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Funalfa não tem prazo para reinstalação de monumento tombado na Praça Antônio Carlos

MAURICIO RESGATANDO O PASSADO
MAURICIO RESGATANDO O PASSADO4
Arquitetura da praça era simétrica, com canteiros por toda a parte (Foto: Acervo Maurício Resgatando o Passado)
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“O estreito e entulhado largo da Alfândega é hoje a Praça Presidente Antônio Carlos, de plano regular, ajardinamento moderno e iluminação adequada.” Menelick de Carvalho, em 1935, escreveu o relatório apresentado ao governo do Estado sobre as feituras da Prefeitura de Juiz de Fora no ano anterior. Em uma das partes do livro, agora resguardado pelo Arquivo Central da Universidade Federal de Juiz de Fora, ele fala sobre as praças e os jardins: como era e o que era feito. Três páginas são o suficiente para trazer os detalhes da nova praça. Antes, o lugar era conhecido como Largo da Alfândega e tinha ali um córrego, o Independência, que precisou ser coberto para que um espaço de lazer e esporte fosse construído em ponto estratégico: próximo à fábrica Bernardo Mascarenhas, à Companhia Pantaleone Arcuri (responsável, inclusive, pela obra da praça), à Escola Normal e, claro, à própria Alfândega. “Com a inauguração da Praça Presidente Antônio Carlos preenche-se uma grande falta de que se ressentia a cidade, qual não possuir um ponto de concentração de maiores proporções”, segue o texto de Menelick.

A arquitetura da praça era simétrica, com canteiros por toda a parte. O projeto mostrava como seria essa proporção. E, bem próximo à fábrica idealizada por Bernardo Mascarenhas e seus irmãos, tinha como se fosse um círculo projetado para abrigar um monumento. O pedestal consta no projeto. No entanto, não aparecia quem seria o homenageado. Três anos depois, a Câmara Municipal aprovou um projeto do advogado Ribeiro de Sá para que fosse construído um monumento em homenagem a Bernardo Mascarenhas. No livro “Juiz de Fora – Comentários sôbre Administrações do Município”, também parte do acervo do Arquivo Central, escrito por ele em 1969, sobre a época entre 1936 e 1950, ele justifica o monumento afirmando que foi por causa de Mascarenhas que se deu o desenvolvimento da cidade, que, na época, passou a ser conhecida como “Manchester mineira”.

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Quatro anos depois da inauguração da praça, em 31 de maio de 1938, exatamente quando Juiz de Fora completava 88 anos e a fábrica, 50, o monumento foi inaugurado. A Gazeta Comercial fez um suplemento comemorativo sobre o Dia do Soldado e da Semana da Pátria, em 1950, e, sobre o monumento a Bernardo Mascarenhas, disse: “Constituído por um busto de bronze sobre um artístico pedestal de granito. Encontra-se no pedestal duas figuras de bronze: uma de mulher, representando uma alegoria à indústria e a outra de homem, significando uma alegoria ao trabalho. Esculpido por Corrêa Lima”. Esse escultor, na época, era considerado um dos maiores do Brasil. “A inauguração do monumento, na época, foi uma pompa”, afirma Ícaro Assini, historiador que, em seu mestrado, pesquisa exatamente o monumento.

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O texto de 1950 ainda trás a ideia de que as duas figuras se tratavam de alegorias. No entanto, hoje em dia, já se pode entender que elas não são exatamente isso. São, na verdade, estátuas de trabalhadores, como aponta Ícaro. “Não são alegorias. E há ainda quem imagine que a figura masculina seja um escravo, mas não é. Porque, quando pega a história da arte, têm algumas construções de imagem para representar uma pessoa escravizada. Mas o homem está de sapatos. Então, são trabalhadores industriais.” A ideia do monumento, mais que contar a história do Mascarenhas e seus feitos, é apontar para uma época que conta sobre um período histórico de destaque em Juiz de Fora. Ainda que essa construção de sua imagem possa passar por uma série de questionamentos.

Projeto de uma praça e ajardinamento no Largo da Alfândega (Foto: Arquivo Central UFJF)

A praça acompanha o desenvolvimento da cidade

Fato é que, em cada tempo histórico, olha-se tanto para os espaços públicos quanto para as artes com um olhar diferente. A própria Praça Antônio Carlos foi mudando sua função desde sua inauguração. “A praça vai mudando seus significados com o passar do tempo. Quando ela foi inaugurada, a intenção era mais para o passeio, os locais considerados arejados, tinham jardins planejados, canteiros, bancos”, afirma Ícaro. E tudo isso com uma atração quase que única: o monumento do Mascarenhas. Todos os canteiros e espaços davam nesse “centro”, com sua imagem. “Os monumentos geralmente, são inseridos em contextos de reformas urbanas, na construção de praças, para tornar o lugar mais bonito e, então, inaugurar o monumento. Eles são peças de destaque.”

