Imagens de um mundo confuso

Denise Milfont encena, em parceria com o grupo 4zero4, texto do escritor André Sant’Anna (Divulgação)
Em 2014, a atriz Denise Milfont começou a estreitar os laços com o grupo local 4zero4. Naquele ano, em parceria com a formação juiz-forana, ela começou, aqui na cidade, os primeiros ensaios do espetáculo “Amor”. Dois anos depois, em 2016, a montagem estreou no palco do Teatro Poeirinha do Rio de Janeiro e agora volta para a terra onde tudo começou. “Eu conheci o grupo através do Alexandre Fenerich (músico). Os meninos toparam na hora e foram superparceiros. Apresentar aí é uma forma de dar uma retribuição a Juiz de Fora”, diz a atriz, por telefone, na tarde de ontem. Ela estreia nesta quinta-feira, às 20h, através da Ziriguidum – JF Produções Culturais, curta temporada que segue até o próximo domingo, na Casa de Cultura da UFJF.
Como se estivesse contando uma história, Denise compartilha com a plateia o livro homônimo do escritor André Sant’Anna, obra em que o escritor e músico utiliza linguagem experimental e encadeia imagens do mundo em que vivemos em uma livre associação de substantivos, adjetivos e verbos para traçar um angustiante panorama da nossa sociedade. “O André não prega dogmas, fala das nossas angústias de uma forma poética. Fico encantada com a maneira como ele escreve, são pensamentos rápidos, repetições de questões que acontecem desde 1960. Ele vai na história, o que nos leva a entender que pouca coisa mudou até hoje”, afirma a atriz, fazendo questão de contar que, durante uma hora ininterrupta, o espectador tem a oportunidade de conhecer toda a obra na íntegra. Sua proposta é levá-lo a refletir sobre a palavra lida.
“Eu sou atriz, posso decorar qualquer texto, isso não é problema para mim. O desafio foi ler. O fascínio é justamente esse: Como ler um livro inteiro em cena? Como vou levar as pessoas a ouvirem aquele texto?”, indaga-se ela, apontando para o brilhantismo do texto. “Porém, o livro dele não te obriga a ouvir tudo. Você ouve o que quer. Eu não estou ali pregando nada, ele faz somente com que as imagens venham para as nossas mentes e, em algum momento, você vai se identificando com algum ponto.”
Sem início, meio e fim
Como nas páginas do livro, o espetáculo apresentado não tem uma linearidade. O que dá unidade à história é justamente a falta dela. “É a estrutura, é o looping, é como ele é escrito. A gente chega à conclusão de que é como se fosse um jogo entrelaçando aqueles personagens de várias épocas. No fundo, parece que é uma história só”, diz, para logo comentar sobre a ausência de um fim. “Ele fala da realidade, fala que o mundo é uma confusão, que o mundo é abissal. O livro não tem um final, e isso é muito interessante. O André deixa a gente muito livre. Ele simplesmente não acaba, nos impõe questionamentos e angústias, mas de uma forma festiva. Na verdade, é uma grande farra.”
Comparando a arte teatral a um jogo, a atriz defende uma relação de troca entre ator/espectador, escritor/leitor. “Para mim, o livro é uma bola, e eu considero a arte um game, um esporte. Ela tem as mesmas regras do esporte. Você tem que jogar, e alguém precisa receber a bola, que é o livro, o texto. Ninguém sai ileso da apresentação. Não tem um passivo. Cada um tem uma função. Estou ali lendo algo que alguém escreveu, estou dando alma àquela leitura, estou usando minha musicalidade”, assevera Denise, que, desde 2006, vive uma nova fase na carreira. Formada na escola de Música de Brasília, cidade em que nasceu, e em Publicidade e Propaganda, ela contabiliza 13 trabalhos na TV, seis no cinema e sete no teatro. Seu novo processo de pesquisa já resultou em montagens, como “Valsa nº 6: uma experiência eletroacústica”, adaptação de texto de Nelson Rodrigues.
“Comecei a trabalhar com eletroacústica, o som junto à palavra. Eu tento uma sonoridade que também dê uma neutralidade ao texto para que as pessoas possam ouvir o texto e não tanto a atriz. Trabalho à mercê da palavra. É o livro falando. Eu sou só um objeto, faço a interlocução”, afirma ela, comemorando a dobradinha com o 4zero4. “É todo um conjunto. Sou eu , o texto e a música. Somos uma equipe, os músicos leem comigo, me acompanham na leitura”, afirma a atriz, voltando a enfa tizar que, neste espetáculo, o protagonista é o livro. “É a ele que a gente serve.”
Amor
De 21 a 23 de julho, às 20h, e 24 de julho, às 19h
Casa de Cultura da UFJF
(Av. Rio Branco 3.372)
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