Walter Sebastião, na tentativa de resumir sua história em uma sorte, diz: “Tive a vida inteira, de ponta a ponta, ligada às coisas da cultura. Eu não fiz nada na minha vida além disso”. O juiz-forano encontrou nas artes plásticas uma forma de desaguar o que via e imaginava. Já no jornalismo, trabalhou, tanto na Tribuna quanto no Estado de Minas, exatamente em cadernos de cultura: transformava, então, em palavras o que via e ouvia, inclusive, em momentos efervescentes, tendo participação ativa em episódios importantes na cidade como o movimento “Mascarenhas, meu amor” e escrevendo a euforia que foi as edições do Festival de Rock por aqui. A poesia viria a seguir, ainda como tradução de seu tempo.
Ele simplesmente resume que se pode dizer que foi um “animador cultural”: estava sempre na rua, acompanhando de perto o desenrolar dos casos como um porta-voz cultural, e ele sabia e gostava, afinal, nunca foi um esforço. “Eu gostava da agitação social, o que a gente chama de movimento social, que eu acho que é uma coisa revigorante. Talvez, hoje, eu acho que eu sou um animador cultural, um entusiasta.” Hoje, já longe das redações, Walter Sebastião se dedica a ser artista: deposita seu tempo em Bichinho, onde atualmente reside, a observar as transformações e fazer disso uma arte em forma de imagem ou texto. Um apanhado de sua produção dos últimos dez anos pode ser vista na exposição que será inaugurada nesta quinta-feira (7), a partir das 19h, na Galeria RH (Estrada Engenheiro Gentil Forn 1805, segundo piso – Morro do Cristo). No mesmo dia, ele lança seu terceiro livro de poesias, “Errante grafia”. A mostra “Avistamentos” fica disponível no espaço até o dia 30 de março, e as visitações acontecem de segunda a sexta, das 13h às 19h, e aos sábados, das 9h às 13h.
Em “Errante grafia”, Walter Sebastião agradece à sua irmã Gilda Maria por ter despertado nele esse amor à arte, essa coisa que cultiva desde sempre. Reconhecer isso é lembrar também de todo começo: uma casa rodeada por livros, músicas e gibis. Aos 16 anos, no início dos anos 1970, ele fez um curso de História da Arte, durante um Festival de Inverno da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e foi isso que, de fato, o fez mergulhar nas artes plásticas, de forma autodidata. Seu trabalho foi exposto, pela primeira vez, no Salão de Arte da Prefeitura de Juiz de Fora, em 1972. Ele ainda defende: “Acho que o curso de História da Arte é para adolescente. Não é nem para ficar culto, é porque você precisa disso para viver”.
Ele nunca parou de produzir. Enveredando-se nas artes, pensou até em cursar História. Mas, influenciado pelos seus amigos, acabou ingressando na Faculdade de Comunicação da UFJF. A faculdade foi toda encaminhada de forma a se aprofundar ainda mais na cultura. “Sempre fiquei enfiado na área cultural. Na minha época, o repórter começa na área policial, mas eu não queria isso. Acabou que, na Tribuna, surgiu um caderno de Cultura e, como todo mundo sabia que eu estava no meio da arte, eu entrei no jornal”. Já em 1978, saiu seu primeiro livro de poesias, “Exercícios de tiro ao alvo”, e, em 1983, o ” Um peixe rasura a transparência do aquário”. Mas, além deles, já participou de outras edições coletivas, sobretudo de poesia.
Walter Sebastião dentro da efervescência cultural
Quando se fala de efervescência cultural, principalmente nos anos 1980, não é à toa. E, realmente, como Walter Sebastião conta, aquele ambiente era fértil: era como olhar para o lado e ver motivo para sempre fazer. Ele tinha um ateliê em casa que reunia muito de seus amigos, o que ajudava nessa produção contínua. “Artistas plásticos e escritores formam uma ligação muito fértil. E eu sou bilíngue”. Sobre o momento que vivia a cidade naquele tempo, diz: “A gente falava muito em fazer. Eu não sei de onde tirava energia para fazer tantas coisas”. Cita ainda o nome de Petrillo, produtor que criou o Festival de Rock de Juiz de Fora, como, de fato, a pessoa que fazia acontecer. E, na poesia, para ele, pessoa semelhante foi José Henrique da Cruz, sua “peça chave”. “No fundo não é difícil ter ideias do que fazer, o difícil é ter as pessoas para fazer isso”, completa.
