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Supervalorizado, preço de café não para de subir no mercado interno

Foto Leonardo Costa

Alta histórica do preço do café pressiona consumo e desafia o mercado// Preço do café ficou mais caro

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O café registrou forte valorização em agosto: avanço de quase 50% para o robusta e de 28% para o arábica, superando os R$ 500 por saca de 60 quilos. Os dados são do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP. Segundo o levantamento, as negociações voltaram ao patamar observado entre maio e junho.

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No varejo, o consumidor também já sente o impacto. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) mostram que o preço médio do café torrado e moído subiu 17,7% no primeiro semestre de 2025, passando de R$ 56,68 para R$ 66,70 por quilo.

Em perspectiva histórica, o produto acumula forte valorização. A Abic aponta que, entre 2002 e 2025, o preço médio do café torrado e moído no varejo saltou de R$ 4,49 para R$ 63,67 por quilo, o que significa que o produto ficou mais de 14 vezes mais caro. Só em relação a 2024, ano em que já havia registrado recorde, a cotação subiu cerca de 80% este ano.

Entre inflação e safra menor, café pesa no bolso

Dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) mostram que, de janeiro a julho de 2025, o Brasil exportou 22,1 milhões de sacas de café, gerando receita de US$ 8,5 bilhões. Apesar de o volume ser menor ante 2024, a receita cresceu fortemente, puxada pelo preço médio da saca, que saltou de US$ 248 para US$ 386.

Apesar da queda pontual de 1,01% em julho, o café moído foi um dos itens que mais pressionaram o orçamento no primeiro semestre. Entre janeiro e julho, o produto acumulou alta de 41,5%, quase 13 vezes mais que a inflação média do período (3,26%), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

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Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de 2025 deve alcançar 55,7 milhões de sacas, enquanto os estoques finais caíram a 20,9 milhões – o menor patamar em 25 anos.

Redução da oferta é o fator central

O economista e professor da Faculdade de Economia da UFJF Weslem Faria explica que o café é uma commodity internacional, negociada na Bolsa de Nova York. “O aumento recente do preço está relacionado não apenas às oscilações da demanda, mas principalmente à redução da oferta, impactada pelas condições climáticas que prejudicaram a produção. Esse é o fator central”, afirma.

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Ele destaca ainda quem realmente se beneficia com a alta: “Por ter cotação internacional, o café é alvo de especulação. Quem ganha com essas oscilações são, sobretudo, agentes do mercado futuro e de opções, muitas vezes sem ligação direta com a produção. O varejo e as indústrias processadoras também podem lucrar. Já o produtor, que deveria ser valorizado, nem sempre é. Ele precisa dessa receita diluída ao longo do tempo para garantir a próxima safra – comprar insumos, pagar mão de obra e preparar a produção.”

De acordo com o Cepea, a alta está ligada à oferta limitada, com quebras de produção maiores que as previstas inicialmente, o que dificulta a recomposição dos estoques mundiais. Outro fator é a tarifação extra dos Estados Unidos sobre o café brasileiro. Mesmo com a redução nos embarques àquele país, as taxas elevaram os preços no mercado norte-americano e impulsionaram os contratos negociados na Bolsa de Nova York (ICE Futures), movimento que tem sido repassado ao mercado interno.

Fatores externos impactam o valor interno

Weslem aponta que fatores externos também pesam: “Já há informações sobre uma queda de 50% nas exportações de café para os EUA.”

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Em 2024, o mercado norte-americano importou quase US$ 2 bilhões do café brasileiro, equivalente a 16,7% do total embarcado. Em 2025, o cenário é de forte retração: em julho, as vendas para os EUA somaram apenas US$ 20 milhões, ligeira queda em relação a junho (US$ 21 milhões).

Enquanto isso, a União Europeia tem ampliado suas compras do Brasil por questões logísticas. “Com dificuldades de fornecedores de outras regiões, a procura pelo café brasileiro aumentou”, explica o economista.

Apesar do cenário adverso, a expectativa é de melhora climática nos próximos meses. Para Weslem, isso pode estabilizar os preços em 2026. “Se as condições climáticas melhorarem e as tarifas impostas pelos EUA reduzirem a demanda, parte da produção poderá ser direcionada ao mercado interno, aliviando os preços”, avalia.

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Marcas anunciam novo preço

De acordo com matéria publicada pela Reuters, as marcas de café Melitta e 3 Corações anunciaram o encarecimento de seus produtos. A marca 3 Corações teria aumentado os preços do café torrado e moído em 10% e do café solúvel em 7% desde o início do mês, enquanto a Melitta também anunciou aumento de 15% a partir do primeiro dia de setembro. 

Ainda de acordo com a matéria, a 3 Corações já havia aumentado os preços dos grãos torrados e moídos em 14,3% em 1º de março, tendo-os aumentado anteriormente em 11% em janeiro e 10% em dezembro. A Melitta aumentou os preços em 25% em dezembro.

A Tribuna entrou em contato com as empresas para saber o motivo deste aumento, mas até a publicação da matéria, não haviam se manifestado. O espaço segue aberto. 

O economista explica que, como parte do café produzido é destinada à exportação, as oscilações da demanda internacional acabam afetando o preço interno. Quando a procura externa aumenta, os preços sobem também no Brasil, já que há disputa entre vender no mercado externo ou no doméstico.

“Por outro lado, a oferta vem sendo impactada negativamente por questões climáticas. Nesse sentido, as tarifas impostas pelos Estados Unidos podem amenizar um pouco o cenário: se a demanda norte-americana cai, o café que seria exportado pode ser redirecionado para outros mercados ou para o consumo interno. Isso reduz a escassez no país e pode até ter efeito positivo sobre os preços. Mas ainda é cedo para saber como esse ajuste vai se consolidar ao longo do tempo”, avalia.

Ele também alerta para mudanças no padrão de consumo. “O aumento do preço já começa a incentivar práticas que reduzem a qualidade do café, abrindo espaço para o chamado café fake. Esse tipo de produto é feito com grãos defeituosos misturados a cascas, folhas e impurezas. Embora a legislação brasileira permita certa margem, há limites. Por isso, é importante que o consumidor fique atento para não acabar comprando um café de qualidade inferior.”

*estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

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