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O centenário do Museu Mariano Procópio

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O Prédio Mariano Procópio permanece quase integralmente fechado para visitações desde a interdição para obras em 2008 (Foto: Vinícius Ribeiro/Mapro/Divulgação)
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O Museu Mariano Procópio chegará, na próxima quarta-feira (23), ao centenário. Embora tenha sido aberto à visitação em 1915, o equipamento foi oficialmente inaugurado por Alfredo Ferreira Lage (1865-1944) em 23 de junho de 1921 para homenagear os cem anos do nascimento do pai, Mariano Procópio Ferreira Lage. Entretanto, às vésperas da data marcante, o Museu Mariano Procópio está diante de um paradoxo. Ainda que o passado tenha muito a contar, o futuro é uma incógnita. De portas parcialmente fechadas nos últimos 13 anos para obras, o museu é a pauta de uma Mesa de Diálogo e Mediação de Conflitos instalada pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) para discutir uma reestruturação administrativa da fundação responsável por administrar o conjunto histórico e paisagístico doado por Alfredo Ferreira Lage ao Município em 1936. Enquanto esforços são reunidos para buscar alternativas, o Museu Mariano Procópio está cada vez mais alijado das conversas cotidianas e, sobretudo, do encantamento das novas gerações.

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O acervo do Mariano Procópio relacionado ao Brasil Império é apontado como o segundo mais importante do país – o primeiro é o do Museu Imperial de Petrópolis (RJ). “Uma particularidade do nosso acervo é que muitos dos nossos itens não tratam somente do Brasil Império, mas são diretamente ligados à família imperial”, destaca a historiadora da Fundação Museu Mariano Procópio (Mapro) Rosane Carmanini Ferraz. Ela e o historiador Sérgio Augusto Vicente relembraram à Tribuna, durante entrevista de cerca de uma hora, qual o acervo sob a guarda da Villa Ferreira Lage, o Castelinho, e do Prédio Mariano Procópio. “Os itens do nosso acervo ou pertenceram a membros da família imperial e foram adquiridos por leilões e outras ações de incorporação, ou são parte da rede de sociabilidade que se criou entre as famílias Ferreira Lage e Cavalcanti.” O acervo do Mariano Procópio é constituído majoritariamente pelas coleções particulares de Alfredo Ferreira Lage e da Viscondessa de Cavalcanti (1853-1946), prima de Alfredo.

Conforme Rosane, o acervo relacionado à família imperial reúne itens como móveis e objetos de uso na residência oficial, o Palácio São Cristóvão, no Rio de Janeiro, além de objetos pessoais. “Estes itens são a cadeira do beija-mão, de Dom João VI, e móveis que pertenceram ao Palácio São Cristóvão, além de outros muito emblemáticos, como os fardões de Dom Pedro II, que foram adquiridos por Alfredo Ferreira Lage, e a cauda (de um vestido) da Princesa Isabel. Consideramos que Alfredo era um monarquista em termos político-ideológicos. Ele tinha muito apreço por esse período do Império e pelos valores que envolvem esse período histórico.” Das coleções da família imperial, o que não foi vendido pelos republicanos em leilões depois que a família partiu para o exílio, normalmente ficou com os herdeiros, explica a historiadora. E eles, em alguns casos, tiveram a intenção de doar a coleção.

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Cartas
Para além do acervo tridimensional, há no Museu Mariano Procópio uma série de correspondências particulares da família imperial, bem como das famílias Ferreira Lage e Cavalcanti. “Há correspondências de vários personagens da história regional e também nacional, como o humanista católico Henrique José Hargreaves (ministro da Casa Civil do ex-presidente Itamar Franco). Mas as que mais chamam a atenção são as coleções da família imperial e das famílias Ferreira Lage e Cavalcanti”, pontua Sérgio Augusto. A coleção da família imperial, por exemplo, é composta por mais de 300 documentos. “Há cartas pessoais trocadas pela Princesa Isabel, correspondências enviadas por Dom Pedro I para a sua amante, Domitila de Castro Canto e Melo (Marquesa de Santos), cartas enviadas por Dom Pedro II quando criança ao pai, Dom Pedro I, em Portugal, e cartões das exéquias também de Dom Pedro II convidando as pessoas para o seu cerimonial fúnebre.”

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Dois livros da biblioteca do Museu Mariano Procópio ainda chamam a atenção de Sérgio Augusto. O primeiro é “Império do Brasil na Exposição Universal de 1873 em Viena d’Áustria”. “Dom Pedro II corrigiu esse relatório, muito preocupado em construir a imagem de uma nação civilizada e em processo de desenvolvimento para o mundo”, afirma o historiador. “Ele mesmo se incumbia de corrigir esses relatórios para que o mundo tivesse acesso às representações de uma nação em processo civilizatório e em processo de evolução científica e tecnológica.” A outra obra é “El licenciado torralba” (1888), do escritor espanhol Ramón Campoamor. “Dom Pedro II traduziu esse título a bordo do navio ‘Alagoas’, quando estava viajando para o exílio na Europa após a Proclamação da República, em 1889.”

