Eurídice Figueiredo lança, nesta quarta-feira (11), o livro “Mulheres contra a ditadura: escrever é (também) uma forma de resistência”, que traz um panorama das obras de ficção e não ficção publicadas depois de 1970. A pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) vai abrir o II Encontro de Autoria Feminina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a partir das 20h, no Auditório da Faculdade de Letras.
Já são mais de dez anos pesquisando a literatura como arquivo da ditadura militar brasileira e, foi assim, que surgiu a percepção de que as mulheres passaram a ter um olhar diferenciado para o que foi o período, inclusive, por meio da vivência de seus corpos. A intensa leva de romances de escritoras jovens que tematizam a ditadura, sinaliza que a memória continua a fazer seu trabalho no Brasil.
Durante a pandemia da Covid-19, Eurídice se dedicou a ler os mais de 90 livros de relatos e romances sobre a ditadura escritos sobre mulheres, tentando entender de onde partiam e como organizá-los. “Em 2020, li vários romances de escritoras jovens, e comecei a me dar conta de que havia algumas mudanças interessantes em relação ao que havia sido escritora até agora”, relembra. Foi assim que surgiu a primeira concepção do livro, que está sendo publicado pela Zouk.
O que percebeu, naquele momento, era uma perspectiva bastante diferente do que os homens e, até os filhos homens, tinham sobre o período. “Me impactou a maneira com que tratavam os corpos das mulheres nas prisões e nas militâncias. Um dos primeiros romances que achei muito impactante foi ‘O corpo interminável’, de Claudia Lage”, conta. Na obra, outras escritoras contemporâneas, como Tatiana Salem Levy, Micheliny Verunschk, Adriana Lisboa e Carola Saavedra são trazidas.
A partir disso, o livro foi dividido em duas partes pela pesquisadora. Na primeira, “Memória e História”, é feita uma reflexão sobre o dever da memória e um breve percurso da militância feminina e da repressão, com depoimentos das mulheres reais colhidos em livros de pesquisadores de várias áreas. Essa primeira parte traz relatos mais testemunhais, o que a própria autora entende que pode aparecer de outras formas na ficção – foco da segunda parte. “Nada é muito dicotômico, de um lado só os relatos testemunhais e do outro lado só ficção. Quando a gente pesquisa sobre a vida das autoras, vemos que muito do que é ficcionalizado também foi vivido”. Por isso, na segunda parte, “A ditadura pelo viés da ficção”, é feito o mapeamento dessa produção em romances.
O recorte temporal é justificado pelo que se produziu de diferentes perspectivas. “As jovens escritoras nascidas depois de 1970, que não viveram a ditadura ou foram afetadas diretamente, têm um distanciamento maior em relação ao que foi efetivamente vivido na minha geração, que era adulta na época”, avalia. Por isso, nessa segunda parte do livro, são abordados temas como a escrita memorialística, a transmissão do trauma na família, a experiência do exílio, as interações com as ditaduras do Cone Sul, a guerrilha do Araguaia, a invasão de terras e o genocídio indígena.
Olhar para o corpo das mulheres
“Antes, a gente não via relatos de estupro na prisão, parto ou aborto durante a ditadura. Foram as mulheres que começaram a falar sobre isso”, afirma Eurídice. Essa percepção do que elas estavam trazendo para a literatura fez com que a autora buscasse contribuir com a organização das obras e um pensamento crítico sobre elas, articulando, ainda, pesquisas sobre a participação das mulheres na memória coletiva e sobre as possíveis contribuições da escrita literária para indicar novos caminhos para o país.
A partir dessas reflexões, o livro busca examinar a especificidade da militância das mulheres, envolvendo os preconceitos que enfrentaram e a violência de gênero na repressão. Também aborda o silenciamento das ex-militantes e sua superação, quando começam a escrever, por conta própria, seus relatos e romances autobiográficos sobre os acontecimentos vividos.
Outros temas centrais abordados são a maneira como mulheres jovens foram afetadas pela repressão sofrida por seus pais ou outros familiares e a produção literária de mulheres que não têm vínculo com vítimas da ditadura, mas que escrevem a partir do trauma coletivo e histórico do qual também fazem parte. “Escrever é um ato de resistência e a força da escrita poética reside no seu caráter transgressivo. Às vezes, é preciso chocar para abalar os alicerces da inércia e do conservadorismo”, define a autora.