três quilômetros, e a corrida infantil, 500 metros. Ele integra a equipe Vem Correr, vencedora na disputa feminina por equipes na estreia do Ranking, na 4ª Corrida do Bahamas.
Do vício em drogas à paixão pela corrida
Em sua infância, Ramon morou com seus familiares em Três Rios, mas na adolescência, decidiu retornar a Juiz de Fora, sua cidade de origem. Aos 15 anos, começou a beber e usar drogas. “Fui de curioso com os amigos, experimentando bebida e cigarro, depois maconha e cocaína, até chegar no crack”, relembra. Depois que iniciou, não conseguia parar mais, mesmo que tentasse. “Ficava sem drogas por dois meses e usava por mais um ano, era sempre assim. Não dava para largar”.
Entre idas e vindas em clínicas de dependência química, Ramon passou 20 anos com envolvimento com drogas. Em março do ano passado, ele chegou a ser preso por não conseguir pagar a pensão alimentícia de seus filhos, já que gastava todo seu dinheiro com os entorpecentes. Pouco tempo depois, conseguiu a liberação da cadeia, e um estalo veio em sua mente durante uma apresentação de dança de sua filha na igreja.
“A mãe dela não podia ir, é cabeleireira e precisou trabalhar nesse horário. Eu compareci e senti que a presença de Deus voltou na minha vida ao estar na casa Dele. Pedi para me tirar das drogas e senti Ele falando comigo: ‘não desisti de você, meu filho’. Nessa hora, começou a tocar uma música e eu desabei, comecei a chorar muito. Foi o dia da mudança”, conta, emocionado.
Desde esse dia, Ramon diz que “está limpo”, sem usar qualquer tipo de droga. Foi a partir dessa data também que ele começou a praticar atividade física. “Chamei meu irmão para caminhar e depois começamos a correr. Ele parou, mas eu continuei e comecei a ir mais longe. Depois de 15 dias correndo, participei da minha primeira prova, a Corrida do Outono, em junho de 2023. A partir daí, o mosquitinho da corrida me picou e nunca mais quis parar”, brinca.
Ainda no ano passado, Ramon participou da Corrida da Fogueira, e em 2024, tentará disputar todas as provas do Ranking. “Quero correr mais rápido, quanto mais, melhor. Não penso em ser melhor que fulano ou ciclano, foco em mim, no meu treino”, afirma. O corredor pede atenção do poder público aos locais de treinamento para que possa seguir progredindo. “Estamos carentes de uma pista boa de treino. Às vezes, temos que correr na beirada da rua, porque o passeio está muito esburacado. Faltam lugares adequados, as pessoas ficam com medo de machucar”.
“Abaixo de Deus e família, a corrida”
Mesmo que tenha conseguido largas as drogas somente no ano passado, Ramon conta que sempre teve vontade de mudar de vida. Porém, era difícil evitar pessoas, hábitos e ambientes. “Não aguentava mais ficar na rua, todo sujo, com olhares preconceituosos das pessoas. Comia farinha de rosca, com água e açúcar, e tomava banho na praça com mangueira. Ninguém mais confiava em mim e ninguém acreditava que isso aconteceria na minha vida”.
Por todos os empecilhos e desconfiança dos outros e de si mesmo, Ramon se sente um vencedor ao conseguir estar na alta performance do esporte. “A corrida está me abençoando muito, não tenho nem palavras. Abaixo de Deus e da família, está ela. É algo extraordinário, que transformou minha vida. Eu pensava que nunca ia conseguir, porque cheguei a fumar dois maços de cigarro por dia, além de beber demais. Pensei que não teria fôlego. Ficava me perguntando como o ser humano conseguia fazer isso, e hoje, eu consigo. Acho uma loucura”, conta.
Sobre os benefícios que a corrida trouxe nesses nove meses, Ramon cita a perda de peso e o controle no dia a dia. “Saí da cadeia com sobrepeso, e hoje estou com um corpo adequado. Também durmo melhor e não tenho mais vontade de usar droga. Antes eu sempre tinha recaídas, via os outros usando e eu ia. Mas agora não mais, continuo tranquilo, correndo. Me alimento bem também, não quero sair para beber e fumar, tenho foco e disciplina. Quero evoluir na corrida e isso não me deixa fazer coisas erradas. Não vou em festa no sábado, por exemplo, porque aos domingos os treinos são longos”.
“Todo dia é um dia para lutar”
Além de corredor, Ramon trabalha em uma padaria. Há poucos meses, ele corria às 4h para poder trabalhar à tarde. Agora, seu turno inicia de manhã, e seu tempo para treinar é no fim da noite, às 22h. Ele corre entre dez e 15 quilômetros por dia na Avenida Brasil, além de fazer treinamento funcional. “Se eu tivesse conhecido Deus e a corrida antes, meu caminho teria sido completamente outro. Mas tudo tem seu tempo, Deus tem um propósito em sua vida. Me sinto muito feliz de depois disso tudo, ter conseguido”.
Sem o uso das drogas, o atleta pretende realizar dois sonhos em breve. “Vou voltar a estudar, parei na sétima série, mas pretendo formar em educação física e montar um centro de treinamento para crianças e adolescentes saírem da rua e estarem no esporte. Quero muito também doar sangue para ajudar a quem precisa”.
Diante de toda sua história e superação, Ramon busca ser espelho para indivíduos que queiram mudar de vida. “Não estou correndo por um acaso, Deus quer que eu mostre algo para as pessoas. Através do meu testemunho, podem se interessar na corrida e sair das drogas. Toda pessoa que usou o crack ou teve alguma dependência, sempre tem abstinência. O cheiro da fumaça às vezes aguça, mas eu não vou mais. Sei o que passei e não quero voltar atrás. Tenho muita determinação, todo dia é um dia para lutar. Recomendo que não desistam de parar de usar drogas e digo que vale a pena o esporte. O corpo e a mente se tornam outros. A disposição também, acordo a hora que tiver que ser para poder correr. Me trouxe mais saúde, fico mais calmo, com menos estresse e me recordo muito mais de tudo”, comemora.
*Sob supervisão do editor Gabriel Silva