Os titulares e os suplentes da Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (Comic) para o quadriênio 2021/2024 já estão nomeados pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) – Portaria 25/2021. A Comic é a responsável por avaliar os projetos submetidos ao Programa Cultural Murilo Mendes. No entanto, a relação de sete titulares designada em 17 de julho reúne maioria de integrantes ligada à Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Embora esteja lotado na Secretaria de Turismo (Setur), Wanderlei Marques Faini, o Lelei, foi indicado para uma das quatro cadeiras a que tem direito a comunidade cultural. A eleição em que foi apreciado o nome de Lelei foi a segunda de um processo marcado por articulações dentro do Conselho Municipal de Cultura (Concult).
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A Comic é dividida entre três representantes da Funalfa e quatro da comunidade cultural. Exceção à presidência, todos têm suplentes. A presidente da comissão, como de praxe, é a diretora-geral da Funalfa, Giane Elisa Sales de Almeida, que ocupa uma das cadeiras reservadas à fundação. As outras duas, de outros nomes da própria Funalfa indicados diretamente por Giane. Por outro lado, os quatro assentos da comunidade cultural são eleitos pelo plenário do Concult a partir de candidatos indicados pelos conselheiros representantes da sociedade civil.
A indicação de Lelei para a Comic foi do titular da cadeira das Artes Cênicas, Fernando Valério. “Antes de ser lotado na Setur, o nome de Wanderlei foi retirado de um fórum setorial da sociedade civil das Artes Cênicas. O nome dele não foi levantado porque está lotado no Poder Público. Foi levantado em um fórum com a sociedade civil, ou seja, foi legitimado por seus pares. Antes de ser do Poder Público, o Wanderlei é produtor de teatro de Juiz de Fora. Ele tem uma atividade cênica enquanto membro da sociedade civil”, diz o conselheiro. Questionado se não haveria conflito de interesses, Valério afirma que poderia ter caso Lelei fosse indicado pelo Poder Público. “Quando a cadeira de Artes Cênicas indica o Lelei, ele é selecionado com o respaldo da sociedade civil.”
O presidente do Concult, Wenderson Marcelino, o Zangão, reafirma que a indicação partiu da própria comunidade de Artes Cênicas. “Apesar de Lelei ser representante da Setur (no Concult), o nome dele foi tirado no fórum das Artes Cênicas. Os conselheiros da sociedade civil poderiam indicar até duas pessoas para todo o pleno do conselho toar. Essas duas pessoas eram de escolha do conselheiro. No caso, após serem retirados em fóruns em consulta com a classe.”
Após ser indicado, Lelei foi eleito pelo plenário do Concult com 11 votos, a segunda maior votação. Ele é atualmente gerente do Departamento de Relações Públicas e Institucionais – Polo de Regionalização do Turismo da Prefeitura. Em nota, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirma, sem citar nominalmente Lelei, que ele recebeu votos tanto dos conselheiros da sociedade civil quanto do Governo, conforme registrado nas atas das reuniões, o que apenas reforçaria a sua qualificação para integrar a Comic. “Ele possui anos de experiência na área de produção de eventos e artes cênicas e foi indicado de acordo com os decretos, resoluções, relacionados ao tema, ou seja, sem nenhuma ilegalidade.”
Funalfa nega interferência
A supervisora do Programa Cultural Murilo Mendes, Fernanda Amaral, afirma, em nota, que a nomeação de Lelei não gera desequilíbrio na Comic. “Wanderlei foi indicação da cadeira das Artes Cênicas pelo reconhecimento de sua vasta experiência na área. O quantitativo final na Comic continuará sendo de três representantes da Funalfa (sua diretora-geral e dois indicados) e quatro indicados pelo Concult, permanecendo a maioria eleita pelo conselho.” Ao ser perguntada por que a Funalfa não tinha indicado Lelei diretamente como um de seus representantes, Fernanda diz que a fundação “optou pelos nomes que estão por ela indicados”.
Questionada sobre a acusação de interferência, a Funalfa afirma que, conforme o Decreto 14.522, a Comic é composta por quatro titulares e quatro suplentes da comunidade cultural indicados pelo Concult. “Em nenhum momento, o decreto diz que a indicação do Concult será feita exclusivamente pela sociedade civil. Ainda assim, o Poder Público optou por não fazer indicações e não interferiu nas indicações feitas pela sociedade civil.”
