Mais de cinco mil pessoas lotaram as salas de cinema de Juiz de Fora para assistir a programação do Festival Varilux de Cinema Francês. Ainda que seja um número preliminar divulgado pela organização, que deverá anunciar o público total no final desta semana, é o bastante para garantir outras dez sessões além das 56 compreendidas entre os dias 6 e 19 de junho, semanas oficias do evento. Neste final de semana, o CineMinas Santa Cruz oferece duas exibições (ontem e hoje). E o Sesc apresenta oito das 16 produções da seleção entre os dias 1º e 13 de julho. Com salas lotadas e muitas sessões esgotadas, o festival repete o sucesso dos anos anteriores, inserindo Juiz de Fora como uma das dez maiores plateias do festival que este ano atingiu 78 municípios brasileiros.
De 6 a 18 a junho, o UCI Independência exibiu filmes franceses do Festival Varilux. Durante o período, considerando o TOP 20 de produções mais vistas pelo público, 13 participaram do evento. Ao todo, 1200 pessoas passaram pelas salas do complexo para assistir aos títulos “A Revolução em Paris”, “Quem Você Pensa que Sou”, “O Professor Substituto”, “Graças a Deus”, “Meu Bebê”, “Amor à Segunda Vista 2019”, “Boas Intenções”, “Os Dois Filhos de Joseph”, “Inocência Roubada”, “Finalmente Livres”, “Cyrano Mon Amour”, “Através do Fogo” e “Um Homem Fiel”.
“Uma das condições para que o festival permaneça na cidade é a franquência. E em Juiz de Fora não corremos esse risco, ao menos por enquanto”, comemora Walquiria Cardoso do Vale, diretora da Aliança Francesa de Juiz de Fora, uma das principais apoiadoras do evento. A cidade, segundo ela, já foi a quarta maior plateia do Brasil e a primeira em Minas Gerais. Em 2016, concentrada apenas no Cinearte Palace, a programação alcançou 6.302 juiz-foranos em 56 sessões. No ano seguinte, contabilizou 5.184 espectadores em 49 sessões. Ano passado, quando coincidiu com a Copa do Mundo, o festival teve um público de 4.636 pessoas em 88 exibições. Este ano, incluindo a prorrogação até 13 de julho, serão 66 sessões locais, sem contar a sessão educativa, programada para acontecer no Colégio de Aplicação João XXIII, que assistirá à animação “Asterix e o segredo da poção mágica”.
De acordo com a assessoria de comunicação do UCI Kinoplex, no Independência Shopping, 1.200 espectadores assistiram os 13 filmes franceses selecionados da programação do festival, o que representa uma média de 92 pessoas por sessão na sala com 152 assentos. Ainda segundo a nota, todas as produções estão entre as 20 mais assistidas de toda a rede durante o período em que estiveram em cartaz. O CineMinas, no Santa Cruz Shopping, ainda está contabilizando suas plateias, conforme apontou seu proprietário, o empresário Fernando Costa Júnior. Questionada sobre os motivos que a levam a não aderir ao festival, a rede Cinemais, com salas no Alameda e no Jardim Norte, não respondeu o contato feito pela Tribuna.
Fuga do circuito comercial nosso de todo dia
Dos 17 longas da seleção de 2019, a chef de cozinha Ana Luiza Daibert, de 26 anos, assistiu a 15. Todos os anos se programa para a maratona. “Tenho uma relação muito grande com a França. Morei lá por dois anos. Esse festival supre um pouco minha saudade. É legal ver as paisagens novas, as gírias atuais”, comenta ela. “Os filmes franceses sabem tratar assuntos importantes com uma maneira artística”, elogia, em dúvida sobre qual foi o melhor filme que assistiu – está entre quatro favoritos. “Acho que o Varilux já tem um nome forte. Boa parte do público conhece o festival, mas sinto, desde o ano passado, que existe uma variedade de espectadores. As pessoas estão percebendo que vale descobrir o que não é blockbuster”, sugere.
