Deficiente visual conquista vaga na UFJF pelo Enem
Jandira de Andrade, de 63 anos, preparou-se com a ajuda do Curso Preparatório para Concursos (CPC) e diz que quer ser escritora
A ficha de Jandira Lopes de Andrade, 63 anos, ainda não caiu. Ela foi aprovada na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para o curso de Letras na UFJF. A mulher, que perdeu a visão há seis anos, torna-se uma estudante universitária e, nesta semana, teve que correr atrás dos documentos e comprovações exigidas para a matrícula. Tendo se preparado com a ajuda do Curso Preparatório para Concursos (CPC), Jandira diz ter se surpreendido ao saber do resultado.
“Quando decidi que ia fazer, a turma já estava com o trabalho em andamento. Ninguém esperava que eu fosse passar, nem mesmo eu. Foi uma surpresa tão grande, gostosa e gratificante, que eu chorei muito”, relata. Jandira foi superando suas dificuldades e contou com a atenção dos profissionais do CPC para atingir seu objetivo. “A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é muito difícil, longa, cansativa. Isso para quem enxerga perfeitamente, imagina para alguém que tem uma deficiência grave, como a minha. Eu fiz 75 dias de curso, não consegui fazer o intensivo completo, mas tive um acolhimento muito grande. Contei com um ledor, que me ajudou muito. Os professores também foram todos muito pacientes.
Jandira conta também que ficou impressionada com o acolhimento que recebeu na aplicação do exame. A prova oral, para ela, foi uma determinante na aprovação. “Ela me deu uma calma muito grande. Não fiz a prova com aquela urgência que os jovens têm, por ter a obrigação de passar. Não estou fazendo o curso para ganhar dinheiro. Fiz para o meu bel-prazer, isso também me ajudou a passar. Além da minha dedicação, da minha força de vontade e da minha fé.”
Para complementar o conteúdo da sala de aula, Jandira seguia com os estudos em casa. “No curso, eu prestava atenção nos professores, não copiava nada, porque não enxergo o quadro. Mas eu pegava as matérias no telefone, no qual eu tenho um aplicativo leitor. Eu quis muito, me empenhei e foquei no que queria e consegui.” Sabendo que o curso escolhido exigirá uma carga de leitura grande, ela diz não ter medo. “Sempre gostei muito de ler. Isso não vai ser problema. Escolhi Letras porque tenho muita vontade de escrever um livro. Já rabisco algumas coisas, letras de música, poemas. Mas sem formação acadêmica fica mais difícil, tem que ficar procurando pessoas para revisar. Por meio desse sonho, vou realizar outro de me tornar escritora.”
O CPC, de acordo com a secretária de Desenvolvimento Social, Tammy Claret, mostra, há 15 anos, que as pessoas podem reescrever suas histórias por meio de uma oportunidade de acesso. “Estamos colhendo os frutos de investir na assistência para o acesso à formação e ao conhecimento. Todos os nossos professores e estagiários têm esse desejo de colaborar, e isso faz toda a diferença. A Jandira, por exemplo, contou com uma ledora, que a ajudou a treinar os simulados, o que ajudou muito. Esse curso ajuda a promover a inclusão. O nosso objetivo é formar um monte de Jandiras, mostrando esse caminho, que pode mudar a história de vida das pessoas.” O CPC está recebendo inscrições para 700 vagas, que serão oferecidas para turmas nos três turnos.
Visão de mundo
Jandira tinha uma loja de fantasias. Ela virava noites costurando as roupas, até que sua pressão arterial subiu muito, e ela teve um acidente vascular ocular, que a deixou sem enxergar. “Eu não sabia que estava com a pressão alta. Essa pressão estourou vasos que fazem a irrigação dos olhos. Fiquei dois anos sem enxergar nada. Agora enxergo muito pouco e muito de perto, mas os médicos continuam dizendo que eu sou totalmente cega. Minha vida mudou tanto, que parecia viver em outra dimensão. Antes eu tinha uma direção na vida, um propósito com mãos seguras no meu destino. Depois disso, vejo Deus em todas as coisas, e não tem relação com religião, porque eu não tenho nenhuma. Mas sei que tudo tem um propósito. Nunca fiquei questionando o motivo de eu ter ficado assim. Sempre me pergunto para que fiquei assim.”
A caloura de Letras aconselha as outras pessoas a olharem para dentro de si, nunca para as pressões externas. “Nunca faça nada para os outros ou para se mostrar. Busque sempre o que te completa e o que te faz feliz. Há tanta gente fazendo curso por vontade do pai, do tio. Elas não se tornarão boas profissionais. É importante procurar um trabalho que te faça querer cantar, assoviar.” Outra dica dada por ela é o reforço da autoestima, que, segundo ela, faz muita diferença na vida de todo mundo. “Mesmo quem tem ou teve um problema como o meu, deve se esforçar para ter, pelo menos, um nível médio de autoestima. Conforme você for conquistando suas coisas, ela vai aumentar. Ninguém merece baixa autoestima. Se os pais puderem, devem sempre levantar a autoestima de seus filhos. Falar o quanto eles são inteligentes, capazes e bonitos. Porque, se eles sabem isso desde novos, não vai ter bullying que venha a derrubá-los.”