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Da Série B à ‘Terceirinha’ em oito anos: as etapas da derrocada do Tupi

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Há oito anos, quando o Tupi disputava a Série B do Campeonato Brasileiro e a elite do futebol estadual, nem o mais desconfiante torcedor imaginaria que, em 2024, a equipe de Juiz de Fora estaria rebaixada para a Terceira Divisão estadual e não disputaria competições nacionais por mais de quatro temporadas, sem perspectiva de retorno. Além dos resultados futebolísticos negativos, o clube foi circundado de questões como a prisão do ex-presidente Juninho, investigações na administração da agremiação, a penhora – depois cancelada – do Estádio Salles Oliveira e o roubo de diversos troféus da agremiação, fatos que abalaram um clube que, em 2016, era um dos 40 melhores do país.

Em busca de entender os problemas que levaram à derrocada do clube em menos de uma década, a reportagem relembra passo a passo do alvinegro nos últimos anos. Para isso, entrevista o jornalista Bruno Kaehler, editor da Tribuna de Minas que acompanhou de perto a ascensão e a queda do Galo Carijó, e o torcedor-símbolo Léo Lima, sempre presente nos estádios e nas discussões acerca do Tupi.

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Bruno Kaehler em cobertura do Tupi na Série B de 2016; entrevista com Renan, volante ex-São Paulo (Foto: Leonardo Costa)

Na visão de Kaehler, o atual cenário do clube é resultado de anos e não pode ser creditado em apenas uma temporada. “No entanto, em 2016, o Tupi teve a faca e o queijo na mão. Poderia subir de patamar estruturalmente, se tornar uma referência para jovens de toda a região. Nunca teve tanta receita, sobretudo da CBF, mais de R$ 4 milhões de direitos de transmissão à época. O Tupi foi rebaixado da Série B do Campeonato Brasileiro ainda endividado, longe do torcedor juiz-forano e sem uma estrutura minimamente adequada para um clube de tanta história”, avalia.

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“O rebaixamento para a Terceira Divisão foi uma consequência de vários anos, uma tragédia anunciada. O futebol permite, mesmo que cada vez menos, que um clube ascenda ou tenha parcial sucesso em uma temporada. Mas são diversos e sequenciais rebaixamentos em menos de uma década. Isso não pode ser atribuído ao acaso”, analisa o jornalista.

No entendimento de Léo Lima, dizer o que levou o Tupi a esse declínio nos últimos dez anos é difícil, uma vez que, na visão dele, são vários os motivos. “Quem acompanha de perto vê erros que culminaram no que muita gente imaginava. Acho que o clube pecou em não ter investido em contratar um gestor. Alguém que entendesse do Campeonato Mineiro, futebol do estado em geral. Jogadores identificado com o campeonato, isso dá vantagem. Conhecer os estádios, a competição, o clima do Módulo II, até para viver intensamente. A identidade com os jogadores se perdeu muito nesse tempo, assim como com a comissão técnica”.

2016: da glória ao início da derrocada

Depois de disputar a Série C em 2015 e garantir o acesso para a Série B do ano seguinte, o Tupi chegava ao melhor momento de sua história. Pela primeira vez, o clube disputava a Segunda Divisão nacional. Antes, disputou a elite do Campeonato Mineiro, mas ficou apenas na nona colocação na primeira fase e muito longe da classificação para as semifinais. Já na Série B, a equipe continuou com dificuldades de ganhar jogos e acabou a competição em 18° lugar, com apenas oito vitórias e 33 pontos. Dessa forma, retornou à Série C em 2017.

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Léo Lima: O ano de 2015 foi um sonho para o torcedor Carijó, achávamos que seria um divisor de águas, com grande visibilidade e grandes equipes jogando contra. Pensamos que teríamos investimentos maiores e mais bem aproveitados. Mas em 2016, não aproveitaram o grande aporte financeiro da Série B, não teve nenhum reflexo na vida do clube, disputou a Segunda Divisão com uma estrutura de um time de séries inferiores. Investiram em jogadores com altos salários que não corresponderam, o que culminou também em dívidas trabalhistas. Outro ponto de 2016 e que se repetiu diversas vezes depois foi a troca de treinadores. Começou com o Junior Lopes e, depois de dois jogos, veio o Drubscky, e o planejamento inicial foi jogado por água abaixo. Também nesse ano, o público foi decepcionante. Pensei que teria um apoio maior, mas os horários durante a semana à noite não chamaram os torcedores. Não tinha um tratamento carinhoso do clube com a torcida também, gerou afastamento. Diretores e presidentes não davam entrevista e satisfação, não criaram esse vínculo.