Três nomes diferentes
Giane indicou como representantes titulares da Funalfa na Comic o gerente do Departamento de Dinâmicas Culturais, Gueminho Bernardes, e Ana Paula Santos Machado, e, como suplentes, respectivamente Eduardo Sevarolli Creston Faria (assistente administrativo do Departamento de Memória e Patrimônio) e Selmara de Castro Balbino (assessora do Departamento de Territórios Culturais). Por outro lado, Gabriela Machado Ferreira, João Marcelo de Oliveira Batista e Jorge Luiz Lenzi de Souza, bem como Lelei, compõem a Comic como representantes da comunidade cultural após eleição no plenário do Concult. Os suplentes são, respectivamente, Matheus Way Puri, Marília Xavier de Lima e Giovani Duarte Verazzani. A suplente de Lelei, por sua vez, é Tamires Fortuna, ex-diretora-geral da Funalfa.
Entretanto, esta relação da Comic formalizada pela Funalfa foi a segunda eleita pelo plenário do Concult. Apesar de ter sido indicado, Lelei, por exemplo, não estava entre os eleitos a princípio. O primeiro pleito foi cancelado porque dois integrantes anteriormente eleitos recuaram em assumir os postos na Comic. Ainda que também indicados por representantes da sociedade civil, ambos são assessores legislativos da vereadora Cida Oliveira (PT). Questionado pela Tribuna, o gabinete da parlamentar respondeu, em nota, que chegou à conclusão de que seria mais prudente que ambos não participassem da Comic. “Algo em sentido contrário poderia abrir brechas para questionamentos jurídicos, com danos provisórios ou permanentes aos projetos contemplados no Programa Murilo Mendes”, pontua.
A nota aponta que se baseou no texto do artigo 8º do decreto que institui a Comic – 14.522/2021 -, que veta a participação de agentes políticos ocupantes de cargos de provimento em comissão da Administração Direta e Indireta do Município de Juiz de Fora. “Assim, o mandato da vereadora Cida Oliveira considera que uma possível interpretação dessa lei é a de que a Comic está prevista como parte do Programa Murilo Mendes, e sendo vetada a participação de assessores e cargos comissionados no programa, esse impedimento se estenderia à Comic.” Por fim, o gabinete ressalta que “as indicações dos nomes partiram dos próprios agentes culturais (…), não sendo indicados pela parlamentar”.
Os assessores foram indicados pelo titular da cadeira de Literatura, Antônio Carlos Lemos Ferreira. “Não tivemos a malícia, nem a orientação e a intuição de perceber (o conflito). A vereadora (Cida) então me procurou pedindo para recuar”, explica. Posteriormente, Antônio Carlos indicou João Marcelo de Oliveira Batista e Jorge Luiz Lenzi de Souza, que, além de Lelei, são os únicos membros diferentes em relação àqueles eleitos em um primeiro momento. “Então, fizemos outro fórum com a Literatura para indicar dois outros nomes (para substitui-los). Um é da Liga de Escritores de Juiz de Fora e já participou da Comic. O outro é um cineasta que faz uma ponte entre cinema e produção literária.”
Vacância abre margem para nova eleição
O pleito definitivo aconteceu na reunião ordinária de 14 de julho. A vacância deixada pela desistência dos assessores legislativos de Cida levou os conselheiros a discutir se um novo pleito substituiria apenas as duas cadeiras, ou, então, elegeria uma nova formação para a Comic. O titular da cadeira de Música, Rick Guilhem, foi um dos que endossaram a eleição de apenas dois novos integrantes para a Comic. “Fiquei com o sentimento de que o Poder Público articulou para poder manter a maioria (na Comic). Agora, ela está instaurada com quatro pessoas ligadas ao Poder Público e três representantes da sociedade civil.” A maioria do Executivo, acrescenta, pode abrir precedentes para gestões futuras.
Embora admita que a maioria de representantes do Poder Público seja delicada, o titular das Artes Cênicas, Fernando Valério, argumenta que a dinâmica da Comic se dá a partir da voz da maioria. “E a voz da maioria não significa que é do Poder Público, mas, sim, a partir da análise do projeto. Quando se diz que o Poder Público teria maior quantidade de pessoas na Comic, é levantar a bandeira de possível má fé das pessoas que estão na comissão.” O conselheiro também lembra que, caso alguma análise soe estranha, o próprio Concult tem autonomia e autoridade para fiscalizar a Comic. “A autonomia da Comic é apenas para a análise de projetos. Mas o Concult precisa estar fiscalizando, assim como fiscaliza as ações da Funalfa.”
Já o titular de Cultura Popular, Guilherme Imbroisi, afirma que a eleição não foi feita da melhor forma possível. “Não sei se foi de uma forma cordial e pensando na representatividade. A velocidade foi um impedimento para os conselheiros tanto na participação quanto no levantamento de novos nomes (a partir dos fóruns). Tanto que muitos conselheiros chegaram atrasados à reunião porque estava confusa. As pessoas não estavam atentas para a reunião.”