‘O acervo é bastante eclético’

A tela “Tiradentes esquartejado”, de Pedro Américo de Figueiredo Melo, tem 2,7 metros de altura por 1,65 metro de largura (Foto: Mapro/Divulgação)

Mas o acervo do Museu Mariano Procópio não se resume aos itens relacionados à família imperial. “O acervo é bastante eclético”, pontua Rosane. “A gente costuma dizer que temos desde minerais, animais taxidermizados e coleção de borboletas até numismática, que é uma coleção muito grande de medalhas.” Ainda que a coleção particular de Alfredo Ferreira Lage não fosse sistematizada e organizada, o Museu Mariano Procópio distribui todo o acervo em seis divisões tipológicas, o que ajuda no trabalho de conservação. “Cada tipologia é organizada pela característica do material. Temos os seguintes setores: a reserva técnica, onde fica todo o acervo tridimensional, como objetos; o arquivo fotográfico; arquivo histórico; a biblioteca, que também reúne a hemeroteca, que são os jornais e os periódicos; e o setor de história natural, que é um muito específico, uma vez que a gente trabalha com muitos materiais orgânicos, como os animais taxidermizados.” São cerca de 53 mil objetos.

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O ecletismo estende-se à pinacoteca, a coleção de quadros de pintura, afirma Rosane. Há uma predominância de obras de pintores brasileiros e europeus do século XIX. “São quadros de pintores franceses – da conhecida Escola de Barbizon -, holandeses e espanhóis. E também há outras de pintores expressivos do Brasil Império”, como Ângelo Bigi (1891-1953), Hipólito Carón (1862-1892) e Pedro Américo de Figueiredo Melo (1843-1905), autor de “Tiradentes esquartejado”, dos principais itens do Museu Mariano Procópio. “É o mais requisitado para empréstimo a outros museus”, pontua Rosane. “Ao contrário do que muita gente pensa, ele está no Museu Mariano Procópio. Fica na nossa reserva técnica ou nos prédios históricos.” Mas o acervo também reúne pinturas do século XX, inclusive de artistas juiz-foranos, como Carlos Bracher, Dnar Rocha e Frederico Bracher. “A família era muito antenada em artes plásticas. Inclusive, eles tinham contatos pessoais com alguns dos artistas, até porque a pintora espanhola Maria Pardos era companheira do Alfredo Ferreira Lage.”

Um vasto ‘gabinete de curiosidades’

O vestido da mãe de Alfredo Ferreira Lage, Maria Amália, era um dos itens expostos na galeria homônima (Foto: Vinícius Ribeiro/Mapro/Divulgação)

Questionada sobre o porquê do ecletismo do Museu Mariano Procópio, Rosane Ferraz explica que a característica é intrínseca às coleções feitas entre o final do século XIX e o início do século XX. “Os pesquisadores chamam as coleções particulares deste período de gabinetes de curiosidades. É um pouco de tudo e de tudo um pouco”, pontua a historiadora. Conforme Rosane, mesmo assim há como perceber algumas preferências de Alfredo Ferreira Lage e da Viscondessa de Cavalcanti. “Pelo que pesquisamos, ao que parece, a Viscondessa, que era mais velha do que o Alfredo, teve uma ascendência sobre o gosto dele.” Embora o acervo do Museu Mariano Procópio seja constituído majoritariamente pelas coleções particulares das famílias Ferreira Lage e Cavalcanti, ao longo dos anos houve um movimento para que fossem incorporados itens relacionados diretamente a Juiz de Fora. “Na década de 1950 houve um esforço da então diretora Geralda Armond, por conta do centenário da cidade. Mas ainda mantemos o ecletismo do acervo.” Prima de Alfredo, Geralda foi preparada para sucedê-lo na direção do museu, cargo que ocupou entre 1944 e 1980.

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Rosane aponta certa confusão do público em relação à característica do Museu Mariano Procópio. “Por ser um museu municipal, ele conta a história da cidade? Não. Ele não foi concebido com essa proposta. O projeto do Alfredo Ferreira Lage não era transformar o Museu Mariano Procópio em um equipamento sobre Juiz de Fora. A ideia era criar um museu na cidade de Juiz de Fora. Até porque o acervo tem muitas obras da arte universal. É muito inspirado, por exemplo, em pintores franceses e holandeses.” No entanto, ela enxerga a diretriz adotada por Geralda Armond como uma intenção de se legitimar e de aproximar o Mariano Procópio dos juiz-foranos. “E da Prefeitura também, afinal de contas é a Prefeitura que administra e cuida do museu. A política adotada por Geralda foi a de incorporar, por exemplo, itens diretamente relacionados à história de Juiz de Fora, ou seja, de famílias, empresas, enfim.”

