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Álbuns dos oitentões Milton, Gil, Caetano e Paulinho da Viola fazem 50 anos

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(Foto: Thereza Eugênia/Divulgação)
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1972. O Brasil vivia a ditadura militar. Anos antes, alguns dos principais movimentos brasileiros eclodiram: os festivais de música – espaço de manifestação – foram fundamentais para lançar o tropicalismo, a jovem guarda e instaurar as músicas de protesto e, junto com isso, uma centena de artistas jovens brasileiros. A censura, no entanto, principalmente com o Ato Institucional número 5 (AI-5), de 1968, fez com que esses projetos fossem cerceados. Era pelo menos o que parecia, sobretudo com o exílio de vários nomes da música brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. O ano de 1972, no entanto, mostrou que, como disse Gilberto Gil, ter ido foi necessário para voltar mais vivo. Aquele foi um dos anos de ouro da música popular do Brasil. Foi nele que discos como “Transa”, de Caetano Brasil, “Expresso 2222”, de Gilberto Gil, “Clube da esquina”, com Milton e Lô Borges à frente, “Acabou chorare”, dos Novos Baianos e “Dança da solidão”, de Paulinho da Viola – para citar alguns – nasceram. São cinquenta anos de discos que continuam atuais e mostram uma realidade não saudosa, mas forte, que precisou da música para pular muros. Também neste 2022, Caetano, Gil, Milton e Paulinho da Viola completam 80 anos: seus sonhos, diga-se de passagem, não envelhecem jamais.
Ao serem perguntados o que o ano de 1972 significou para a música brasileira, não são poucos os pesquisadores da área que garantem: foi, sim, um marco. E isso revela muito daquele momento. O AI-5 inviabilizou movimentos e dificultou a produção musical. Em 1969, Gil e Caetano foram viver em Londres. Um, como conta Caetano no livro “Verdades tropicais”, adaptou-se melhor que o outro. Os dias cinzas europeus deixavam a Bahia cada vez mais distante, e Caetano pouco tinha vontade de compor ou tocar. Gil aproveitou para mergulhar na música que crescia lá, sobretudo no rock e no reggae. Antes disso, ainda no Brasil, eles viviam no medo. Compunham, mas de forma a driblar a censura através de metáforas e figuras de linguagem, na tentativa de mandar o recado a quem tinha que entender.

Gilberto Gil aproveitou o exílio em Londres para mergulhar no reggae e no rock ouvidos em “Expresso 2222”.

Tanta saudade

Sobre o exílio dos baianos e a baixa nos movimentos sociais naquele tempo, Pedro Teixeira, músico, professor e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora recupera uma expressão usada por Zuenir Ventura: instalou-se um vazio cultural no Brasil. “De 1964 a 1968, apesar da ditadura militar, houve uma certa liberdade para as manifestações artísticas, inclusive com uma hegemonia da esquerda. De 1968 a 1972, o cenário era o de terra arrasada, daí a expressão ‘vazio cultural’. No entanto, tudo aquilo que fora invisibilizado durante esse período não deixara de existir e ressurgiria a partir de 1972. E ressurgiu em movimentos dispersos, mas que se irmanavam, ultrapassadas as antigas diferenças que dividiam a classe em grandes movimentos, contra o mesmo cenário de vazio cultural imposto pelo AI-5”, diz.

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1972: o retorno

Caetano e Gil começam, ainda em Londres, e já mais esperançosos em voltar para o Brasil, a pensar em novos trabalhos. Caetano até lançou um disco lá, em 1971, homônimo, melancólico e com todas as letras em inglês. Uma ida dele a Santo Amaro, sua terra natal, deu o fôlego que precisava para vislumbrar um futuro. Parcerias foram sendo estabelecidas, já que muitos músicos, brasileiros também, se auto-exilaram na mesma época ou foram visitar os amigos na Europa. Os encontros acabaram sendo essenciais para que nascessem “Transa” e “Expresso 2222”: a marca do retorno dos baianos para o Brasil.
Caetano já chegou em terras brasileiras com “Transa” pronto. Em janeiro de 1972 ele foi lançado no Brasil. Pedro acredita que essa data do lançamento de Caetano foi, inclusive, importante para a qualidade dos outros álbuns que viriam a seguir. “Quem quisesse estar à altura não poderia fazer menos.” “Transa”, ainda que perpetue um lamento de “Caetano Veloso”, é mais um lamento de saudade esperançosa. Ele inclui as referências do reggae e do rock colhidas em sua época em Londres. Gilberto Gil já faz um “Expresso 2222” totalmente para cima. É quase uma crônica que descreve a felicidade de voltar, tendo “Back in Bahia” como um dos maiores exemplos disso.
Pedro ressalta que os avanços tecnológicos no processo de gravação foram essenciais para a qualidade desses dois discos. Isso por causa “da inclusão de estúdios de 16 canais e toda a aprendizagem decorrente da experiência no exterior”. “‘Transa’ foi gravado em Londres. ‘Expresso 222’ já foi gravado em um estúdio de 16 canais. Esses avanços acabavam se espraiando por toda a produção musical da época”, completa.

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Caetano Veloso gravou “Transa” na Inglaterra e voltou do exílio com o álbum pronto.