Bruno Kaehler: Acredito que o imediato rebaixamento do Tupi à Série C, apesar de ser, diretamente, um resultado esportivo, aconteceu principalmente como reflexo de questões administrativas. A falta de investimento tanto em estrutura quanto no surgimento e na fidelização de torcedores não culminou em atração de atletas de melhor nível técnico e de novas receitas, respectivamente.

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Tupi em jogo contra o Vaco na Série B de 2016 (Foto: Leonardo Costa)

2017: Tupi bate na trave para retornar à Série B

Em 2017, no Campeonato Mineiro, mais uma vez o Alvinegro de Santa Terezinha fez um campeonato abaixo do esperado, terminando a competição em oitavo. Entretanto, com a chegada do técnico Ailton Ferraz, o time engrenou na Série C, terminando a primeira fase em segundo lugar do seu grupo e garantindo vaga nas quartas de final. Mas, nessa fase, o Tupi perdeu para o Fortaleza por 2 a 0 no Castelão e, mesmo com a vitória na partida de volta por 1 a 0, em Juiz de Fora, acabou eliminado da competição sem conseguir vaga para a Série B.

Léo Lima: Esse ano começou com o mesmo problema do anterior, troca de treinadores. Éder Bastos começou a pré-temporada, mas também caiu no Mineiro. Entrou o Ailton Ferraz, que tem identificação com o clube e disputou a Série C. Foi um ano que poderia ser inesquecível também, mas perdeu para o Fortaleza, quando o clube cearense ressurgiu no cenário nacional. Foi no detalhe, mas acredito que foram os mesmos erros, de quebrar trabalhos.

Bruno Kaehler: Entendo que a formação de elenco acaba sendo algo menor diante dos problemas do Tupi ao longo da década passada. Em 2017, inclusive, até acho que o clube voltou a produzir além do esperado em campo e quase subiu para a Série B novamente.

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2018: campeão do interior, mas queda para a Série D

Já em 2018, o Tupi conquistou seu último título, o Campeonato Mineiro do interior, após um jejum de seis anos dessa conquista. Foram quatro derrotas nas cinco primeiras rodadas do estadual, seguidas de uma recuperação sob comando de Ricardo Leão. O time chegou até as semifinais do Mineiro, quando foi eliminado para o Cruzeiro. Porém, na disputa nacional da Terceira Divisão, o êxito não veio. Com sucessivas derrotas, o Tupi acabou rebaixado para a Série D do Campeonato Brasileiro, com apenas seis vitórias em 18 jogos.

Léo Lima: Começamos com Alexandre Barroso como técnico, mas o auxiliar Ricardo Leão assumiu. E aí terminou bem, com o título. Deu aquela motivada, a torcida ficou animada com a equipe. Alguns jogadores se destacaram nesse ano, como Patrick Brey e Renato Kayser. Acendeu a esperança de um acesso, mas não deu certo, fomos rebaixados para a Série D do Brasileirão. Nesse meio tempo, veio o Eugenio Souza, mas saiu. Voltou o Ailton Ferraz, que esteve em 2017, mas não tinha mais chances.

Bruno Kaehler: O que o clube fez de legado com o título? Houve dificuldade em transformar a estrutura para algo mais profissional, de investir na base, de ser transparente com o torcedor. Não houve ações sustentáveis. O descrédito do juiz-forano só aumentou, ano após ano. Sem receita e cada vez mais endividado, os orçamentos diminuíam e a imagem do clube diante do empresariado também se desgastou.

