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Onde está o piano?

nina becker
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Bem que Nina falou, em entrevista à Tribuna, sobre a falta que faz o piano. Em shows mais enxutos, como a apresentação da noite de quarta-feira (24), no Sesc Cine Lounge, na Mostra de Cinema de Tiradentes, não é viável levar todos os elementos que compõem sua banda: voz, guitarra, bateria, baixo acústico e piano. Na cidade histórica, Nina esteve acompanhada do guitarrista Pedro Sá, sua companhia musical e de vida desde a Orquestra Imperial, que começou em 2002, e o mais novo parceiro de banda, o baterista Pedro Fonte.

Durante a passagem de som para show no festival de cinema, Nina sentou-se com toda disponibilidade para uma conversa, costurando os caminhos entre a música, cenografia e moda que culminam em projetos multifacetados no agora. Aparenta estar mais realizada e satisfeita do que nunca, como se seu percurso, uma constelação de vontade de aprender e experimentar, estivesse em bonita forma, com tudo se desenrolando concomitantemente e novidades para sair em breve.

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Não, não foi planejado. Ela não tinha o único sonho de ser cantora, muito menos em ter sua própria carreira solo. Com uma discografia quadrante, entre pílulas “Azul” e “Vermelho”, ambos lançados em 2010, ganha reconhecimento que renderam viagens e turnês. Em 2014 regrava Dolores Duran para cantar algumas lágrimas de amor, e, mais recentemente, em 2017, chega com um álbum plástico, chique e popular ao mesmo tempo: “Acrílico”, desde o nome, já mostra seu fascínio por materiais. Samba-jazz, piano bar embebido de poesia suave e fluida, mais precisamente uma homenagem à Bossa Novas e as cantantes da época. Nara Leão talvez fosse amiga de Nina não fosse o deslocamento de tempo, mas não de espaço, a bossa do Rio de Janeiro está impregnada em Nina Becker. Sem esquecer de mencionar um quinto trabalho, “Gambito Budapeste” (2012), lançado junto à Marcelo Callado.

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“O Gambito Budapeste a gente gravou todo em casa. Só que eu não toco bem nenhum instrumento, ele não tocava bem nenhum instrumento, a não ser a bateria. E gravamos tudo no Garage Band, um negócio muito tosco. São músicas que fizemos juntos, ou que a gente fez um para o outro, então foi um disco meio de família. Quando ficou pronto e conseguimos lançar, eu estava quase parindo. Nem fizemos turnê.”

Seu mais recente trabalho, “Acrílico”, viabilizado pela Natura Musical e YB Music, tem sua gênese em um convite um tanto finesse. A marca francesa Hermès, durante os jogos Olímpicos no Brasil, fez um lenço inspirado na cidade do Rio nos anos 1950 e referências em Burle Marx e o movimento modernista. Nina Becker mergulhou em profunda pesquisa para criação de uma trilha, que embora encomendada, foi total ao encontro dela mesma, conectando moda, música e arte. Desse projeto, surge “Acrílico”, que se torna um caminho para as artes plásticas. Além de Pedro Sá, o disco foi inteiramente gravado e arranjado em conjunto com o pianista Rafael Vernet, o contrabaixista Alberto Continentino e o baterista Tutty Moreno, que gravou o álbum “Transa” de Caetano Veloso. Aliás, uma formação digna de parar e escutar com bastante calma por ter feito parte de discos de grandes músicos da história da música brasileira.

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A performance

Nina parece ser camaleoa, está sempre se reinventando em corte de cabelo, estilo e envolvida em diferentes projetos. A indumentária por si só da cantora traduz as entrelinhas de uma mulher que, na verdade, é muitas coisas além de música. Com corte de cabelo curtinho e assimétrico, um scarpin preto de verniz, calça social por baixo de uma veste longa em preto e branco, como um vestido de um ombro só decotado nas costas, ela chega chique, passando uma sensação de que não vai descer do salto. Abre com “Na quebrada” e “Despertador”, faixas de Acrílico. Se desmancha em “Toc toc”, do “Vermelho”, desce do pedestal e se permite a loucura dos “corpos colados num só”. Sai de palco, rodeia o público, literalmente pulando no colo e agarrando até mesmo o fotógrafo, distribuindo beijos na bochecha, até cair deitada em uma espécie de puff no lounge.

“Olhinhos” é minha preferida, uma parceria com Negro Leo, com poesia que me leva para outra dimensão. Inclusive, uma música do músico, sinestésica pelo nome “Caramelo da nostalgia”, também é faixa do disco. Seguiu o show, interagindo plenamente com o baterista e o guitarrista, cantando músicas do “Acrílico”. Até chegar em “Lágrimas negras”, com uma das frases mais lindas que diz: “Belezas são coisas acesas por dentro/tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”, que traz um sentimento de saudade no coração, intensificado em sua interpretação de “Solidão” de Dolores Duran, embalada por novos arranjos e uma voz menos encorpada, porém bonita em sua sutileza. “Marco Zero” é uma composição que fez junto ao músico Marcelo Callado para o álbum “Gambito Budapeste”, quando eram casados. Colocaram sua filha Cora no mundo quase junto ao disco, de caráter mais caseiro e pessoal. Melodia e letras com astral alegre de quem está em paz consigo mesma.
“Acrílico” é sobretudo um álbum em parcerias, todas as faixas são co-criações. Além de Negro Leo e os próprios instrumentistas de sua banda, Moreno Veloso (filho de Caetano), Thalma de Freitas, Jonas Sá, Rubinho Jacobina, Kassin e Laura Erber estão com suas marcas presentes em um disco em preto e branco.

