Em contrariedade à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para isolamento social, cerca de 120 veículos entre carros e motos foram às ruas, neste domingo (29), em carreata, pleitear a reabertura gradual do comércio de Juiz de Fora. A carreata endossa a campanha anticonfinamento “O Brasil não pode parar”, criada pelo Governo federal, mas desautorizada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro. Alinhados ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional na última terça-feira (24), os manifestantes defendem o isolamento vertical, isto é, tão somente o confinamento de grupos vulneráveis ao novo coronavírus (Covid-19). A eficiência do isolamento vertical e seu impacto na saúde pública carecem de dados e estudos. Apesar de defendida por Bolsonaro, a implementação do método foi descartada no Reino Unido, na cidade de Milão, Itália, e no Estado de Nova York, Estados Unidos, por exemplo.
O coordenador do movimento “Família de Direita”, Leonardo Valle, cobra da Prefeitura de Juiz de Fora um planejamento a respeito de como as atividades econômicas temporariamente suspensas seriam retomadas. “O próprio Bolsonaro falou sobre a questão econômica, que é tão preocupante quanto a da saúde. Alguns apontam a saúde em primeiro lugar, outros apontam a economia, mas acho que as duas até que caminham de certa forma juntas. Só que existem prioridades. No momento, a saúde está sendo combatida. Não é uma pauta radical de reabertura imediata do comércio, não, mas quais comércios podem já ser reabertos?” Questionado se mesmo a retomada gradual do setor de comércio não potencializaria o contágio da Covid-19, ainda distante do pico previsto em Juiz de Fora, Valle propõe o controle de fluxo de pessoas em estabelecimentos. “O comércio voltará à normalidade em Muriaé a partir de amanhã por decisão do prefeito (Nota da redação: a decisão do prefeito foi suspensa após confirmação do primeiro caso em Muriaé neste domingo). Penso da seguinte forma: algumas regiões de Juiz de Fora são mais estratégicas, como, por exemplo, a Região Central. Poderia haver um controle do fluxo de pessoas na loja, como entrada e saída, número limite e com a devida higienização. Se a economia não pode voltar em 100%, não poderia aos 20%, 30%, 40%?”
Em alusão à campanha publicitária do Governo federal, o coordenador do movimento “Direita vive!” em Juiz de Fora, Marcelo Eberle Motta, afirma que o município não pode parar e, como Valle, quer a reabertura gradual do comércio, “alinhada ao que disse o presidente Bolsonaro”. “Há trabalhadores que já estão sendo demitidos. Como a família sem emprego faz para se sustentar? E os trabalhadores informais? Juiz de Fora já está em uma dificuldade doida com a Prefeitura atual. Nessa hora, é preciso reivindicar para mostrar que todo poder emana do povo. E a nossa vontade, enquanto patriotas, é ter uma Juiz de Fora melhor e com empregos, não com dezenas de desempregados.”
Contestado se, ao invés de voltar para as ruas, os trabalhadores informais não deveriam receber subsídio do Governo federal, Marcelo responde que é “uma questão a se pensar”. “Mas a questão maior a se pensar ainda, da qual movimentos de direita como o nosso estão à frente, é defender os trabalhadores informais e perceber que eles estão vendo que tem gente na rua lutando por eles, seja qual for o destino, mas que seja o melhor para esse trabalhador informal. Que seja atendido o direito do povo de trabalhar.” Na última quinta (26), a Câmara dos Deputados, após acordo com o Governo Bolsonaro, aprovou o pagamento de renda mínima de R$ 600, durante três meses, a trabalhadores sem emprego formal, sem benefício previdenciário ou assistencial e que não estejam recebendo seguro-desemprego.
De acordo com a coordenadora do movimento “Direita Minas” em Juiz de Fora, Roberta Lopes, apenas os grupos de risco e os sintomáticos deveriam ficar em quarentena. “Só que o resto da população pode dar continuidade à produção do país normalmente, desde que siga todos os critérios para manter a assepsia e não haja a disseminação do vírus.” No entanto, embora tenham cogitado, os governos do Reino Unido, do Estado de Nova York e de Milão desistiram de adotar o isolamento vertical. Ao ser questionada, Roberta afirma que a população não pode ficar à mercê de um isolamento por tempo indeterminado em razão do risco do surgimento de outras doenças, inclusive psicológicas. “As pessoas não conseguem lidar com o isolamento por muito tempo. Devemos cuidar não só das pessoas que serão contaminadas com o vírus, porque será inevitável, faz parte do ciclo de uma pandemia, mas também defendemos que a gente não pode sacrificar outras pessoas que não têm de onde tirar um dinheiro para se alimentar.” Além disso, a coordenadora cita a adoção do isolamento vertical em países como Japão e Suécia, cuja capacidade e eficiência de testagem, contudo, é superior às do Brasil, onde o processo é atualmente o principal gargalo para as subnotificações.