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O ano de 2018 foi marcado por título do interior e críticas da torcida à então presidente Myrian Fortuna (Foto: Leonardo Costa)

2019: queda para o Módulo II e fim das divisões nacionais

Esse ano foi o início das tragédias que viriam pela frente. No Campeonato Mineiro, o Tupi disputou 11 jogos, perdeu sete, empatou quatro e não venceu nenhum. Ao fim da competição, foi rebaixado para o Módulo II em último lugar. A péssima fase continuou na Série D, em que a equipe foi eliminada ainda na primeira fase. Dessa forma, o Carijó ficou sem divisão nacional em 2020.

Léo Lima: Novamente, o problema com treinador. Começou com Ailton Ferraz, depois contratam o Jeferson Evaristo, ficou só três jogos, e terminou o Mineiro com Beto Souza. Mas não aguentou e foi rebaixado para o Módulo II, com uma péssima campanha. Contratou muitos jogadores, o elenco ficou cheio. Na Série D também foi muito mal. O Ademilson voltou, foi um alento, mas nem o mito, nosso santo Ade, conseguiu salvar o Galo. Vieram outros treinadores, como Ademir Fonseca, Tárcio Guarino, mas não adiantou.

Bruno Kaehler: O ano de 2019 parecia o fundo do poço, já que o rebaixamento ao Módulo II significaria, também, a perda da maior receita do clube: os direitos de transmissão do Campeonato Mineiro.

2019 marcou a última vez que o Tupi disputou a elite mineira e alguma divisão nacional (Foto: Leonardo Costa)

2020 com pandemia

Em 2020, foi a primeira vez do Tupi sem ter calendário a nível nacional e sem estar na elite estadual após anos. O clube disputou, no ano, apenas o Módulo II do Campeonato Mineiro, que chegou a ficar parado por sete meses. O Galo Carijó, inclusive, solicitou à Federação Mineira de Futebol (FMF) desistência do campeonato, mas o pedido não foi aceito. Assim, a equipe foi até o final da competição, mas ficou em 6° na fase inicial e não avançou para o quadrangular final.

Léo Lima: Foi dramático por causa da pandemia, houve diversas trocas de treinadores novamente, de Alex Nascif para Júlio César Garcia, depois veio o Roberval. O campeonato foi interrompido pela pandemia, ficou sete meses parado. Foi um ano atípico.

Bruno Kaehler: Sem as verbas de transmissão a partir de 2020 e com os anos anteriores marcados pela falta de ações que oxigenassem o clube em diversos aspectos, já eram previstas maiores dificuldades em campo. Mas a pandemia não afetou tanto quanto poderia, porque nem na Série B, ainda em 2016, no que deveria ser tratado como o principal momento esportivo da centenária história carijó, o clube teve média alta de público. Pelo contrário, o torcedor seguiu afastado. Somente a identificação ou os resultados poderiam reverter isso. A pandemia manteve o torcedor distante, claro, com o adicional de que até mesmo o alvinegro fiel, que fazia questão de apoiar jogo após jogo, teria que ficar em casa. O orçamento seguiu curto. Mas as dívidas também seguiam acumulando.

2021: prisão do ex-presidente Juninho

Nesta temporada, o Tupi terminoy o Módulo II do Campeonato Mineiro em nono. Mas o resultado esportivo ficou em segundo plano. O ano foi marcado pelas investigações da Polícia Civil sobre a gestão do clube e pela prisão do então presidente Juninho por posse ilegal de três armas, na operação denominada “Operação Tupi: Jogando limpo”. Houve também irregularidades nas clínicas para as categorias de base e, a partir do avanço das análises, também da administração geral da agremiação.

Léo Lima: O investimento foi pouco, e o problema da questão administrativa tirou muitos empresários. Não tinham interesse de associar a marca nesse campeonato. Você vê que o elenco era feito com poucos recursos, dificultou a parte técnica, tirou os bons jogadores do clube. Houve a polêmica com o Juninho. Essa questão institucional abalou mais ainda a imagem do clube já abalada por más gestões. A credibilidade do clube caiu e afeta até hoje, com fuga de possíveis investidores.

