Mamão, Carioca e Toinho Gomes levaram às ruas de Juiz de Fora em 2000 o samba “Do caminho novo à velha avenida” para puxar o Bloco do Beco. Era à época uma homenagem aos 150 anos da cidade. “Quem vê esse Caminho Novo/Não sabe o tempo que passou/Cresci abençoada pelo Redentor/Foi Santo Antônio o padroeiro que sempre me guiou.” Às vésperas justamente do Dia de Santo Antônio, no último domingo (13), o samba foi lançado nas plataformas digitais pelo cantor e compositor Carlos Fernando Cunha, 51 anos, mas como música de trabalho do EP “Vem pro samba”, a ser divulgado em 9 de julho. “Eu o considero um samba inédito, já que ainda não havia sido gravado”, pontua Carlos Fernando. “A letra é como se Juiz de Fora estivesse cantando em primeira pessoa.” O Bloco do Beco, cujo líder é justamente Mamão, é tombado pelo Município de Juiz de Fora – Lei 11.063/2006. E Mamão é o homenageado do próximo trabalho de Carlos Fernando.
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Mamão, ressalta Carlos Fernando, é um dos principais nomes da história do samba juiz-forano. “Ele vem em uma esteira de Alfredo e Armando (Ministrinho) Toschi, Djalma de Carvalho, Ernani Ciuffo etc. Juiz de Fora tem uma tradição muito forte no samba e o Mamão é um dos expoentes.” Em Juiz de Fora, o compositor de “Tristeza pé no chão” (1972), eternizado por Clara Nunes no ano seguinte no LP “Clara Nunes”, tem o devido reconhecimento, pontua Carlos Fernando. Mas a ideia do EP é levar a obra de Mamão por meio de plataformas digitais para além das fronteiras da cidade. “O Mamão conseguiu uma aparição em nível nacional e internacional com ‘Tristeza pé no chão’, mas foi praticamente o único sucesso nacional que ele conseguiu emplacar”, diz o cantor e compositor. “A obra de Mamão perpassa diversos estilos de samba. Tem sambas de partido-alto, sambas de bloco, sambas de enredo, além de samba-canção, aquele mais lento, como ‘Tristeza pé no chão’.”
A empreitada em busca de maior alcance para a obra de Mamão é incubada pelo projeto “Mamão digital”, contemplado pelo último edital da Lei Murilo Mendes. São três ações, detalha Carlos Fernando. “A primeira é a criação de um canal no YouTube, onde a gente possa colocar o material produzido nas duas outras ações. A segunda, por sua vez, é o lançamento do EP ‘Vem pro samba’. Já a terceira é um documentário, que vai reunir dez músicas que julgo as mais representativas da obra de Mamão. Não são necessariamente inéditas. Vamos gravar o Mamão cantando as músicas junto com um pequeno grupo musical. O objetivo é que ele conte a história da produção dessas canções, já que tem relações com episódios e com a história de Juiz de Fora.” Carlos Fernando apenas espera o quadro epidemiológico arrefecer para as gravações. Aliás, Mamão, 82, revelou à Tribuna que tomou a segunda dose da vacina na última quinta-feira (17).
Ainda que a pandemia tenha lhe limitado a ajudar, Mamão recebe a homenagem com muita alegria. “Te confesso que gosto de fazer samba por prazer. Pelo prazer não só de fazer, mas de participar de algo”, admite Armando Fernandes Aguiar. O projeto de Carlos Fernando, destaca Mamão, abre uma janela para outros compositores da velha guarda. “Estava conversando com um amigo outro dia: ‘A música continua sendo música, o samba continua sendo samba. O jeito de divulgar é que mudou.’ Hoje em dia, temos as redes sociais, as plataformas de música etc. Antigamente, era só rádio. Havia os LPs, depois os CDs, e, para divulgá-los, íamos para as rádios. É interessante para outros compositores se embrenharem por esse caminho.” Mamão assina cinco das seis músicas do EP, incluindo “Do caminho novo à velha avenida”. A outra, embora não seja composta por Mamão, é uma homenagem a ele. “É um samba que fiz em homenagem ao Mamão quando ele completou 80 anos”, afirma Carlos Fernando.
Além de passear por todos os estilos da obra de Mamão, o critério de seleção do repertório foi o ineditismo das músicas, explica Carlos Fernando. “Nenhuma das seis músicas foi gravada em disco. Não existem registros oficiais.” Carlos Fernando e Mamão ainda assinam uma música juntos: “Vem pro samba”, que dá nome ao EP. Conforme o homenageado, Carlos Fernando é o primeiro intérprete a lhe manifestar o desejo de gravar um trabalho apenas com suas composições. “A minha divulgação, anteriormente, era feita através das editoras do Rio de Janeiro. Já gravei com a Clara Nunes, a Alcione, a Teresa Cristina e o Luiz Ayrão. Essas músicas estão no catálogo Sony Music, que recebeu o arquivo da antiga Odeon.” Quem está no interior fica à mercê de todos esses mecanismos, afirma Mamão. “Agora, divulgar através das mídias de música a partir do apoio do Programa Murilo Mendes é muito importante.” O trabalho foi gravado no Estúdio MiniStereo, no Rio de Janeiro, e no Estúdio Sensorial Centro de Cultura, em Juiz de Fora.
Mas o EP não é somente uma homenagem a Mamão. É também a Walter Moura Garcia, o Carioca, eterno parceiro de Mamão – sempre disseram por aí que Mamão é Carioca, e Carioca, Mamão. Carioca morreu em 14 de maio, aos 78 anos, após um infarto fulminante. “Quando o trabalho foi elaborado, Carioca ainda estava vivo. Inclusive, ele não chegou a ouvir o disco antes de morrer. Eu cheguei a comentar com ele que gravaria ‘Do caminho novo à velha avenida’, que ele assina em parceria com Mamão e Toinho. Dedicamos a live de lançamento do single ao Carioca.” Durante anos, Mamão e Carioca fizeram músicas para o Bloco do Beco. “Cantamos juntos, compusemos juntos, fizemos rodas de samba, bebemos juntos e fizemos arruaça juntos. Carioca é quase um irmão. Não é só no EP que vamos lembrar dele. Sempre quando estivermos em uma roda de samba conversando, vamos lembrar de Carioca.”