Uma série de lojas, uma ao lado da outra, ocupa o térreo de um prédio do Bairro Bandeirantes. Mas uma delas já se destaca pela cor da luz: um azul que é quase roxo e que chama a atenção de qualquer um que passe pela Rua Sabino Francisco de Barros. Diferente das outras lojas, ali não é um lugar de prestação ou oferta de serviços. É, na realidade, um espaço cultural – diferente de tudo o que tem ao redor, inclusive no bairro. Há cerca de quatro meses, a loja 13 desse prédio é ocupada pelo Espaço de Cultura Coringa (Ecco), que oferece aulas de teatro e pintura e funciona, ainda, como uma galeria de arte.
O Bairro Bandeirantes tem uma movimentação cultural expressiva. Um dos maiores exemplos é a batalha de rap que ocupa a praça do bairro há sete anos. Até então, no entanto, não existia no lugar um espaço que centralizasse as artes e oferecesse esse tipo de aula, principalmente, aos moradores – o que, exatamente, faz o Ecco. Idealizado por Melissa Coppe e Daniel Meotte, o Ecco surgiu a partir da união de dois outros movimentos: o Teatro do Contra, o grupo de Daniel, e a galeria Subversivos, de Melissa. E a ideia sempre foi, realmente, oferecer um espaço que descentralizasse a arte e a cultura.
“A maioria dos lugares de arte de Juiz de Fora é central e não chega a todo mundo. A ideia era descentralizar e trazer para um lugar que não tinha nada sobre isso”, explica Daniel. O manifesto que está impresso no nome e que sintetiza a ideia é a figura de um coringa. “Tanto o espaço se transforma, porque a gente tem aula de teatro, pintura e uma biblioteca, então ele vai se adequando, tanto de fazer essa mudança no ambiente em que a gente está inserido. Trazer a arte para esse lugar.”
Estar no Bandeirantes foi quase um acaso. Primeiro porque a ideia do Ecco existe há tempos. E a ideia era começar maior, como conta Melissa. Isso, no entanto, fazia com que o projeto não saísse do papel. “A gente precisava começar. E achou essa loja aqui, porque a gente se mudou para o Bandeirantes. E essa loja é perfeita para começar. É pequena. Mas isso é também nossa maior vantagem. Deu para começar e já atingir muitas pessoas.”
Espaço para o bairro
A conexão com os moradores não foi estabelecida rapidamente. Exatamente por não estarem acostumados com espaços de cultura, a primeira sensação foi de estranhamento – que logo foi quebrada. “Quando eles começaram a entrar e conhecer o Ecco, já falavam que o Bandeirantes precisava de um lugar como esse. Falavam: ‘Que bom que isso existe'”, afirma Melissa. Um dos jeitos encontrados de realizar essa aproximação foi oferecer bolsas de aulas de teatro aos alunos da escola municipal do bairro. São sobretudo crianças que não tinham acesso a esse tipo de ensino. Atualmente, o Ecco conta com duas turmas de teatro, com pessoas de idades entre 10 e 15 anos. E a maioria é do Bandeirantes e de bairros próximos.
Uma contrapartida interessante para os alunos que ganham as bolsas das aulas de teatro é que eles precisam ler, pelo menos, um livro por mês. O Ecco conta com uma biblioteca aberta ao público, e crianças e adolescentes do Bandeirantes conseguem ter acesso a livros de diferentes estilos de forma gratuita. Outra forma de acesso foi inventada por Melissa e Daniel, que criaram uma moeda literária que se chama Capitu. Cada livro tem um preço. Para ter acesso a eles, é preciso escrever um resumo, e a Ecco paga com a Capitu. O espaço, inclusive, aceita doação de livros adultos e infantis.
Galeria do Ecco
O Ecco é também uma galeria de arte que tem nome: Subversivos. Ela foi idealizada por Melissa e está na terceira exposição: a primeira foi dela, a segunda uma coletiva, com desenhos de turmas do sexta ano de uma Escola Municipal, e a terceira, ainda em cartaz, é “Sagrada rebelião”, de Sarynn. “A ideia da Subversivos é trazer para as pessoas, através das obras, a capacidade de transformação. Poder olhar a vida e a si mesmos de outra forma. A arte em si tem essa capacidade, e a galeria, como momento de meditação, de tirar um tempo para olhar para as obras, refletir sobre elas, procurar algo que se identifique, se ver no trabalho”, explica Melissa sobre a curadoria. O espaço, inclusive, já está com agenda ocupada para este ano.
Quando Sarynn conheceu o Ecco, no entanto, tudo era ainda um começo, e nem tinha edital aberto a artistas. O que fez foi entrar em contato diretamente com Melissa. Primeiro porque estava em busca de um lugar que expusesse seus trabalhos. Segundo que o Ecco é exatamente na rua onde mora. Logo a exposição estava marcada, porque sua primeira tinha mesmo de ser ali. “A Melissa me apresentou tudo sobre o Ecco e a galeria e eu me encantei com a ideia de uma tal forma que a exposição foi toda desenvolvido especialmente para essa galeria, inspirada no nome ‘Subversivos'”, explica Sarynn. Todas as obras foram feitas em menos de um mês. “Parece que acendeu um fogo dentro de mim. Eu comecei a pintar enlouquecidamente. Foi muito pouco tempo, mas porque foi forte essa energia.”
Sarynn é artista queer e autista, e não encontrava, nas outras galerias, um espaço em que se sentisse, de fato, confortável para apresentar seu trabalho. O que foi completamente diferente quando conheceu o Ecco. “Como autista, acessar esse mundo da arte que fica no Centro é difícil. Aqui é um espaço de conexão, acima de tudo. Você sente a energia criativa, de comunicar-se e receber comunicação. Aqui eu tive um acolhimento muito grande.” Neste sábado (27), inclusive, Sarynn oferece uma oficina de aquarela no Ecco com mediação na mostra. As informações estão disponíveis no Instagram.
Eccos da cultura
As aulas oferecidas no Ecco, além das bolsas, têm preços acessíveis. Mas para manter, de fato, o espaço, Melissa e Daniel idealizaram o Eccos da Cultura: um clube de assinaturas que dá acesso a uma plataforma on-line, com conteúdos exclusivos, participação em eventos presenciais e descontos nas atividades do Ecco. Todas as informações para fazer parte do clube estão disponíveis neste link.