‘Um museu fechado é parte da história que a gente não conhece’

Estudantes visitam em 2018 a exposição “Esplendor das formas”, na Galeria Maria Amália, reaberta ao público em dezembro de 2016 (Foto: Vinícius Ribeiro/Mapro/Divulgação)

O acervo detalhado por Rosane e Sérgio Augusto é desconhecido pelas novas gerações, ao menos a olho nu, em visitas presenciais ao Museu Mariano Procópio. O equipamento está parcialmente fechado desde 2008 para obras. Antes das restrições sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19, a Galeria Maria Amália e a Villa Ferreira Lage estiveram abertas ao público. Ao passo que a galeria fora reaberta em agosto de 2016, a Villa havia voltado a receber visitas em janeiro de 2020. Contudo, o restante do Prédio Mariano Procópio, onde é sediada a Galeria Maria Amália, permanece fechado. Mas o funcionamento limitado impõe ao Museu Mariano Procópio não apenas uma discussão sobre o acesso ao equipamento. As demoradas obras alijam cada vez mais o Mariano Procópio das conversas cotidianas, dos círculos de convivência, dos encontros.

Os estudantes Guilherme Pacheco de Oliveira, Sabrina de Jesus Ferreira e Sophia Bispo, todos de 16 anos, nunca foram ao Museu Mariano Procópio. Sequer sabem, na verdade, a característica do acervo ou mesmo conhecem os itens lá dispostos. “Por que o Museu foi fechado afinal de contas?”, questiona Guilherme. Conforme o adolescente, só quando era um pouco mais novo escutou de uma professora que o comendador Mariano Procópio havia viabilizado a construção da Estrada União-Indústria. Sabrina, por outro lado, nunca ouviu falar sobre o Museu Mariano Procópio. “Os meus pais e avós nunca falaram de lá especificamente. Assim como eu, acho que nenhum deles também foi ao museu.”

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Guilherme e Sabrina, além de Sophia, são moradores do Bairro Retiro, Região Sudeste de Juiz de Fora. “A minha mãe e a minha avó já foram ao parque. Elas me contaram que na época tinha miquinhos e macacos. Lá de dentro mesmo, nunca ouvi falar muito não. Só vi algumas fotos”, ressalta Sophia. Ela se lembra que às vezes passa em frente ao espaço, já que o programa “Gente em primeiro lugar” promove atividades no Centro Cultural Dnar Rocha. Sophia já ouviu falar de um vestido que tem no acervo. “Um traje real, alguma coisa assim. Só isso (de que ouvi falar) que me lembre.” Mas Sabrina, não. “Nunca ouvi alguém falando algo. Sempre imagino um lugar bem chique, porque o nome é chique. Eu penso que deve ter uns quadros chiques, uns móveis chiques. Mas ninguém chegou pra mim e falou ‘tem isso, isso e isso lá dentro’.” A curiosidade de Guilherme, por sua vez, é saber se os itens do arquivo histórico e tridimensional são parecidos com os contemporâneos. “Não imagino que seja muito diferente, mas queria saber como é.”

Para Sophia, a sua geração perde conhecimento diante da atual situação do Museu Mariano Procópio. “A experiência de ter um lugar para ir, para visitar. A gente está perdendo um ponto turístico na cidade, que já não tem muita coisa. Um museu fechado é parte da história que a gente não conhece”, afirma ela, que admite gostar muito de conhecer a história do Brasil Colônia e do Brasil Império. Já Sabrina pontua que não há como saber exatamente o que há no acervo, por mais que seja descrito ou fotografado. “Estamos perdendo grande parte da história que está lá dentro, porque as pessoas não comentam nada justamente por ele estar fechado. Tem pessoas que nem sabem que ele existe.” Só o parque, mais nada, acrescentou Sophia.

Coletiva
A Tribuna questionou à Prefeitura de Juiz de Fora quais foram as intervenções já concluídas nos prédios Museu Mariano Procópio e Villa Ferreira Lage, quais estão sendo realizadas neste momento e se há previsão de que o equipamento seja integralmente reaberto. O Executivo apenas afirmou que promoverá, nesta segunda-feira (21), uma coletiva de imprensa, às 11h, para apresentar o resultado das discussões da Mesa de Diálogo e Mediação de Conflitos, bem como se manifestar a respeito das obras na fundação. Em andamento há cerca de dois meses, a Mesa de Diálogo, conforme apurou a Tribuna, teve os trabalhos encerrados nesta última semana sem um consenso sobre o novo modelo de seleção para o diretor do Mapro. Mesmo assim, a PJF deve encaminhar um projeto de lei à Câmara Municipal com os termos que mais aproximaram as partes de um consenso. Uma audiência pública na Casa será realizada na próxima quinta-feira (24), às 15h, para iniciar as discussões junto à população.

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