O Festival de 1968 foi o primeiro a acontecer, e contou com a organização da Secretaria de Educação e Cultura. Na época, Zé Luiz Ribeiro era assessor, e junto com Mario Durante, o professor Murílio Hingel e João Medeiros, cuidaram dessa organização. “O primeiro festival trouxe pra cidade uma respiração e uma renovação”, explica. Naquele momento, a música se tornava uma forma de expressar também o que estava acontecendo no Brasil e no mundo, e de sonhar novos rumos. “Tenho uma sensação muito feliz de participar nessa época da modificação que estava acontecendo na parte cultural, quando o Itamar Franco assumiu. A universidade era muito atuante, os universitários também. Esses que viraram grandes nomes mostraram a importância de JF para a cena cultural”, relembra.
O músico Márcio Itaboray tinha 16 anos quando participou pela primeira vez do festival, e teve até ajuda para conseguir subir aos palcos mesmo sendo menor de idade. Com a realidade que se apresentava estando próximo de tantos nomes importantes da música, ele também ia percebendo que poderia viver, ao menos nos dias do festival, uma vida de artista. “A sensação era como se a gente estivesse jogando bola com o Zico, Ronaldinho Gaúcho, Romário”, conta. Ele, ao lado de seu grande amigo Serjão, chegou a avançar nas etapas do concurso, sendo, ao lado de Mamão, os únicos de Juiz de Fora a se apresentarem concorrendo com nomes nacionais em algumas das edições. Como relembra, naquele período mesmo esses grandes nomes conheciam Juiz de Fora como o local onde se dava uma espécie de congresso da música. As histórias que o festival oportunizou tiveram vários frutos em sua vida – inclusive parcerias com Milton Nascimento, que nasceriam ali, e mais tarde a publicação de “Assuntos de vento”, que relembrava a época dos festivais e que reuniu Sérgio Ricardo e Fernando Brant no lançamento.
“A cidade parava para acompanhar os festivais”, conta Sheyla Brasileiro. Essa é uma das principais memórias da advogada, ex-mulher de João Medeiros e pianista que acompanhou todas as edições. Apesar das competições serem realizadas no Cine-Theatro Central e no ginásio do Sport, principalmente, a torcida e o amor pela música se espalhavam. “Claro que o movimento dos Festivais e a convivência com tantas pessoas inteligentes que combatiam a ditadura incentivou enormemente a evolução cultural da cidade, em todos os aspectos”, afirma. Para ela, essa presença tão forte gerava efeitos de todos os tipos – foi durante os festivais, como conta, que ela viu pela primeira vez alguém usando minissaia em Juiz de Fora. “Lembro que Chico Buarque cantou ‘Cálice’ no Sport lotado. Correu o risco de ser preso, pois a música tinha sido proibida pela censura”, afirma.
Mamão relembra primeira vez de ‘Tristeza pé no chão’
Quando Clara Nunes subiu aos palcos cantando “Tristeza pé no chão”, o impacto foi imediato. Como Zé Luiz conta, ela só aceitou participar do festival para cantar essa música, do compositor de Juiz de Fora, porque se impressionou com a letra. Para Mamão, que participou também das edições do festival com “Adeus diferente”, “Boneca Joana”, “Cadê a Catarina” e “Baineiro”, esse foi o momento mais marcante de todos. Mesmo assim, não dava pra imaginar o impacto que teria: “Eu não tinha noção do tamanho que ia ser. Eu fui fazendo, fazendo, o pessoal foi gostando, e chegou no que chegou. Fez diferença no compositor que sou, fiz grandes amigos e participei de mais festivais por causa disso. Fui por aí a fora”, conta. Após o festival, a música chegou a vender mais de 100 mil cópias, projetando o compositor para todo Brasil.
Nomes projetados para fora
Também nessa época, para Mamão, o intercâmbio cultural entre Juiz de Fora e Rio de Janeiro ficou muito forte. Retrato disso é o fato de que o sucesso “Casa no campo”, do compositor Tavito, que ganhou o festival de 1974, foi apresentada pela primeira vez na cidade. Só a partir do prêmio veio o contato com Elis Regina, que mais tarde gravou a música. Já Sueli Costa, que faleceu aos 79 anos, foi gravada pelas principais cantoras da MPB, como Elis Regina, Simone, Maria Bethânia e Nara Leão. Sheyla, que foi amiga de Sueli durante a faculdade de Direito, considera que ela é uma das melhores compositoras da MPB. “Nem gosto de ouvir as músicas dela, pois me deixam muito comovida. Ela era muito poderosa”, diz. Como relembra Zé Luiz, ter nomes que se projetaram assim também fez com que a riqueza do festival se tornasse ainda maior.
Retorno aos festivais
Enquanto Márcio Itaboray, Zé Luiz, Mamão e Sheyla relembram os festivais, fica clara a saudade desse tempo – e da possibilidade de convivência com grandes nomes e o que isso gerou para todos, diretamente ou indiretamente. É por isso que o médico-músico afirma que há vontade de sobra para se reviver esses festivais. “Eu acho que falta atrair as pessoas através de um movimento grande, não só shows pontuais. Isso não faz com que a cidade vire um polo. Mas, se fazem um evento em JF atraindo compositores que querem ter esse espaço pra mostrar a sua música e usam pra isso um chamariz, vira outra coisa. Hoje é mais fácil ainda de divulgar isso. Acho que esse é o melhor espaço para apresentar isso, e temos espaços para isso, dois teatros maravilhosos”, diz. Ele afirma que, como está se aposentando da medicina em breve, pretende se voltar novamente para tentar organizar festivais, e pretende apresentar propostas nesse sentido para quem estiver na Prefeitura após as eleições deste ano.