O evento exige a preparação e a resistência física quase de um esporte olímpico. Desafiar a gravidade em saltos altíssimos, manter a postura corporal em vestidos que, apesar de justos o suficiente para valorizarem as curvas, são delicadíssimos, com tecidos finos e cobertos por pedras preciosas em toda sua extensão. O Miss Brasil Gay não é uma disputa para despreparadas, cada ponto é disputado como os microssegundos de provas de velocidade. Nesta olimpíada da beleza, da resistência e da representatividade, quem subiu ao pódio com a faixa do título e a cobiçada coroa de Miss Brasil Gay 2019 foi a representante do estado de Pernambuco, Antonia Gutierrez.
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“É muito emocionante, um sonho que tenho desde os 17 anos, e é uma honra levar a voz deste evento tão importante e tão representativo cada vez mais longe”, diz a miss, que é cabeleireira e empresária e chegou a disputar o título no ano passado, representando a Bahia. O segundo lugar ficou para a belíssima Radha Vasconcellos, Miss São Paulo, que se destacou no desfile de gala, com um vestido arrojado e geométrico, com ombreiras elevadíssimas e triangulares e modelagem sereia, com pedras vermelhas distribuídas de forma minimalista e estratégica sobre o tecido que dava uma ilusão de nudez, criação da badalada Michelly X, pelo qual Radha ficou em primeiro lugar na categoria de gala. A Miss Mato Grosso, Jennifer Lizz, ficou em terceiro lugar, e todas as suas passagens pela passarela foram momentos marcantes. Por ser a primeira candidata surda do evento, a tradução para Libras, que já era um projeto da organização, foi fundamental. Mas a reação do público, que aplaudiu em silêncio, erguendo as mãos e balançando-as a cada vez que a miss cruzava a passarela, certamente entra para a história do concurso como uma das passagens mais tocantes e potentes. Aliás, todo o evento teve tradução em libras, audiodescrição e iniciativas para facilitar a mobilidade de pessoas com deficiências. O Miss Brasil Gay premiou também a Miss Simpatia, eleita pelas outras concorrentes, honraria que ficou com a Miss Roraima, Narrasha Delatorre. Já a Miss Júri Popular, escolhida pelo público por meio de votação on-line, foi a Miss Rio Grande do Sul, Camila Duarte.
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Antonia, a miss eleita chegou à 39ª edição do concurso pronta para arrebatar os jurados e o público, tendo levado, além da premiação principal, o primeiro lugar no traje típico, que, segundo a miss, representou as cores e a riqueza do povo pernambucano. O modelo foi confeccionado pelo artista pernambucano Eduardo Marques, premiado inclusive pelo melhor típico da edição de 2018. O look típico de Antonia, vencedor da categoria, foi feito com 15 mil pedras de cristal swarosvski, nas cores branco, vermelho, amarelo, azul e verde, e representava o caboclo de lança, figura folclórica do estado, ligado ao carnaval e ao maracatu rural. Na categoria de gala, ficou em terceiro, com um traje inspirado nos vitrais da Basílica Nossa Senhora Do Carmo, padroeira da cidade de Recife, bordado em seda pura com 55 arabescos feitos com 60 mil pedras de cristal swarosvski em furta cor, além de uma capa esvoaçante de organza de seda.
“A gente leva nossos sonhos e nossos engajamentos”
A noite teve, ainda, diversos shows e performances com artistas locais, que culminaram na esperada apresentação da diva pop Pabllo Vittar, um estrondo em todos os setores do público, que dançou e cantou junto. Em entrevista à Tribuna, a cantora e drag queen falou sobre a importância de ser nordestina, brasileira e LGBTQIA+ e ter alcançado a fama internacional. “A gente leva os nossos sonhos, os nossos engajamentos e também leva toda uma mensagem por trás do nosso trabalho (…) tem uma galera incrível aí também que precisa ouvir essa mensagem”, disse a artista.
‘Orgulho de representar Pernambuco’
O sotaque com o “r” carregado dá indícios da terra de origem de Antonia Gutierrez, ou melhor, do artista por trás da personagem, o cabeleireiro e empresário Antônio Trindade. “Sou gaúcho, natural de Uruguaiana, fronteira com a Argentina e o Uruguai. Mas vivo em Caruaru (PE), há mais de 11 anos, aqui é minha casa, sou apaixonado por este lugar. Representar o estado que me acolheu era um sonho, e isso transpareceu, muitas pessoas vieram me dizer que eu estava radiante”, diz o transformista, ainda emocionado, em entrevista à Tribuna. “Venho sonhando com isso há muito tempo, acompanho o Miss Gay desde a edição de 2012, em que venceu Bianca Snydder. Então minha paixão por esse universo de miss foi crescendo e pensei: agora preciso ir à luta e me organizar para isso”, conta.
