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Literatura japonesa: ‘Morte em pleno verão’ chega ao Brasil com contos sublimes

Morte em pleno verao
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O livro “Morte em pleno verão” foi lançado em 1953. O autor, Yukio Mishima, é um dos nos nomes mais importantes da literatura japonesa, e a obra mostra o motivo disso: são 10 contos sublimes, com perspectivas bem diferentes e que tensionam o gênero das narrativas curtas. Apesar de contarem com elementos muito variados, os contos deixam o inusitado e o cruel irromperem no cotidiano, enquanto se aprofundam pela cultura nipônica e trazem profundidade aos seus personagens. Algumas das maiores obsessões do autor, como o universo das gueixas, o teatro e o universo do Japão tradicional aparecem ao longo dos contos. A obra teve tradução direta pela primeira vez no Brasil esta semana, pela Companhia das Letras, com o trabalho de Andrei Cunha. 

“Morte em pleno verão”, conto que dá título ao livro, já traz imediatamente a atmosfera que o livro encarna – de que algo está sempre prestes a acontecer, nos cenários mais inimagináveis. Nessa narrativa, enquanto uma mulher dorme em um resort de praia, a irmã de seu marido e dois dos seus três filhos morrem. As duas crianças se afogam no mar, aparentemente, tranquilo, e ao perceber a desatenção, a tia tem um infarto e cai na areia. O conto acompanha o momento em que a personagem Tomoko é acordada por funcionários do hotel e precisa lidar com aquela realidade – descobrindo, aos poucos, que sua vida está se desfazendo, procurando os corpos, precisando contar para o marido que nem está na cidade. Em seguida, os leitores vão acompanhando como ela precisa lidar com esse luto e como os acontecimentos fizeram com que até a estação do ano, considerada como a mais vibrante e alegre, ficasse sombria, já que os rastros deixados  foram de destruição total. O filho que fica e o futuro em aberto, que é refletido no final do conto, também contribuem para uma narrativa surpreendente.

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Já nos contos “o biscoito de um milhão de ienes” e “a garrafa mágica”, temas que pareciam secundários vão tomando força, até que, com ares de mistério, vêm à tona com força, gerando desfechos bem surpreendentes. No primeiro caso, por exemplo, um casal faz contas apertadas para conseguir realizar todos os seus sonhos, como ter uma casa própria e conseguir ter filhos, mas isso esconde, a princípio, o quê exatamente estão fazendo para acumular esse dinheiro. Já na segunda narrativa, um homem recebe cartas de sua esposa, enquanto se encontra com outra mulher, e percebe que os filhos únicos das duas têm algo em comum – um medo estranho de garrafas térmicas – que revela muito mais do que isso.

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Já em “Patriotismo”, dois jovens recém-casados cometem morte por seppuku, um suicídio extremamente doloroso e que era feito por guerreiros japoneses em um ritual que buscava preservar a dignidade. O autor narra com detalhes tudo que sucede esse momento de morte – inclusive a imagem do casal belo, que não imaginava que chegaria a esse ponto, e a crença em valores antigos e tradicionais. Em “Papel-jornal”, conto que encerra o livro, um casal é surpreendido pela babá do filho entrando em trabalho de parto no meio da sala. O desprezo do homem pelo recém-nascido e o cuidado inútil da mulher em tentar preservar o bebê em algo melhor do que o papel fazem com que temas de classe surjam com perspicácia.

Conheça o escritor Yukio Mishima

Yukio Mishima foi um dos escritores japoneses mais conhecidos e celebrados, com uma vasta produção em literatura. Seu nome é o pseudônimo de Kimitake Hiraoka, e foi adotado desde que ele começou a escrever, ainda na adolescência. O autor é tido como um mestre dos contos, gênero em que mais se exercitou e no qual trabalhou para tensionar seus limites. Também foi um dos autores pioneiros a falar sobre transexualidade e homossexualidade na literatura.

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O autor chegou a ser indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, mas nunca ganhou, inclusive por estar envolvido com polêmicas. Era totalmente paradoxo, nesse sentido: apesar de tão inovador, também era um grande defensor do “Japão tradicional” e do regime feudal, um ultranacionalista. Além disso, o próprio autor cometeu o ato de seppuku descrito no livro,  aos 45 anos.

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