Traslado
Acompanhados por agentes de trânsito da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), por policiais militares e por guardas municipais para evitar quaisquer tipos de aglomeração, os manifestantes saíram em carreata pela Avenida Barão do Rio Branco, às 10h40, desde a altura do Bairro Graminha até a Garganta do Dilermando, de onde retornariam ao ponto de largada para encerrar o ato. Durante a concentração, os motoristas foram orientados pelos agentes de trânsito a estacionar os veículos nas pistas ao lado do canteiro central para evitar transtornos ao trânsito da Região Sul. Apesar de recomendações para a permanência dentro dos veículos, a maioria dos bolsonaristas permaneceu do lado de fora dos carros antes do início da carreata. As medidas de segurança para evitar o contágio foram recomendadas, neste sábado (28), em caráter de urgência, pelo promotor de Saúde do Ministério Público de Juiz de Fora, Rodrigo Ferreira de Barros.
Autoridades criticam ato
Ainda que endossado pelo presidente Jair Bolsonaro, o isolamento vertical foi por ora descartado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em coletiva de imprensa neste sábado. Além disso, Mandetta criticou as carreatas favoráveis ao fim do isolamento social. “(…) Os mesmos que falam ‘vamos fazer carreata de apoio’ vão ser os mesmos que vão estar em casa daqui a duas, três semanas. Eu espero e rezo para aqueles que falam que não vai ser nada, que vai ser só uma… um pequeno estresse, que isso passa logo e acaba, espero e rezo todo dia para que estejam corretos nas suas avaliações.” O ministro da Saúde ainda desaprovou o lockdown em território nacional, ou seja, a quarentena total “ao mesmo tempo e desarticulado”.
Já o prefeito Antônio Almas (PSDB), questionado, na última sexta, também em coletiva, sobre eventual abrandamento das restrições ao funcionamento do comércio local, insistiu que, até que um fato novo aconteça, o Decreto 13.897/2020 está em vigor. “Todas aquelas atividades e serviços que são importantes para garantir tranquilidade à população, como supermercados, padarias, peixarias, oficinas mecânicas (…) etc, estarão abertos. Agora, aquilo que não é necessário… com todo o respeito que tenho a cada empresário desta cidade, não é hora de abrir lojas onde vou vender roupas, sapatos. Vamos continuar com o decreto no mesmo lugar em que se encontra. Se dados novos nos mostrarem que as medidas estão intensas, vamos rever, mas, hoje, a decisão é essa.” Conforme Almas, em cenário otimista, o pico da Covid-19 em Juiz de Fora será somente no final de abril.
Quanto à carreata, embora tenha ponderado que todos estão livres para fazer manifestações, o prefeito disse que os envolvidos são responsáveis pelos seus próprios atos ao ser contestado se o ato confrontaria a autoridade municipal. “A orientação da Prefeitura de Juiz de Fora é que fiquem em casa. Quem assim não se comportar, ou pela Justiça, ou por qualquer órgão de segurança, ou pelo julgamento da História, responderá por isso.”
Em entrevista à Rádio CBN Juiz de Fora, o secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, por sua vez, afirmou que a carreata significa aglomeração de pessoas e, portanto, não é “razoável”. “Neste momento, parece prematuro liberarmos todo o retorno da atividade econômica. Mas por outro lado, é uma preocupação do Governo que, realmente, nós não podemos ficar 100% paralisados. O equilíbrio entre a liberação da atividade econômica e o risco sanitário tem que ser mensurado com muito cuidado, com muito juízo.”
Entidades de comércio
Embora o ato pleiteie a retomada do setor de comércio, entidades representativas do segmento, como a Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora, o Sindicato do Comércio de Juiz de Fora e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Juiz de Fora foram contrários à manifestação.