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A praça passou por cerca de quatro reformas. “Na década de 1930, Juiz de Fora estava em um ritmo de crescimento diferente do que a gente encontra hoje. Essas reformas anteriores foram feitas para abrir o trânsito. A primeira reforma maior que teve cortou um trecho da praça para abrir a Independência e fazer uma junção com a Getúlio. Era um momento de crescimento do trânsito com os veículos. E isso vai reordenando o espaço. O monumento e a praça acabam sendo engolidos pela abertura de vias.” Em um outro momento, a própria fábrica teve seu espaço diminuído para aumentar o tamanho da praça. No que se refere à significação do espaço, um palco e a pista de skate foram construídos também no lugar e os bancos já não eram tão abundantes como antes. “Isso se justifica porque outros grupos sociais passaram a ocupar a praça. As mudanças da praça são reflexo da mudança da cidade.”

Após revitalização, Praça Antônio Carlos é reaberta em Juiz de Fora

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O que houve com o monumento a Bernardo Mascarenhas?

O busto de Bernardo Mascarenhas ao centro e as duas figuras de bronze: à esquerda, o trabalho; à direita, a indústria (Foto: Arquivo TM)

O papel e o lugar dos monumentos

Em todas as reinaugurações da praça, o monumento a Bernardo Mascarenhas esteve no mesmo lugar. Parece, pelas fotos, que ele muda de posição. Mas é exatamente a mudança de configuração da praça que faz parecer isso. Isso porque seu lugar ali é estratégico: “A Praça Antônio Carlos não foi escolhida à toa para esse monumento. Ele dá as boas vindas à fábrica e fica próximo da Cemig, fundada por ele também. É um meio disso tudo. Tem a Pantaleone Arcuri, que foi pioneira na industrialização de Juiz de Fora, tem a Escola Normal, já se inserindo em uma lógica pedagógica, de ensino. Ou seja, aponta para a valorização do trabalho, da educação e do industrial”, reforça Ícaro.

O monumento já passou por processos de revitalizações com o intuito de preservar seu estado. Mas ali, em seu lugar. No entanto, em novembro de 2020, uma queda de árvore o destruiu parcialmente, e ele precisou ser retirado para ser recomposto. Como seu bronze é resistente, as peças não foram danificadas: só se romperam. Até agora, ele ainda não voltou à praça. É a primeira vez que uma reinauguração é feita sem o monumento. E, além disso, atualmente, quando se passa por ela percebe-se que seu lugar foi alterado. Sua base está instalada próxima à entrada da Biblioteca Municipal Murilo Mendes.

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Em nota, a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) informou que está em “processo de busca de parceiros para viabilizar o restauro do monumento a Bernardo Mascarenhas, parcialmente destruído pela queda de uma árvore, em novembro de 2020”, mas não deu previsão para a nova instalação do bem, que é tombado pelo Município. A Funalfa não informou sobre o estado atual do monumento e não respondeu sobre a mudança de localização na praça, questionamentos que foram feitos pela Tribuna. A Fundação se limitou a dizer, no texto, que “a base da estrutura, em granito, já encontra-se instalada próximo à entrada da Biblioteca Municipal Murilo Mendes”, o que indica que o monumento deve ficar instalado naquele local.

Ícaro foi influenciado a estudar os monumentos públicos depois do incêndio ao monumento a Borba Gato, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Com isso, o mundo passou a discutir o que deve ser feito com monumentos e homenagens que trazem como foco homens com passado de exploração. O estrago ao de Mascarenhas foi bem próximo a isso, por mais que os fatores tenham sido naturais. Se analisar a composição da imagem do monumento, uma série de questões podem ser levantadas. “O monumento traz os trabalhadores como passivos na obra, esconde as lutas dos trabalhadores e as contradições da época.” Sabe-se, ainda, que a riqueza de Mascarenhas provém de um histórico de trabalho escravo em sua família e, na própria fábrica, havia exploração.

Ainda assim, Ícaro defende que o monumento deve retornar à praça mais próximo ao original. “Tanto pelo valor histórico quanto pelo valor artístico”, defende. Em contrapartida, além de trazer de volta a imagem de Mascarenhas, ele propõe a criação de outras novas artes, no mesmo espaço, para contar a história do hoje. “Eu acho que investir em uma arte pública que coloque uma contranarrativa nisso é um caminho interessante. A gente tem que resgatar a importância da arte pública, precisa valorizar os artistas contemporâneos que consigam realizar nossos pensamentos de hoje na rua. Quais são nossas questões atuais?”

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