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Documentário desvela Carta de Linhares

Carta de Linhares
Entrevistas para “Carta de Linhares: a tortura revelada” foram feitas em Belo Horizonte entre fevereiro e maio deste ano (Foto: Divulgação)
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Nesta segunda-feira (29), a partir das 19h, no Teatro Paschoal Carlos Magno, acontece o lançamento do documentário “Carta de Linhares: a tortura revelada”, dirigido pelo jornalista juiz-forano Marcelo Passos. A cerimônia conta com a presença do diretor e de dois personagens envolvidos na história: Maria José de Carvalho Nahas e Jorge Nahas. Além disso, há apresentação artística do “Coletivo Vozes da Rua”, que traz uma resposta à carta escrita no presídio de Juiz de Fora durante a ditadura militar.

Em janeiro de 1969, a polícia invadiu o lugar onde os guerrilheiros do Comando de Libertação Nacional (Colina) se reuniam, em Belo Horizonte. Depois de passarem por vários lugares, em outras cidades além da capital mineira, sofrendo, inclusive, tortura, os militantes foram levados à Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, que, naquele momento, recebia alguns dos presos políticos da ditadura militar. Foi lá que o Colina se reuniu, ainda no final de 1969, e escreveu a Carta de Linhares: documento que expôs a forma como aqueles que se punham contra o governo eram tratados dentro dos presídios, das torturas às ameaças.

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A Carta de Linhares e suas 28 páginas com descrições minuciosas foi escrita por Ângelo Pezzuti e assinada por 12 integrantes do Colina. Ela, além de ter rodado no Brasil, ganhou repercussão internacional. Mas, durante todo o tempo, o governo dava jeito de encobrir o que se revelava a partir dela. Tanto que, de certa forma, ela acabou caindo no esquecimento. Em 2012, no entanto, um dossiê contendo a carta, os posicionamentos e as manifestações do governo em relação ao documento foi encaminhado à Comissão Nacional da Verdade. Foi nesse momento que o jornalista juiz-forano Marcelo Passos soube o que era, afinal, a Carta de Linhares. Anos depois, com tudo aquilo na cabeça, ele lança um documentário que desvela a carta.

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A partir da Carta de Linhares

Ao ler a Carta de Linhares por completo, Marcelo entendeu que tinha ali um documento que precisava ser mais pesquisado e, ao mesmo tempo, rodar, para que as pessoas tomassem conhecimento do que foi esse episódio da história recente do Brasil. “Eu fiquei estarrecido com a carta. Fiz uma pesquisa naquele momento baseado só no dossiê e, com isso, fiz um projeto de documentário.” Esse projeto foi viabilizado 12 anos depois, e é apresentado no momento em que a ditadura militar completa 60 anos, e, em Juiz de Fora, graças a uma série de atividades que aconteceram neste mês para discutir o golpe no lugar onde ele surgiu.

As produções para “Carta de Linhares: a tortura revelada” começaram em fevereiro deste ano, quando foi feito o convite pelo secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), o sociólogo Gabriel dos Santos Rocha, Biel. E foi ainda neste momento que Marcelo identificou alguns dos 12 signatários, além de outros envolvidos direta ou indiretamente na carta, e os entrevistou. Apesar de tantos anos depois da escrita da carta, algumas coisas ainda estão vivas na memória. Outras, nem tanto.

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“O meu critério era que eu pudesse ouvir o maior número de signatários da carta”, afirma Marcelo. Dos 12, dois participam no filme: Maria José e Jorge. Eles contaram os bastidores da produção do documento e o que passaram no momento em que foram presos, além do período que saíram do Brasil também por ordem do governo militar. Além deles, participam do documentário o assessor especial do presidente Lula, Nilmário Miranda, e Ângela Pezzuti, a quem o documentário é dedicado.

Ângela Pezzuti foi fundamental para que a Carta de Linhares tivesse circulação no Brasil e no exterior (Foto: Divulgação)

Ângela Pezzuti

Entrevistá-la era a vontade de Marcelo desde quando a ideia de fazer um documentário surgiu. Isso porque ela era tia de Ângelo, que foi quem escreveu e organizou o documento. Ele e seu irmão, Murilo Pinto da Silva, eram estudantes e se envolveram na guerrilha. A mãe deles era secretária do governador da época e, envolvida na luta dos filhos, chegou a ser presa algumas vezes pela ditadura. Coube, então, à Ângela proteger seus sobrinhos. “Ela lutou pela sobrevivência deles. Acompanhou todo o martírio, viveu situações difíceis, veio a Juiz de Fora na época garantir a preservação da vida dos sobrinhos”. Ângela, com 92 anos, recebeu Marcelo e sua equipe em casa para contribuir com o documentário. Dias depois ela morreu, vítima de um AVC. Estão em “Carta de Linhares: a tortura revelada” seus últimos registros.

