Após aproximadamente dois anos e meio, a restauração da Villa Iracema, o casarão histórico de número 651 da Rua Espírito Santo, está a pormenores de ser finalizada. A informação foi confirmada à Tribuna pelo Instituto Oncológico – Hospital 9 de Julho, proprietário do exemplar de art nouveau erguido pela Construtora Pantaleone Arcuri a pedido de Olympia Peixoto em 1914. Os tapumes que escondiam a obra foram retirados na última segunda-feira (1º). Ao menos desde 1999, a volumetria e a fachada externa, bem como os elementos decorativos da Villa Iracema, são tombados pelo Município enquanto patrimônio histórico cultural – Decreto 6.505.
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A carioca Flávia Duque-Estrada, residente de Juiz de Fora há três anos, foi a responsável pela restauração da Villa Iracema. Como conta à Tribuna, a princípio, realizaria apenas as prospecções estratigráficas, ou seja, o processo que revela a cor original de qualquer bem restaurado. O imóvel tinha 12 camadas de sobrepintura, detalha. “A estratigrafia é retirar camada por camada das intervenções até chegar à original. O processo é todo feito com bisturi. E, quando falo em sobrepintura, não é apenas camada de pintura. Às vezes, tem argamassa, massa corrida etc”, explica. “A prospecção estratigráfica foi feita nas paredes, nos ornatos e nos batentes de portas.” Depois, a partir de catálogos de tinta atuais, Flávia buscou a cor mais semelhante àquela original.
Após a prospecção, no entanto, a coordenadora de Obras do Instituto Oncológico, Renata Januzzi, convidou Flávia para assumir a restauração da Villa Iracema, convite prontamente aceito. O processo, conforme a restauradora, consiste, em suma, em decapagem, consolidação e recomposição. “Depois que fazemos a prospecção, começamos a tirar as sobrecamadas dos objetos, que é a decapagem. As sobrecamadas normalmente tiram a volumetria do imóvel – as pessoas vão pintando, pintando, pintando e, então, nem sabem o que estava ali mais”, descreve. “No lado esquerdo de uma estátua, por exemplo, quando se olha de frente, havia originalmente uma guirlanda com frutas. Só que, antes de eu mexer, era praticamente uma ‘bola’. Depois que decapei, percebi que era uma romã partida ao meio, com os gominhos e tudo mais. Tinha perdido a volumetria ao longo dos anos.”
Tome cimento
Já o processo de consolidação, realizado com uma cola específica para restaurações – acrílica e incolor –, dá sustentação aos objetos, já frágeis, para que, em seguida, o volume seja recomposto. “Não tem muito mistério. É um trabalho de tirar aquelas camadas, consolidar e recompor.” O que mais deu trabalho, confessa Flávia, foi a jardineira com ornatos que corta boa parte da fachada da Villa Iracema entre o térreo e o andar de cima. “A jardineira estava cheia de cimento, não tinha volume algum. Há um traço adequado para a recomposição, porque as coisas precisam respirar. Antigamente, por exemplo, não era usado apenas cimento. Tiramos o cimento, consolidamos a jardineira com primal e recompomos com gesso, cal e o próprio primal. Foi um trabalho artesanal. Refizemos toda a jardineira com os ornatos.”
Em dois anos e dois meses à frente da restauração, Flávia, em boa parte, teve a ajuda de estagiários contratados pelo Instituto Oncológico. Emocionada, a restauradora diz que dá muito valor ao patrimônio, e, com a Villa Iracema, não haveria de ser diferente. “Ocorreram muitas etapas nesse processo, com muitos problemas pelo caminho e que demandaram muito tempo, paciência e dedicação, mais que excessivas. Então, cada vez que umas dessas etapas eram findadas e eu as olhava prontas, por diversas vezes o choro de felicidade veio. O resultado é o meu bônus. E isso aquece qualquer coração.”
Uso privado
Conforme o Livro de Tombo, os objetos de preservação obrigatória da Villa Iracema são “a volumetria construtiva e as fachadas, bem como os jardins, canteiros frontais, gradis, portões, chafariz, as estátuas que servem de luminárias e demais elementos decorativos”. No entanto, o processo de tombamento interior da Villa Iracema já está em curso desde o início de 2020. Atualmente, como informa a Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) da Funalfa, está em fase de instrução.
A Dipac é o órgão responsável pela fiscalização do cumprimento de projetos em imóveis tombados avaliados e aprovados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) – todos os projetos relacionados a bens tombados devem passar necessariamente pelo crivo do colegiado. À Tribuna, em nota, o Dipac afirma que, “pela Villa Iracema se tratar de um bem tombado pelo Município, mantém o acompanhamento rotineiro da obra. Em visita na última segunda-feira (1º), observou-se que alguns pontos da edificação sofreram danos em função das chuvas”.
Questionada, a coordenadora de Obras do Instituto Oncológico – Hospital 9 de Julho, Renata Januzzi, diz que tais danos foram causadas pelas chuvas do início do ano. “Sempre quando chove, estoura um pouquinho a pintura, entra algo pelo telhado. Coisas normais e corriqueiras que já estão sendo recuperadas. O telhado, por exemplo, onde houve infiltração, está sendo calafetado, assim como a pintura.” O fim das obras passa apenas pela finalização das intervenções no que margeia o casarão, acrescenta. “Um detalhe ou outro.”
Aliás, conforme Renata, a Villa Iracema já está em uso desde meados do ano passado como Centro de Estudos do corpo clínico dos hospitais. Perguntada se o Instituto Oncológico pensa em abri-la ao público, já que se trata de um patrimônio histórico do Município, Renata descarta a hipótese. “A Villa é de uso privado, deste Comitê de Médicos. Acredito que não haja esta pretensão pela diretoria, porque, além do próprio comitê, a gerência de residência médica do grupo hospitalar também funciona lá. É uma área administrativa, de convivência dos médicos, de troca de experiências. Não teria espaço para abertura (para visitação), a não ser um evento esporádico, marcado com antecedência.”
Investigação
Até então abandonada, a Villa Iracema é alvo de inquérito civil do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do qual o órgão pede pareceres técnicos e informações àqueles responsáveis pela proteção do patrimônio cultural. “Eventualmente, após a conclusão do inquérito, o MPMG pode fazer um acordo com o proprietário por meio de termo de ajustamento de conduta, expedir uma recomendação ou ajuizar uma ação pedindo a restauração, o que poderia ser determinado pela Justiça. No caso da Villa Iracema, ainda não há nada disso”, informa, em nota, o MPMG, sem maiores detalhes sobre o andamento. A Tribuna buscou contato com o Departamento Jurídico do grupo hospitalar, mas sem sucesso.