Ao telefone, enquanto se produzia para um evento (em plena segunda pela manhã), a personagem Antonia ia novamente ganhando vida, enquanto dizia que a vitória vem de um esforço dividido. “Tenho um grande amigo e sócio Ivonaldo, com quem tenho um salão e que está me maquiando neste momento (risos). Ele é essencial na trajetória que me deu o título. Ele me apoia, me dá força, me encorajou a seguir meu sonho. Além de tudo, me produziu para a noite do Miss Gay, então literalmente a vitória é nossa. Sem ele, seria impossível. Além disso, nosso salão agora ganha uma grande chancela, né? (risos).” A nova miss pretende deixar o legado de um reinado muito atuante – palavras comprovadas pelos preparativos para uma solenidade menos de 48 horas após receber a coroa e pela agenda de compromissos que só deve permitir “um descansinho lá para semana que vem”. “Agora minha voz tem uma representatividade muito grande, e quero muito fazer o melhor uso dela possível. Começamos a ter mais espaço na mídia, e especialmente artistas como nós, transformistas, temos pouco apoio, veem nosso trabalho como futilidade. Hoje o Miss Gay representa também uma militância muito importante, para a comunidade LGBTQIA+ e para os artistas do transformismo especificamente”, pondera.
Depois de ter concorrido pela Bahia em 2018 e ficado entre as top cinco misses do concurso, a vitória este ano teve mais um quê de especial para a miss coroada. “O que mais me realiza é fazer parte da história de Chiquinho (Mota, idealizador do Miss Gay), uma história bonita, de luta e ele está presente na minha coroação, estar a seu lado é motivo de muita gratidão e felicidade, estou muito honrada e ciente da responsabilidade que isso traz.”
Preparativos para o futuro: seguir com estrelas nacionais e internacionais
Para o gestor do evento Michel Brucce, o atual formato do Miss Brasil Gay teve grande êxito, por muitos motivos. “Uma avaliação superpositiva é que neste ano pudemos ver que a iniciativa privada realmente está abrindo os olhos para abraçar a causa LGBTQIA+, reconhecendo a importância desta comunidade inclusive para seus negócios. Tivemos vários apoiadores e patrocinadores, a Ambev já manifestou a vontade de incluir o Miss em seu casting de eventos, por exemplo. Isso foi primordial para garantirmos o sucesso da edição do ano que vem”, opina o empresário. “Quanto ao público, podemos dizer que o Miss Brasil Gay entrou em uma nova era de eventos de porte, destacando-se no cenário nacional. Nossa transmissão ao vivo tem mais de 40 mil visualizações, e o público, que é exigente, teve várias opções de entretenimento: o desfile, os shows, as duas festas que rolaram durante o evento, todo mundo aproveitou”, analisa Brucce.
Segundo o empresário, o show de uma artista do calibre de Pabllo Vittar teve um peso importantíssimo para a glamorosa noite. “Primeiro porque foi um showzaço, levantou todo mundo. Vamos continuar nesta linha, de trazer grandes artistas LGBTQIA+ de renome da cena nacional ou até mesmo internacional. Havia uma preocupação de que o show pudesse ofuscar as estrelas da noite, as misses, mas elas mesmas aproveitaram, e a presença da Pabllo só trouxe mais legitimidade ao concurso”, destaca Michel.
Diretor artístico do Miss Brasil Gay há décadas, André Pavam também só viu aspectos positivos nesta configuração do evento. “Essa nova gestão, que o Michel representa, trouxe mais profissionalismo, estrutura, cuidou tão bem de tudo que é da parte executiva e de logística. Com isso, nós da criação ganhamos também, porque ficamos responsáveis somente pelo espetáculo, pela arte. E eu, como guardião do legado do Chiquinho, pude acompanhar ainda mais de perto esta parte, para que o maior evento gay do país não perca a essência de sua fundação. E o show de uma artista do quilate da Pabllo só dá mais legitimidade a isso. Continuar com grandes shows antes da coroação nas próximas edições certamente nos tornará ainda maiores”, diz André.
Outro ponto que o diretor artístico destaca é a elevação do nível das candidatas a cada ano. “As produções estão cada vez mais fantásticas, e acho que não só a melhoria do concurso nacional, mas das etapas nacionais, que elegem as misses de cada estado, contribui muito para isso. É um concurso de beleza, e vejo que as concorrentes estão cada vez mais ousadas e inovadoras, recriando a arte e se arriscando com novas propostas, sempre com muito bom gosto”, finaliza André.