E se fez muito naquele tempo. Olhando o Caderno Dois da Tribuna, Walter Sebastião assina grande parte do conteúdo, que trazia tanto o que ia acontecer quanto o que, realmente, aconteceu. Algumas coisas, inclusive o próprio Festival de Rock ou o movimento “Mascarenhas, meu amor” poderiam parecer utópicas. “Mas, com isso tudo, eu aprendi que o repórter trabalha sempre a véspera do utópico. Tem um slogan que os estudantes falavam na época, que é: ‘seja realista, exija o impossível’.” E acompanhar tudo isso era preciso. “Era como a extensão natural da gente”, explica.
Uma exposição com o que é excluído
É preciso trazer todo esse panorama para dar a dimensão de tudo o que viu e viveu Walter Sebastião. Não é à toa que a exposição se chama “Avistamentos”, palavra que significa “até onde a vista alcança”. “Tudo o que as pessoas eliminam nas imagens, ranhura, rasuras, erros, esboços, manchas – tudo o que era excluído da imagem final, eu trouxe de volta. Quando eu digo avistamentos, quem analisa as obras, vê ainda mais coisas: até onde a vista alcança, exatamente.”
A curadoria foi feita por Ronald Polito, que, como conta o artista, ficou à vontade para escolher as obras que levaria. “Ele trouxe coisas que eu nem imaginava em trazer.” Além delas, entrou ainda a série “Topografias” que, da mesma forma, dão margem para imaginar, inclusive, além do que a vista alcança. “É uma experiência muito importante para mim e que está me deixando muito feliz”, confessa, lembrando que há tempos não expõe, por ter se dedicado ao “Errante grafia”. Na exposição, ainda deu jeito de incluir um pouco do que viu nesse tempo. Por entre as telas, uma colagem apresenta a fachada do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. “Eu queria fazer uma coisa afetuosa para Juiz de Fora: em tempos ruins, lembre-se do Mascarenhas. Que ela seja sempre uma lição para defender a cultura e entender que a arte da cidade é importante.”
Sobre “Errante grafia”
Já sobre o livro, conta que seis meses foram voltados especialmente para ele. “Foi uma experiência adorável ter esse tempo, acordar de manhã calminho. Sentar, se dedicar, e organizar. Eu queria trazer radicalmente a poesia para o nosso tempo. Tem desde coisas festivas, amores, até coisas que eu acho inaceitáveis: feminicídio, racismo e LGBTfobia. O livro é frontal nesse sentido, de posicionamento. Eu queria também falar de amor, poemas políticos mesmo, eu queria pensar um pouco Juiz de Fora, mas não de forma abstrata, como já fiz”, antecipa.
Um pedido pelas artes plásticas
Apesar do amor pela cidade, confessa que não tem vontade de voltar a morar em Juiz de Fora, inclusive por estar perto o suficiente. No entanto, faz como um pedido, no final da entrevista: “A médio ou a longo prazo, está posto a criação de um museu contemporâneo de arte que dê conta de tudo aquilo que não cabe nem no Museu Mariano Procópio nem no Museu de Arte Murilo Mendes. É preciso fazer uma discussão nesse sentido e começar a pensar nessa construção. A cidade tem artes plásticas. Não é museu de arte contemporânea, para não ficar preso a um estilo. É o museu que é contemporâneo. Como a vida contemporânea vai entrar no museu? Não acho que tem que ter pressa, mas é uma discussão bem legal. Apresento um duplo desafio: aumentar as galerias de arte, e não precisa ser de luxo, pode ser simples. Pequena, grande – para todo mundo. E, no plano de fundo, um novo museu contemporâneo de arte”.