Bruno Kaehler: O discurso da diretoria sempre foi voltado à falta de verba, de apoio do empresariado e até do poder público e de jornalistas. Mas o clube seguia se endividando, não investia em estrutura profissional nem na base. Não bastasse o acúmulo de rebaixamentos, a administração do Tupi passou a ser alvo de investigação da Polícia Civil.

Em época de pandemia, Tupi tentou desistir de campeonato e teve presidente preso (Foto: Leonardo Costa)

2022: Tiquinho assume

Em 2022, o ex-presidente Juninho foi indiciado pela Polícia Civil por falsidade ideológica e estelionato nas investigações sobre a peneira com suspeitas de irregularidades. O atual presidente, Tiquinho (antes vice) deu início aos treinos faltando três semanas para o Módulo II, com o técnico Ademir Fonseca. Nessa temporada, o Tupi brigou até o último jogo para ir ao hexagonal final e tentar voltar ao Módulo II, mas acabou em sétimo e não conseguiu avançar.

Léo Lima: O Tiquinho pegou o clube com um escândalo. Teve recursos pequenos, mas com a possibilidade de se classificar para a fase final. Foi o time ‘melhorzinho’ que o Tupi montou nos últimos anos.

Bruno Kaehler: Já com Tiquinho na presidência, apesar da intenção, aos microfones, ser a de reconstruir o clube com base em transparência e na aproximação do torcedor, nomes repetidos do passado nebuloso carijó ainda apareciam.

2023: pior posição no Módulo II até então

No ano passado, o início de ano deu esperanças ao torcedor carijó. O clube começou o trabalho três meses antes do início da Segunda Divisão estadual, com amistosos contra o Botafogo sub-21 e contra o time principal do Vasco, em São Januário. Porém, o time não foi bem no campeonato, e contou com divergências entre o principal jogador, Muller Fernandes, e o técnico, Flávio Tinoco, que acabou demitido para a chegada de Wesley Assis. O Tupi terminou o campeonato em décimo.

Léo Lima: Começamos com uma boa expectativa, parecia que estava formando uma equipe competitiva. Com Flávio Tinoco no comando, o time não engrenou. Foi uma decepção para o torcedo. Assumiu o Wesley Assis, prata da casa, que ainda não teve oportunidade de começar uma temporada. Muitos jogadores foram saindo durante o campeonato e o time não vingou, brigou para não ser rebaixado. Outro ano decepcionante.

Bruno Kaehler: Os elencos formados também pouco produziram em campo. E o caos continuou, com o Tupi muito aquém de sua história e do que o torcedor merece.

2024: rebaixamento escrito

Em 2024, Tupi é rebaixado para a terceira divisão estadual pela primeira vez na história (Foto: Leonardo Costa)

Neste ano, o Tupi teve uma pré-temporada mais que conturbada. Três treinadores saíram antes mesmo do clube começar os treinamentos, além de que diversos dirigentes também deixarem o clube. O técnico Franco Muller foi contratado às pressas, mas só durou até a sexta rodada. Guiba foi contratado, mas também não surgiu efeito. Em um campeonato muito embolado, o Tupi chegou na última rodada da fase inicial com chances de se classificar para a fase seguinte e também de ser rebaixado. Na última rodada, perdeu para o Betim e os resultados não foram favoráveis, sacramentando, assim, a queda para a Terceira Divisão estadual – o fundo do poço.

Léo Lima: Foram todos os anos que culminou nisso (rebaixamento). Falta de credibilidade, má administração. Os resultados, títulos, mascararam a realidade do clube anteriormente. Camuflou muita coisa errada na parte administrativa, e uma hora paga a conta. Tiquinho acho que foi corajoso, muitas pessoas falavam que o Tupi não deveria disputar o campeonato neste ano, que era melhor pedir uma licença para voltar depois mais estruturado.

Bruno Kaehler: Sem explicação alguma da diretoria, diretores e técnicos saíram do Tupi ainda na pré-temporada. Impossível não ligar as escolhas ao amadorismo. Com um elenco formado às preces, sem profissionalismo e qualidade técnica, o rebaixamento foi reflexo do extracampo mais uma vez.

*Sob supervisão do editor Gabriel Silva

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