“Aqui tem uma demanda, sim”, concorda a professora de artes da rede pública Chintia Pucci, 57 anos, também frequentadora assídua de todas as edições do festival. Já chegou a acompanhar três sessões seguidas. “Não saio de casa para ir aos cinemas porque não tenho mais motivações. Dificilmente a programação me interessa”, lamenta. Conforme acredita, existe um público específico para o festival, o que não exclui a evidência de que há uma carência na cidade. “Os filmes argentinos também não assistimos por aqui, infelizmente. E eles produzem pérolas”, aponta. “Há uma procura por cinema de qualidade, o bom cinema, para fugir do cotidiano. Acho que isso se deve ao fato de a França ter um cinema que se opõe ao circuito comercial que domina nossos cinemas todos o dias. O cinema francês tem um peso, uma tradição. Além disso, vejo a procura por uma nova opção de filme. Também acho que o Varilux funciona como um convite ao público para que vá ao cinema. Hoje as pessoas veem filmes na telinha, até no celular, e o festival valoriza o prazer da sala de cinema”, defende Walquiria.
Proprietário do CineMinas, no Santa Cruz Shopping, que desde 2017 recebe a programação francesa, Fernando Costa Júnior se diz atento ao movimento. Dividindo-se entre Juiz de Fora e Caxambu, onde também comanda um espaço de cinema, ele presenciou as longas filas que se formaram nas três sessões diárias. Conversou com alguns espectadores. E antes de algumas exibições, de maneira improvisada, agradeceu pelas presenças. “Este ano foi o melhor público”, garante, certo de que o interesse é crescente na cidade e, diante disso, é necessário rever alguns conceitos. “Não sei se filmes desse tipo aguentariam várias sessões, mas precisamos fazer uma tentativa para apurar isso”, indica.
Demanda histórica, oferta tradicional
Num tempo em que as locadoras de filmes são on-line, localizadas num botão do controle remoto, a demanda por filmes que não sejam blockbusters troca as salas escuras pelo conforto de casa. Cinéfila, a chef de cozinha Ana Luiza Daibert confirma. “Aqui em Juiz de Fora tem sido mais difícil, porque todos os cinemas passam os mesmos filmes. Se houvesse a variedade que temos no Varilux acho que eu iria muito mais ao cinema. Acho que está mais do que provado que existe demanda para um filme ‘mais alternativo'”, aponta, numa teoria ratificada pela própria programação desta semana, que reúne dez títulos, distribuídos em 18 salas, em quatro endereços distintos. De todos os dez filmes, apenas uma estreia: “Toy Story 4”, animação com 90% de presença nos complexos de cinema do país.
“Temos uma sede de ver esse tipo de filmes que não são tão comerciais”, atesta a professora Chintia Pucci. “Em Juiz de Fora, tivemos uma formação para apreciar esse tipo de filme, principalmente com o Cinema Paraíso, onde conheci o (diretor alemão Werner) Herzog, o (cineasta também alemão Rainer Werner) Fassbinder. Para mim ele (o Paraíso) foi uma formação”, acrescenta, citando, ainda, o Cine Festival, no prédio do Cine-Theatro Central, que em seus primeiros anos exibia filmes de arte e muitas produções europeias.
Presidente do Conselho Municipal de Cultura, no qual representa o audiovisual, a professora, pesquisadora e produtora Marilia Xavier Lima afirma ser parte do perfil juiz-forano a cinefilia. “Juiz de Fora sente falta de ver esses filmes. Por isso festivais como o Varilux enchem, porque é como se voltássemos no tempo”, avalia, apontando para uma quantidade superlativa de salas de cinemas dedicadas a esse tipo de filme. As últimas a fecharem levaram consigo também a experiência do cinema de rua.