O passado enquanto roupa que ainda nos serve

Enquanto Gilberto Gil e Caetano Veloso viviam em Londres as agonias do período, outros músicos viviam isso in loco. “Se o AI-5 promoveu a dispersão dos grandes movimentos musicais que existiam nos anos 1960 no Brasil, o ano de 1972 revelou o aparecimento de movimentos dispersos, como o do Clube da Esquina ou dos Novos Baianos, que, pipocando aqui, ali e acolá, reativavam os sonhos que, como diz a canção, não envelhecem. Todos os grandes discos lançados em 1972 – ‘Transa’, ‘Expresso 222’, ‘Clube da Esquina’, ‘Acabou Chorare’, ‘Dança da Solidão’ e tantos outros -, comprovam que, lá onde se dizia haver um vazio, ressurgia, ainda que sub-repticiamente, em núcleos dispersos – que já não se enquadravam em grandes movimentos – a música popular brasileira na sua forma mais ampla, que incluía em si o gesto tropicalista”, diz Pedro Teixeira.
Paulinho da Viola, de maneira mais isolada, faz o “Dança da solidão”: disco que já revela no nome aquele sentimento contraditório do momento. Entre músicas melancólicas e sambas-exaltação, Paulinho também fez uma crônica do Brasil ainda naquele molde aprendido com o AI-5: driblando a censura com metáfora.

Paulinho da Viola cifrou seu protesto e levou o samba a um novo patamar com “A dança da solidão”.

Em Belo Horizonte, Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges se juntam. Começa, nos anos 1960, um movimento que nasceria, em definitivo, em 1972, com o lançamento do disco “Clube da esquina”. Chris Fuscaldo, escritora e pesquisadora que está organizando, junto com Márcio Borges, o livro “De tudo se faz canção – Os 50 anos do Clube da Esquina”, conta que, a princípio, a ideia do grupo era lançar apenas um disco, que acabou virando um movimento. “Depois virou dois discos. Com o passar dos anos, acabou virando um movimento a partir do momento em que marcou a chegada de um novo tempo (os anos 1970 da renovação musical no Brasil) e espaço (Minas Gerais) e virou referência para outros artistas.”
Ela ainda atribui isso ao que considera como uma novidade no cenário musical brasileiro: “O Clube da Esquina fez algo que ninguém havia feito antes: misturou jazz, MPB, progressivo, rock, bossa nova. O país já tinha novas referências: o rock progressivo tinha feito a cabeça de muitos músicos. E Milton já havia feito seu nome através dos festivais e de intérpretes que o gravaram, como Elis Regina. Claro, também, por causa de sua própria voz. Não fosse ‘Travessia’, a gravadora nem tinha escutado a sua proposta de fazer um disco com um garoto mineiro novo, jovem, que ninguém conhecia, o Lô Borges”. O curioso é que, por mais que esses discos persistam nas estantes até os dias de hoje, eles não foram tão vendidos quando lançados, como afirma Chris. Mas foram eles os responsáveis por alavancar a carreira de todos esses artistas e instaurar o nome da música brasileira no mundo todo, por pura insistência, e deixando de lado aquela ideia instaurada com a bossa nova de um Brasil que não correspondia aos anos de ditadura militar. Mesmo refletindo aquele contexto, são atemporais. Chris os considera como “verdadeiros desabafos emocionados”.

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Milton Nascimento e Lô Borges fundam um movimento com o álbum “Clube da Esquina”.

O que foi feito dos quatro

Recuperar essas histórias é fazer, como brinca Chris Fuscaldo, com que o passado seja uma roupa que ainda nos sirva (fazendo referência à música “Velha roupa colorida”, de Belchior). A curadoria, no entanto, muitas vezes pode ser injusta. Pedro reforça que há, sim, outros nomes a serem lembrados, mas isso, de maneira alguma, apaga ou diminui o trabalho feito por esses quatro, principalmente, em 1972. “Milton traz consigo todo o Clube da Esquina. Com ‘Transa’, Caetano dava visibilidade internacional a Jards Macalé e a toda música popular brasileira, inclusive a de protesto, que é citada em vários momentos do disco londrino. Gilberto Gil, como diz Wisnik, é um ponto de encontro do sertão de Luiz Gonzaga com o mar aberto de Caymmi que segue pelo caminho modernista da bossa nova para o infinito e além, servindo de inspiração para músicos e cantores Brasil afora. E, Paulinho da Viola, ponta de um iceberg que é o samba, fez pelo ritmo e pelos sambistas muito mais do que se pode imaginar.”
Sobre os sonhos desses quatro não envelhecerem, Pedro diz: “Eles permanecem porque resistiram com seus sonhos sem se deixarem suplantar pela melancolia. Em uma canção escrita para Jorge Amado, Caetano diz que o povo negro entendeu que o grande vencedor se ergue além da dor. E isso vale para o Caetano, que quase não suportou a prisão e o exílio, para Gil, que traz consigo as marcas da prisão e da luta tropicalista, e para Milton e Paulinho, que tiveram que enfrentar o vazio cultural in loco”.

‘Por que não falarmos disso?’

Ivisson Cardoso, conhecido como Meu Caro Vinho nas redes sociais, pesquisador e colecionador, acredita que, em vista disso, é, sim, justo o reconhecimento dos músicos que tiveram seus principais trabalhos lançados em 1972. No entanto, percebe que, principalmente por parte de alguns críticos, existe certo “menosprezo” com o que veio sobretudo nos anos 1980, já com o fim da ditadura e a saída de cena da música de protesto. “Como pesquisador musical, sinto que há uma condenação silenciosa a tudo o que foi produzido na década posterior. Abertura política, desbunde, discotéque, mudaram a temática a ser debatida nas letras e os críticos odiaram. Artistas, antes postos em um altar de militância, passaram a ser patrulhados por terem se rendido à mídia para venderem discos. Não queriam mais falar de política, queriam falar de amor, de prazer. Belchior em ‘Como se fosse pecado’ dizia: ‘Quero gozar’ e é içado ao status de sex symbol. Por que não falarmos disso?”

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