Amélia do Carmo vai lançar no sábado (12) seu primeiro livro, “Breve viagem ao mercado”, pela Editora Patuá. A obra reúne poemas e pequenas ilustrações da autora, que é também vocalista da banda Varanda e influenciadora de receitas culinárias, em um processo que define como “grande diário de como amadurecer entre essas listinhas de compra”. Com tom auto-irônico, cheio de experimentalismo com a linguagem e cuidado com os alimentos, a escritora se aproxima das crônicas para refletir sobre seu último ano e seu futuro. Bem no dia que acaba o desenvolvimento de seu córtex pré-frontal, seu aniversário de 25 anos, também lança a obra na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e pode dividir mais sobre suas “piras” com os leitores. O livro está em pré-venda no site da editora.
A ideia de escrever um livro já era antiga, mas para “Breve viagem ao mercado” chegar na forma em que está, ela explica que foi preciso pensar em um formato e como dar continuidade aos seus assuntos de interesse. “Não era uma tarefa que estava me obrigando, sabe? Mas que ficava na minha cabeça, matutando. E foi um ano que me fez pensar sobre o futuro, a carreira e o relacionamento. Acho que isso fez aflorar, naturalmente, essa coisa de olhar em volta, ficar observando e querer construir algo, alguma linha entre tudo que eu estava vendo e sentindo”, conta. A missão, então, era tentar traduzir esse sentimento específico que tinha nas idas e voltas ao mercado.
Foi a partir desse olhar que entendeu o que conectava todas essas histórias. Um conto de Clarice Lispector, que faz parte da epígrafe do livro, também ajudou a entender como a sua relação com a comida, tão próxima, apareceria dessa vez – em um misto de encantamento e nojo. “Quando comecei a pensar mais sobre isso e construir um projeto, passei até a gostar de ir mais [ao mercado]. Em pensar o que ia ver no caminho, abrir meus olhos pro que estava acontecendo na minha volta. Foi um exercício legal, essa vontade de tentar transformar o cotidiano. É muito fácil andar desligado e se entregar à rotina”, reflete.
Apesar de ser um livro que se aproxima muito de ingredientes e dessas idas ao mercado, não é só sobre isso. Como coloca em versos, “escrever sobre o amor/ é mais difícil que dizer que as couves-flores estão podres”. “Usar esse tema para falar sobre outras coisas me ajuda a atingir outro estágio para falar sobre outras questões. São algumas inquietações e ansiedades”, conta.
Para ela, há uma espécie de degradê no livro, que começa mais pessimista e “meio reclamão das coisas”, mas vai atingindo uma clareza de que está tudo bem (inclusive ao ter decepções com tomates feios e couves furadas). O mais desafiador, no entanto, foi achar a forma certa para fazer isso, diante das possibilidades variadas que gosta de ter. “Você pode fazer um poema sobre qualquer coisa, a forma que você escreve é que conta muito. Então pirei muito nisso, no que usar para substituir determinada palavra, o que podia ser mais sonoro, como fazer os poemas funcionarem em voz alta. A parte de lapidar foi a mais difícil.”
Amadurecimento, legumes e capslock
Em diálogo com a editora Patuá, um dos primeiros pedidos de Amélia do Carmo foi também assinar a capa, para a qual ela fez uma pintura de uma mulher com uma sacola. Dentro do livro há, como ela chama, “rabiscos” que ajudam a complementar a história. Mas é, essencialmente, um livro escrito, que usa esses recursos de modo complementar para abordar o aparecimento de uma forma que considera coesa. Sua formação no Bacharelado de Artes ajudou nesse processo.
“Por eu pensar bastante nessa coisa visual, acho que a forma passa muito por isso, como estou enxergando de cara o poema, se é curto, se é longo, se é separado. São muitas possibilidades de divisões de versos. São fontes grandes, pequenas, que criam um outro jeito de ler também. É a minha licença poética.”
A vontade de dar vazão à quantidade de coisa que acontece na sua cabeça foi o principal jeito. “É algo com que estamos lidando diariamente. É uma época em que a gente é metade adolescente, metade adulto, estamos amadurecendo todo dia. Estamos tentando entender o quão patético a gente é, e o quão otários podemos ser”, diz. E brinca com isso, trazendo esse humor e não se levando tão a sério. “Nessa coisa de fazer arte, às vezes você se sente um pouco bobo,’ pra que eu tô falando isso, pra que eu tô fazendo isso? Que vergonha’. Esse tipo de brincadeira é pra mostrar que tô falando sério, mas pra mostrar que também não é tão sério assim. Acho que é algo pra resguardar essa honestidade, mas também, não se comprometer tanto com isso”, analisa.
Escrita como linguagem constante
Com influências claras do mundo da música e do cinema, ela entende que é natural trazer essa diversidade de referências para a linguagem que quer desenvolver – e que é mesmo interdisciplinar. Mas, para ela, tudo nasce da escrita: “É por onde eu sempre começo, é a constante desse monte de mistura”, diz. Inclusive para falar de temas variados, é assim que começa, mesmo que se deixe invadir por imagens tão visuais e sinestésicas: “a queda do estrogênio; pôde-se/ com tanto louvor ralar os joelhos; trincar os dentes; a coisa mais selvagem são as crianças que temos deixe logo que caiam deixe seu quadril bem pesado deixe de entender o porquê das rodas gigantes”, aparece em um dos trechos.
Em uma das ilustrações finais do livro, um coração cercado das palavras “Não custa tentar” aparece e, para a autora, simboliza essa vontade de querer continuar explorando essa linguagem. “Não custa tentar escrever um livro, escrever sobre o amor nesse viés e arranjar formas de dar nome às coisas. É um exercício de tentar mesmo. Estive tentando e, no próximo, vou tentar mais ainda.”
Extrato de Amélia do Carmo
O livro de Amélia está repleto de sabores: em sua visão, é um “extrato” de si mesma, na seção 2023 e 2024. É como em um dos poemas, no qual ela olha pra si mesma enquanto também continua essa lista de compras: “a preocupação de olhar para os lados correndo milhares de riscos/ por três latas de tomates/ me pergunto o porquê dos espelhos/ o porquê de precisar olhar os espelhos/ o porquê de mudar o ângulo dos espelhos/ a vida volta aos trilhos e você sem sair do transe”, escreve. Para ela, esse primeiro trabalho simboliza não só esse momento de sua vida, mas também abre um diálogo para o que ainda vai vir. “Todas as outras coisas que eu produzir na literatura, depois, vão se referenciar sempre a esse primeiro trabalho. É um marco. O que eu escolhi apresentar primeiro, é isso, então vou sempre prestar essa conta, ter essa cápsula do tempo que vai ficar”, reflete.