De Backing vocal do Zeca Pagodinho a crooner da Orquestra Imperial

A plasticidade do álbum começa desde o final da adolescência, quando foi trabalhar fazendo alegorias na escola de samba Vila Isabel e começou a lidar com materiais, espelhos, espumas, tecidos, técnicas de escultura, pinturas e colagens. Seu primeiro trabalho como cantora foi como backing vocal de Zeca Pagodinho, no projeto “Samba pras moças”. Trancou a faculdade de design e foi abraçar a música. Entrou no cinema ajudando na cenografia de um curta do Gringo Cardia, que na época estava dirigindo vários videoclipes (Skank, Nação Zumbi, Daniela Mercury) e a convidou para fazer parte de sua equipe. A Conspiração Filmes foi o segundo passo no audiovisual, onde ela se tornou assistente de arte, assinando até mesmo algumas direções de arte filmes publicitários.

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A entrada para a Orquestra Imperial foi exatamente no segundo show do grupo, uma banda ainda experimental em sua primeira temporada no Rio. “Era para ser um mês, mas a temporada durou quatro, estava bom e começou a ser muito legal. Passei três anos tentando conciliar trabalhar com cinema e cantar, e no final já estava muito difícil. Tinha show até 4 da manhã, e 5 horas eu tinha que abrir o set. Fui ficando exausta, tive que escolher e pensei: ‘eu não vou parar de cantar'”. A história com a moda começa a partir daí, criando figurinos para si mesma e utilizando tecidos reciclados. Abriu um atelier a partir dos conhecimentos de corte e costura que adquiriu na adolescência e começou a criar um vestido para cada show da Orquestra Imperial. Em 2004 começou a despertar em si o desejo de realizar um trabalho pessoal, gravou os discos “Azul” e “Vermelho”, entre 2008 e 2010, sem, no começo de tudo, poder imaginar que se tornaria cantora profissional em carreira solo.

“Eu não me sentia muito autorizada em ter carreira solo, porque eu não me sentia uma cantora. O que me motivou a entrar na Orquestra era pesquisa de repertório, porque sempre gostei de ouvir músicas da época do rádio, coisas de orquestra da Rádio Nacional. Cheguei lá com aquele disco da Elza Soares com o Wilson das Neves muito antes de imaginar que o Wilson um dia entraria na banda, anos depois. Minha pilha era muito essa: ‘essa música tem tudo a ver com a Orquestra’. Eu era muito tímida para cantar, não tinha aquela cancha de palco.”

A entrada para a Orquestra Imperial foi por pura coragem. Nina, que era amiga do Alexandre Kassin, Domenico Lancellotti e Moreno Veloso, conta que um dia foi assisti-los e, despretensiosamente, ao final do show, foi cumprimentá-los. Perguntou sobre a Thalma de Freitas, que não estava neste dia, e ficou sabendo que ela havia se mudado para a Europa e, por isso, eles estavam precisando de uma cantora. Foi para a casa com aquilo na cabeça e às 3 da manhã ligou para uma amiga perguntando: “Eu acho que estou querendo me convidar para cantar lá na banda. Eu estou maluca?”. Ligou para eles, falou sobre o repertório e discos que colecionava e acabou sendo contratada, já que a Orquestra buscava mesmo era uma cantora que não fosse consagrada. “Eu fui aprendendo na orquestra a cantar e encarar a crooner.”

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A Orquestra Imperial segue um pouco em plano B para os integrantes que já vivem em outros lugares e estão envolvidos em projetos pessoais. Só fazem shows com a premissa principal de todos poderem participar. O próximo encontro será no carnaval do Rio deste ano, em 12 de fevereiro. “É uma orquestra e não o projeto de vida principal de ninguém. Então, se não for para todo mundo estar junto e se divertir, não tem graça. Já passou também aquele clamor do início, já são 15 anos de estrada.”

Sobre a falta do piano em Tiradentes – a delicadeza do instrumento foi a costura de todo o álbum “Acrílico” -, Nina Becker age como camaleoa e junta a energia da percussão com a potencialidade de suas poesias. Ao fim do concerto, ela mesma, na cara e na coragem, pede para cantar mais uma. Manda “Oba-la-lá”, sem ensaio, composição de João Gilberto. “Quem ouvir o Oba-lá-lá terá feliz o coração.”

Assista ao clipe de “Voo Rasante”, música em parceria com Jonas Sá:

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