
“Este manifesto não é uma explicação, nem uma limitação dos nossos fins e processos, porque o moderno é inumerável.” Essas são as palavras que o Movimento Verde de Cataguases usa em seu manifesto para se apresentar ao mundo, em 1927. A história do grupo é contada no curta documental “Verde”, da produtora Filmes do Mato. O filme foi selecionado para o 34º Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Curta Cinema 2025, que acontece até o dia 30 deste mês, no Rio de Janeiro, integrando a Mostra Memória Revelação. A exibição de estreia será no último dia, às 19h, na Estação NET Botafogo 1. A entrada é gratuita.
Verde é a juventude
A Revista Verde surge no cinquentenário da cidade de Cataguases, graças ao contato que seus membros fundadores – como Henrique de Resende, Francisco Inácio, Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Guilhermino César, Christófaro Fonte-Boa, Martins Mendes, Oswaldo Abritta e Camilo Soares – tinham no Ginásio Municipal de Cataguases. Na época, como afirma o escritor Luiz Ruffato no documentário, a cidade mineira refletia a história econômica e política do Brasil. Assim, se nacionalmente a juventude era fortemente marcada por anseios de contestação em diferentes níveis, tendo em vista as tragédias recentes da Primeira Guerra Mundial e a epidemia de gripe espanhola, em Cataguases o mesmo aconteceu. Financiados pela elite cafeeira local (tal como os paulistas, em 1922), os jovens do Movimento Verde buscavam ir contra a Poesia de Almanaque e o tradicionalismo, almejando uma estética brasileira e uma escrita livre.
Por conta da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, o fluxo de ideias que havia eclodido em São Paulo em 1922 chegou a Cataguases. E por meio da organização do Grêmio Estudantil e do incentivo de um professor, a Revista Verde começou. No primeiro número constam apenas autores locais. Entretanto, a partir do segundo, há uma radicalização, com a contribuição de nomes como Mário e Oswald de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, entre outros. O contato dos jovens de Cataguases com os principais intelectuais do modernismo brasileiro os influencia a escrever o Manifesto Verde, lançado na terceira edição da revista, muito inspirado em outros manifestos da época.
Ao mesmo tempo em que a Revista Verde surgia com a vanguarda literária, também ocorria na cidade um movimento de vanguarda cinematográfica, capitaneado por Humberto Mauro. O documentário traz momentos em que ocorreram colaborações entre os grupos, como quando Henrique de Resende legendou filmes de Mauro. Após o primeiro momento em que o foco era destruir o padrão estabelecido, os integrantes do movimento acabaram por pautar a renovação ocorrida no município na década de 1930. Por meio de Francisco Inácio Peixoto, Oscar Niemeyer e Burle Marx realizaram alguns trabalhos na cidade.
Devido a desentendimentos entre os membros e à morte de Ascânio Lopes, líder do movimento e responsável por integrar parte da intelectualidade de Belo Horizonte ao Movimento, a Revista Verde chegou ao fim. Foram seis edições no total. Ela, assim como o movimento, teve importante impacto para a cultura local e nacional. Além dos colaboradores destacados anteriormente, estão também Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Milliet, entre outros. Dentre os nove “verdes” originais, o mais velho era Henrique, com 28 anos de idade.
‘Teimaram em fazer arte no interior’
O primeiro contato de Bruna com a Revista Verde foi na casa de sua bisavó, que era irmã de Oswaldo Abritta. Esse também foi seu primeiro contato com a poesia. “Vi aqueles poemas e a primeira vontade que tive na vida era de ser poeta, para impressionar minha bisa”, conta a diretora. Mesmo que tenha seguido por outro ramo dentro das artes, essa lembrança dos versos da primeira infância serviram de inspiração para fazer o filme, como uma forma de honrar todos os autores que participaram desse movimento importante para a cidade de Cataguases.
“Verde” difere de outras produções da Filmes do Mato por ser o primeiro curta documental da produtora a possuir uma linguagem mais objetiva em relação aos outros filmes da companhia. Em parte, a ausência de documentação do que a Revista Verde foi e qual é sua importância dentro do Movimento Modernista é um dos motivadores para a adoção de uma linguagem menos poética e mais documental, já que objetiva preencher essa lacuna. Entretanto, essa não é a única razão. De acordo com Bruna, os depoimentos dos entrevistados também motivaram a forma do filme, que valoriza o elemento humano e o respeito ao relato das fontes.
A produção conta com depoimentos de Luiz Ruffato, Joaquim Branco, Márcia Carrano e Ronaldo Werneck. Segundo os diretores do filme, a escolha dessas quatro pessoas representa uma relação específica que cada uma nutre com a Revista Verde. Joaquim e Ronaldo conviveram com os autores. Luiz e Márcia, por sua vez, trazem análises que partem de suas respectivas pesquisas acerca do tema: Luiz é autor do livro “A Revista Verde, de Cataguases”, e Márcia, além de autora, é pesquisadora da vida de Francisco Inácio Peixoto.
Outras características do curta são seu visual, inspirado no design da revista e nos murais modernistas presentes na cidade, e as imagens de arquivo utilizadas no filme. Luis Bocchino, co-diretor da obra, explica que o filme foi realizado também com o intuito de atrair o interesse da juventude por meio de sua estética mais “legal”. Além disso, Bruna destaca a riqueza dos acervos utilizados e como alguns materiais, como a carta a Mário de Andrade, ainda não eram de conhecimento do grande público. Entre os acervos utilizados, está o de seu avô, Luiz Wagner do Carmo Schelb.
Sendo natural de Cataguases, Bruna acredita que, em certo sentido, tanto a influência dos “verde” como de Humberto Mauro estão presentes na pessoa que ela é e em sua produtora. “De alguma forma, essas pessoas teimaram em fazer arte no interior. Eu sou completamente ligada à minha cidade e quero fazer as coisas lá. Acho que a minha semelhança e meu encontro com eles vai nesse sentido: de fazer filmes aqui e contar histórias daqui”, destaca a diretora do curta que contou com apoio da Lei Paulo Gustavo para ser produzido.
*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy