Outras ideias sobre Fábrica de Doces Brasil


Por MAURO MORAIS

25/01/2015 às 07h00- Atualizada 26/01/2015 às 18h36

João Jaime Estiguer, criador da famosa

João Jaime Estiguer, criador da famosa “fatia rosa”, começou a Doces Brasil vendendo pães de porta em porta

Quem vai buscar o bolo? Lembro-me bem dos tempos de infância e dos impasses na hora de decidir quem pegaria a encomenda na Fábrica de Doces Brasil. Era o que completava a festa. E dele, o bolo, surge o sabor que me remete a cada detalhe de meus aniversários. Com recheio de coco, aquele glacê branco e azul (ou rosa) na parte superior, com gotas de goiabada e uma pequena esfera de confeito prateado, os tradicionais e inconfundíveis bolos da confeitaria estão na memória de muitos juiz-foranos. E a história é antiga, tanto que no próximo dia 19 completa sete décadas. “Já imaginamos fazer um bolo de 70 metros, ou um bolo ligando uma loja à outra na Marechal Deodoro, mas seria preciso um grande apoio para que conseguíssemos organizar tudo”, comenta Diogo Rebouças Estiguer, um dos sócios, ao lado do primo Igor Pinto Estiguer, do negócio que começou com o avô, João Jaime Estiguer, um descendente de alemães, nascido no Bairro Borboleta.

“Quando nosso avô morava em São Mateus, o pai dele era ferreiro, e ele, com a mãe, vendia pão alemão de porta em porta no bairro. Em 1945, se casou e adquiriu este imóvel. Veio morar aqui, tendo a loja na frente”, conta Diogo, referindo-se ao pequeno estabelecimento na Marechal, próximo à Rua Batista de Oliveira. “No início, eram poucos funcionários, e algumas receitas foram sendo criadas com o que ele já tinha, como o creme de confeiteiro e a massa folhada. O amendoim e o coco estão presentes em vários dos doces. A ‘fatia rosa’ é uma invenção daqui e não existe em nenhum outro lugar”, completa Igor, contando que a tal massa do doce é de biscoito. “Nossos produtos são simples, não guardam grandes mistérios. O maior segredo de todos é essa trajetória de 70 anos. Dizem que a memória gustativa nunca se perde, então, mantemos o mesmo padrão”, diz.

O negócio de João começou a atrair cada dia mais gente e, quando a Rua Mister Moore foi aberta, o empresário resolveu ampliar e abrir outra loja no mesmo terreno. Ao centro funciona a produção, que atualmente tem planos de ser transferida para um galpão, em um bairro próximo. “Nesse início, eram só os doces grandes, depois ele foi lançando outros produtos, como os bolos confeitados, biscoitos, e, com o passar dos anos, lançou a linha dos mini-doces. Foi só na década de 1970 que a linha de salgados cresceu. Antes só havia a empada, que era vendida fria, sem estufa, nem nada”, lembra-se Igor, que hoje coordena a produção de uma linha com mais de cem produtos. “Quando abriu a segunda loja, a empresa chegou, à época, em 50 funcionários. Hoje, são 130 no total”, conta Igor, terceira geração na sucessão, após o pai, Wanderley, junto dos irmãos Wander (pai de Diogo) e Waltencir, comandar a marca, durante décadas. “Em épocas festivas, como Natal e Dia das Mães, nós ajudávamos. Entramos para trabalhar quando eu tinha 19, e o Diogo tinha acabado de completar 20. Nossa diferença de idade é de apenas seis meses”, recorda-se Igor. “Quando começamos, nossos pais quiseram que participássemos de todos os processos da empresa. Começamos na produção, na parte da manhã”, recorda-se Igor. “Chegávamos por volta das 4h30 e 5h. O forno era à lenha, e todo o processo demorava bastante”, completa Diogo. Juntos, os primos começaram a mudar a “cara” da confeitaria.

Segundo Igor, até tomarem a frente no empreendimento, todas as experiências foram vividas. “Fomos aprendendo tudo. Na parte da tarde trabalhávamos no atendimento das lojas, tendo contato direto com os clientes. Esse foi um diferencial nosso, porque começamos a perceber o que podia melhorar”, conta. Na percepção de que os dois pequenos estabelecimentos não contavam com muito conforto, abriram, em 2004, uma nova loja, na mesma Marechal do início, mas próximo à Avenida Rio Branco. Depois vieram, em 2008, a filial do Shopping Independência, e, dois anos depois, a do Cinearte Palace. Nos próximos meses será inaugurada uma nova loja, no Edifício Rossi, na Avenida Rio Branco. Com números superlativos, a fábrica que chega a gastar cerca de 30 mil ovos por mês, já recebeu muitos convites para franquias em outras cidades. “Sempre tem alguém querendo, mas ainda não conseguimos ‘bolar’ um sistema que permita isso”, explica Diogo. Para crescer, Igor e Diogo sabem bem, é preciso manter o que a história consolidou.

Ao longo de 70 anos, a empresa familiar construiu laços com muitas outras famílias. “Muitos se lembram de parentes, outros, quando vêm visitar a cidade, querem reaver a lembrança através dos doces. Há uma afetividade muito grande com os produtos”, reconhece Igor. E as receitas, como ficam? “Tentamos preservar ao máximo, tendo em vista que algumas matérias-primas sofreram mudanças, exigindo adequações”, explica Diogo. “Nossa responsabilidade é grande tanto em âmbito familiar, por termos ficado com a empresa, quanto em relação à cidade e sua história”, completa Igor. Família e negócio se entrelaçam até mesmo pelas recordações de um avô dedicado aos doces e salgados. “Ele sempre foi um homem muito dinâmico e trabalhador. Quando tudo começou, ele acordava às 3h para ligar o forno e só saía quando a loja fechava. Ele trabalhou até um ano antes de falecer. Já não fazia mais a produção, e no balcão a atuação dele sempre foi menor, mas fazia a parte de escritório”, recorda Diogo, sobre o homem que morreu há seis anos, aos 88. Discretos, os primos, assim como os pais e o avô, todos avessos à fotografia, não guardam registros deles no espaço. O peso das lembranças, ali, passa pelo paladar.

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