Com as atividades encerradas há exatos dois anos, numa sessão do Festival Varilux de Cinema Francês, na qual Chintia Pucci estava presente, o Cinearte Palace era administrado por Adhemar Oliveira, que inovou ao criar o conceito Arteplex, levando filmes de arte a grandes complexos. Proprietário da rede Cinespaço, do Espaço Itaú de Cinema e do Circuito Cinearte, Adhemar também administrou o cinema do Shopping Alameda entre 2009 e 2013. Retirou-se da cidade pessimista. “Existem vários caminhos para chegarmos a um filme, com a certeza de que conseguiremos assisti-lo. É preciso repensar as salas nessa nova ótica, de como atrair e como fazer”, disse ele, em entrevista à Tribuna em julho de 2017.
Sequências de pressões ditam as agendas
Para se fazer relevantes, as salas de cinema enfrentam o desafio de se manterem atuais. Não há tempo a perder. E logo logo os filmes chegam às plataformas de streaming. Nessa maratona, explica o proprietário do CineMinas no Santa Cruz Shopping, Fernando Costa Júnior, só há sentido comercial na exibição de lançamentos. O exibidor, então, contata as distribuidoras. Se décadas atrás o dilema era conseguir uma cópia dos custosos rolos de filmes, hoje é resistir à pressão das distribuidoras, que passam uma chave para que as salas baixem os filmes, mas elencam uma série de exigências. “A dificuldade é que nós, como exibidores pequenos, não conseguimos negociar. São sempre impostos os filmes que vamos exibir. Temos que aceitar o que nos oferecem”, diz Costa Júnior, explanando, ainda, que para alguns blockbusters as distribuidoras não aceitam sequer dividir as salas e ordenam um superlativo número de sessões, o que acaba por iniviabilizar a exibição de outras produções.
“Sair disso é difícil. O cinema no espaço de um shopping tem um custo elevado, então é perigoso arriscar. O filme grande acaba fazendo plateia, o pequeno já pode não conseguir. É um risco. Mas quero fazer uma tentativa”, promete o exibidor, programando tal gesto para agosto, apenas. Em julho, segundo ele, estão previstas as gigantes estreias de “Rei Leão” e “Homem Aranha”, que deverão se manter em várias sessões por exigência de seus poderosos distribuidores. Com suas duas pequenas salas, Fernando Costa Júnior diz trabalhar com companhias nacionais e internacionais. A todas precisa se curvar.
“Nessa ocasião do festival trabalhamos com companhias menores e aí conseguimos esses filmes mais alternativos. Esse tipo de filme alternativo ou de arte é mais difícil de nos oferecerem. Acredito que, talvez agora, diante desses resultados possa haver uma nova janela para esse público no cinema”, aposta. Pergunto-lhe, então, sobre “Dor e glória”, novo filme do cultuado e premiado cineasta espanhol Pedro Almodóvar. A produção, com Antonio Banderas estreou no último dia 13 e teve uma primeira semana bastante expressiva, levando 32 mil espectadores a 43 cinemas no país. Juiz de Fora está e, ao que tudo indica, continuará de fora. “É um filme que eu cogitava trazer. Pensei nesse filme. Mas não trabalho com essa companhia para exibir esse filme. Vou tentar negociar. Por enquanto, nem ofertado a nós ele foi”, responde Costa Júnior, dizendo ter recebido pedidos para a exibição por parte dos espectadores do Varilux.
De acordo com Marilia Lima, “teria como driblar com medidas governamentais de regulamentação de mercado. Tem que haver uma proteção de mercado, principalmente para os filmes brasileiros. Temos muitos filmes produzidos, mas pouquíssimos vão para as salas. Essas grandes distribuidoras dominam justamente porque elas não têm nada que as impeça de fazer isso. Outra medida é a do público, que precisa começar a fazer uma pressão para que os cinemas lutem contra os distribuidores. É uma guerra complicada, e o governo pode ajudar muito.”