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Ângela, além de tudo, foi a responsável por fazer a carta circular. No documentário, ela conta que a carta chegou a ela por meio da mãe de Jorge, quando existia o grupo das mães que dava apoio aos presos. Ângela tinha um amigo do Rio de Janeiro que trabalha no Senado, e pediu a ele que divulgasse, da sua maneira, a carta. Já um outro amigo de Belo Horizonte ficou responsável por traduzir a carta. E foi por isso que ela circulou além do Brasil. Outro fator determinante para sua circulação internacional foi o sequestro do embaixador da Alemanha Ocidental no Brasil, Ehrenfried von Holleben. Os militantes entregaram a ele a carta, que entregou ao governo alemão.

No entanto, como, de fato, a carta saiu de Linhares é um assunto ainda nebuloso. “E o documentário aborda isso: cada um fala uma coisa. Ele apresenta as diferentes versões sobre como a carta teria saído de Linhares. Existem, inclusive, cartas que foram mandadas ao governo brasileiro, pedindo explicações, mas eu não coloquei. Deixei isso na fala dos entrevistados”, explica Marcelo, que assume ter vontade de fazer mais projetos com essa temática.

“Silêncio amordaçado”

Apesar de ter circulado de certa forma no Brasil e no exterior, a Carta de Linhares não teve efeito imediato no país. “Porque tudo estava sob controle da ditadura. Inclusive a imprensa que também aderiu ao golpe. Ela dava a versão ‘oficial’. Falava que um documento como esse era um documento escrito por terroristas, com a intenção de depreciar, manchar a imagem do Brasil. O material que eu tenho da imprensa fala sobre as mentiras que esse terroristas perigosos tinham feito em Juiz de Fora e espalhado. A ditadura e o exército nunca reconheceram que havia tortura. A gente abre o documentário com a posição do exército, que sempre negou. Na verdade, (a carta) não provocou alvoroço no Brasil. Foi um silêncio amordaçado.”

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Anos depois ela foi ganhando mais atenção das pessoas. Foi ela, inclusive, que revelou que havia aula de tortura na vila militar do Rio de Janeiro, cena que faz parte do filme “Estado de sítio”, de Costa-Gavras, de 1972 e também do documentário. Quando os presos foram banidos do Brasil e foram morar na Argélia, lá também eram questionados sobre a carta. “E tudo aconteceu rápido. Eles foram presos em janeiro de 69 e banidos em 70. Foi na Argélia que tiveram contato com a repercussão da carta. Até então, falava-se sobre tortura, mas nada comprovava, de fato, até a carta. E o documentário mostra esse caminho até a carta, o que aconteceu naquele momento.”

Além de pessoas que assinaram a Carta de Linhares, Marcelo conversou com outros envolvidos direta e indiretamente no processo (Foto: Divulgação)

Caminho que a carta percorre

Ainda hoje pouco se fala sobre a Carta de Linhares, apesar de tantas coisas que já foram reveladas. E Juiz de Fora, que foi cenário de tudo isso, também, de certa forma, não conta essa história. “Juiz de Fora conviveu com isso sem alarde”, acredita Marcelo. E segue: “Linhares continua longe da cidade. A cidade desconhecia o que acontecia ali. As tropas para instaurar o regime militar saíram daqui. E, ironicamente, surge aqui também o primeiro documento de denúncia da tortura, praticada pelo governo militar que negava isso e continuou negando. É uma ironia da história: Juiz de Fora ter sido ponto de partida e ela também conseguiu, através da ousadia e da coragem dos presos, ser palco das piores denúncias que o regime poderia enfrentar.”

Para Marcelo, “Carta de Linhares: a tortura revelada” é também um ponto de partida. Ele tem vontade de mostrar mais personagens dessa história. “Cada pessoa que se envolveu nessa história lutando contra o regime político, cada um deles tem uma história. Cada um tem uma história de sofrimento, dor, luta, até histórias engraçadas”. Ele tem vontade de se debruçar ainda mais sobre os arquivos que existem, inclusive, em Juiz de Fora. Mas, primeiro, quer fazer o documentário circular. “Ele tem um caminho a percorrer”, afirma. Em seguida, vai disponibilizá-lo no YouTube, para que mais pessoas tenham acesso ao material que conseguiu construir.

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