Zangão, por sua vez, discorda. “Algum conselheiro que não tenha participado da reunião pode ter sim sentido isso. Mas houve uma votação nesta reunião para definir se a eleição seria ou não naquele dia. Se o pessoal estava descontente com a proposta de a eleição ser naquele dia, deveria ter votado de forma contrária, como eu mesmo fiz.” O presidente do Concult ainda acrescenta que há a necessidade de implementar a Comic para a execução do Programa Murilo Mendes, assim como para a avaliação de readequações em projetos da Lei Murilo Mendes de 2019. “A gente sabe que tem essa agilidade para fazer com que a Comic aconteça, mas eu acredito que uma semana não faria tanta diferença se a gente conseguisse adiar a eleição.”
Articulação da sociedade civil
Endossada por maioria, a proposta de uma nova eleição apenas expôs um desconforto existente entre conselheiros da sociedade civil e conselheiros do Poder Público ao menos desde alterações nas disposições gerais da Comic promovidas pelo Decreto 14.522 em 6 de maio. O dispositivo murou, por exemplo, a forma como a eleição dos representantes da comunidade cultural é feita. Em 2019, por exemplo, dois representantes da comunidade cultural já eram indicados pelo Concult, mas outros dois eram eleitos por proponentes da Lei Murilo Mendes. Os candidatos poderiam ser apenas artistas e produtores culturais locais que não submetessem projetos para o edital de fomento.
Agora, durante o quadriênio 2021/2024, os quatro representantes da comunidade cultural são indicados pelo Concult. O processo de indicação e eleição está disposto na Resolução 1/2021. Cada um dos 12 conselheiros eleitos como representantes da sociedade civil deveria apresentar para a eleição até dois candidatos indicados pelos fóruns setoriais, ou seja, a partir de discussões com os respectivos segmentos artísticos. Então, tanto os conselheiros da sociedade civil quanto os do Poder Público – também 12 – votariam em quatro candidatos. Os quatro mais votados seriam eleitos como titulares da Comic e os quatro subsequentes, como suplentes.
O incômodo entre conselheiros da sociedade civil e do Poder Público ainda aumentou na época da primeira eleição para a Comic. Em reunião apenas entre si, os conselheiros da sociedade civil, em vez de reunir até dois nomes por cadeira para levar até o plenário do Concult, articularam-se para fechar já uma relação com os oito finais. “Preferimos fazer um acordo interno entre os representantes civis para já indicar os oito nomes a que tínhamos direito para que não houvesse eliminação de candidatos. Deixaríamos o Poder Público à mercê de escolher quem seria titular e quem seria suplente”, relata Guilherme. Ele argumenta que o Poder Público tinha muito poder de voto através de seus conselheiros. “O Poder Público é metade do Concult. Então, acaba que, mesmo que não indique candidatos, tem muito poder de voto.”
Contudo, alguns dos próprios pares de Guilherme questionam como a articulação foi feita. Embora tenha participado da reunião dos conselheiros da sociedade civil justamente por ser o titular de Artes Urbanas, Zangão afirma que, a princípio, a pauta da reunião não era escolher os oito nomes para a Comic. “A reunião da sociedade civil foi para conversar, porque os conselheiros nunca tinham feito uma reunião para trocar ideia. Aí, na reunião, em que estávamos conversando sobre fóruns e ações conjuntas entre as classes, saiu a ideia de tirar os nomes da Comic.” O presidente do Concult ainda pondera que os oito nomes foram decididos apenas pelos conselheiros da sociedade civil, não do Poder Público. “A gente já levou os oito nomes (para o pleno do Concult) para que eles aceitassem. A indicação não passou por todo o pleno do Concult.”
Valério acrescenta que a primeira eleição não foi baseada na Resolução 1/2021. “Mesmo sabendo que a resolução para a eleição da Comic propunha que houvesse 24 nomes indicados (pelos conselheiros da sociedade civil), nós da sociedade civil nos articulamos para que a eleição fosse mais rápida, não fosse morosa. Apreciar 24 nomes no plenário do Concult seria muito mais demorado do que apenas oito. Então, colocamos os oito nomes para a apreciação do Concult na época.”
Guilherme entende que a articulação dos conselheiros não feriu a Resolução 1/2021. “Foi uma articulação legítima, porque cada conselheiro pode indicar até dois nomes, ou seja, cabe a ele escolher se quer indicar um, dois ou nenhum.” A articulação dos conselheiros, acrescenta o titular da Cultura Popular, teria o objetivo de construir uma Comic que ampliasse e abordasse o máximo de segmentos artísticos possível. “A reunião pode ter sido uma articulação estratégica não vista com bons olhos pelo Poder Público, mas era totalmente legítima, porque cabe à sociedade civil indicar esses nomes. A única coisa que pesou foram os dois assessores legislativos.”