Terra de formação profissional, cineclubes e festivais
Todos os anos Juiz de Fora forma dezenas de bacharéis em cinema e audiovisual. Aptos a atuarem em operação, supervisão e gestão de trabalhos audiovisuais, esses profissionais enfrentam, por cerca de dois anos, uma grade de estudos que envolve conhecimentos de roteiro, história, direção, montagem, animação e outros aspectos da criação. Aprendem teoria e prática. Disseminadores de um fazer complexo, não encontram nas salas de cinema da cidade eco para o que aprendem nas salas de aula.
“É ruim os alunos não terem acesso a outros tipos de filmes. Mas a universidade acaba criando acesso de outras formas, ocupando esse lugar que os cinemas não conseguem dar conta”, assegura Marilia Lima, também professora do departamento de cinema do Instituto de Artes e Design da UFJF. Da aridez de ofertas comerciais surgem, de acordo com ela, os cineclubes e as mostras. Prestes a completar uma década de existência, o Cineclube Bordel Sem Paredes é fruto das ausências da cena. De volta à ativa após um hiato de um ano, a iniciativa não tem uma data determinada. Os filmes são exibidos em uma quinta-feira de cada mês, revezando-se entre dois espaços – o Museu de Arte Murilo Mendes e o Espaço Diversão & Arte.
Segundo Matheus de Simone, um dos organizadores, a curadoria contempla discussões sobre diversidade e vozes dissidentes, e uma seleção de filmes prevê as atividades até setembro, ao menos. “Não sei dizer se existe uma demanda, mas há um interesse nosso em exibir filmes que não temos a oportunidade de ver nos cinemas da cidade”, afirma ele, artista visual e pesquisador. “Quando frequentava logo que vim para Juiz de Fora, em 2011, achava um barato ver a sessão rolando mesmo com uma ou duas pessoas. Quando retomamos, pensamos nisso: independentemente do público, iríamos garantir as sessões. Para nossa surpresa, tivemos um público interessante, de dez ou 12 pessoas. Elas interagem e debatem os filmes ao final”, comenta ele, citando outros grupos formados na UFJF e em outros espaços pela cidade. “As pessoas estão sentindo falta e se mobilizando para reduzir essas diferenças.”
Uma das organizadoras do Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, Marilia Lima defende que o festival também confirma os interesses da plateia local. “Juiz de Fora é formada por cinéfilos e por produtores de cinema. É uma cidade com pessoas que gostam de ver filmes e que praticam o cinema. As sessões de longas enchem muito, geralmente com produções que sequer chegam às salas”, pontua, destacando a importância de eventos como esse, capazes de abrir as salas para as produções fomentadas pela academia. “O que os universitários pensam hoje é que para conseguir acesso às grandes salas é através dos festivais de cinema, que são lugares onde as produções deles são bem-vindas.”
‘O importante é que entenda o que está assistindo’
Ainda que não fuja dos ditames comerciais, já que é dominado por produções de grande sucesso na França, o Festival Varilux preenche um vazio e atua sobre ele. Segundo a professora, pesquisadora e produtora Marília Lima, festivais como o de cinema francês e o local Primeiro Plano assumem um papel importante na formação do público para outras linguagens, textos e contextos. A dominância dos blockbusters, defende ela, “cria um impacto muito grande porque aparenta que só existe um tipo de filme sendo produzido hoje. Não mostra a diversidade que existe. Acaba criando um modelo muito direcionado para o que é cinema.” A saída, no entanto, está mais nos assentos e menos na telona. “Quanto mais o público conhecer outros tipos de cinema mais ele pode ter um olhar crítico sobre a imagem e, assim, escolher melhor o que ele quer ver. Tudo bem se ele quiser ver um filme dos Vingadores, ou um filme francês ou o cinema brasileiro”, reflete Marilia. “O importante é que ele entenda o que está assistindo e não assista só porque é o grande marketing, porque é a grande novidade da semana.”
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