
Há pouco mais de um mês, representantes do poder público, empresários, pesquisadores e membros de organizações da sociedade civil participaram da cerimônia de encerramento da COP 30. Porém, as discussões realizadas em Belém seguem repercutindo muito além da capital paraense. Juiz de Fora esteve presente no encontro com participantes de diferentes áreas, que compartilharam com a Tribuna suas experiências mais marcantes e as mudanças que consideram essenciais para que o município avance no processo de adaptação climática. Nesta matéria, o jornal resgata este debate, que integra a série Retrospectiva 2025, focada em temas como sustentabilidade e meio ambiente.
Nathan Barros, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), está entre os nomes que representaram a cidade no evento. O pesquisador apresentou resultados de suas pesquisas sobre aquicultura, que indicam a prática como uma solução para produzir mais alimentos com menor impacto climático. Segundo o pesquisador, para se ter uma ideia, a produção de peixes pode gerar impacto ambiental dez vezes menor do que a carne bovina, além de demandar área 100 vezes menor. A entrevista com o docente sobre as expectativas com a COP pode ser conferida por meio deste link.
O documentário “Ecos de 92, do Rio à Belém”, além de ter sido exibido na COP, também contou com a participação de dois integrantes da produção: a diretora geral Renata Amorim e o diretor de fotografia Leandro Mockdece. O filme revisita as três décadas que separam a Rio 92 da COP 30, promovendo promove um encontro entre gerações, com depoimentos de protagonistas da Rio 92 e da nova geração à frente do movimento climático. A matéria sobre a produção pode ser lida aqui. Além de promover o documentário, Renata, que é fundadora da plataforma de sustentabilidade Selva, participou da COP em diversas frentes representando o país. Já Leandro também esteve no evento por meio do seu trabalho de divulgação científica na Diretoria de Imagem da UFJF.
Como símbolo da nova geração, a estudante Luiza Vieira Caleia, 17 anos, participou do evento a convite da rede internacional Latinas por el Clima. Ela também participou de encontros em pavilhões da Criança e da Juventude, do Brasil e de Cultura em Belém. A estudante tem acompanhado de perto as discussões sobre a agenda climática e contribuído para o engajamento de jovens e crianças na pauta ambiental.
Confira os depoimentos dos participantes da COP 30:
Renata Amorim e o protagonismo dos municípios
“Minha participação na COP30 foi intensa e profundamente simbólica. Estive na Blue Zone, como parte da delegação brasileira, acompanhando negociações de perto, e na Green Zone, dialogando com líderes que estão moldando a agenda climática na América Latina. Belém viveu uma mobilização histórica: a maior presença indígena de todas as COPs, a Marcha Global pelo Clima com mais de 40 mil pessoas e o lançamento dos primeiros indicadores globais de adaptação. Foi marcante ver a ciência, os territórios e a diplomacia caminhando juntos, e sentir, no coração da Amazônia, a urgência e a potência que movem o Brasil.
A COP30 deixou agendas concretas que podem impulsionar ações locais. Os novos indicadores globais de adaptação ajudam cidades como Juiz de Fora a se planejar melhor frente a calor extremo, enchentes e eventos climáticos. A Coalizão Global de Mercado de Carbono e os aportes para florestas, povos tradicionais e transição energética abrem portas para projetos de reflorestamento, educação ambiental, eficiência energética e inovação. A mensagem final é clara: municípios são protagonistas da ação climática e Juiz de Fora tem oportunidade de liderar regionalmente, conectando ciência, políticas públicas e participação social.”
Nathan Barros e a urgência da adaptação climática
“A minha participação na COP 30 ocorreu em vários espaços. Tive falas na AgriZone, espaço criado pelo Brasil para mostrar as atividades desenvolvidas na Embrapa e no setor agropecuário do país, na Green Zone, que é a parte maior do evento, e na Blue Zone, onde acontecem as decisões e as reuniões mais importantes.
Foi uma oportunidade ímpar poder participar, poder levar o nome da cidade e da Universidade Federal de Juiz de Fora. Infelizmente, a COP não conseguiu avançar em relação ao mapa do caminho para afastar ou para ir na direção contrária dos combustíveis fósseis. Mas muitas coisas da COP30 continuam sendo discutidas nas próximas COPs, assim como muitas coisas das anteriores continuaram sendo discutidas neste ano.
Eu acho que a gente está caminhando para construir no futuro uma sociedade mais resiliente e mais adaptada para as mudanças ambientais e climáticas. Então, pela primeira vez, a COP discutiu muito sobre adaptação. Várias coisas estão sendo discutidas e compromissos assumidos em relação à adaptação. Como eu já venho falando há muitos anos, nós estamos numa fase agora que não é mais uma fase de mitigação, e sim, de adaptação.
O principal ponto relacionado à Juiz de Fora é a necessidade de se preparar e de se adaptar a essa nova realidade climática. Então, fica muito claro que Juiz de Fora precisa urgentemente ter um plano de adaptação para que consiga entender e se preparar para os efeitos das mudanças ambientais e climáticas.”
Luiza Caleia e o papel da nova geração
“Sou uma estudante que uniu aprendizados em biologia, geografia e sociologia para entender um grave problema: nosso modelo de desenvolvimento entrou em guerra contra a natureza e esqueceu que meio ambiente é vida. Na COP 30, representei organizações com as quais atuo: Latinas por El Clima, rede de jovens da América Latina, Girl Up, movimento que inspira e conecta meninas, e Tocando em Frente, que combate a evasão escolar em áreas rurais.
Participei da Conferência Global de Crianças e Jovens (COY), na Universidade Federal do Pará, onde jovens de vários países se reuniram três dias antes da COP. Lá, concluímos a Declaração Global da Juventude, que ouviu cerca de 30 mil crianças e jovens durante todo o ano.
Na zona azul, acompanhei a iniciativa #COPdasCrianças e negociações com a constituinte oficial de jovens e a de mulheres. No dia 15, marchei com milhares de pessoas pelas ruas de Belém pedindo justiça climática e respeito aos povos indígenas.
Espero que o Belém Gender Action Plan e o Just Transition Work Programme, que tratam sobre liderança feminina, trabalho do cuidado e transições socialmente justas possam influenciar as políticas municipais, bem como que a cidade aja, com mais frequência, para os direitos infantis, pois as crianças herdam o futuro de quem destroi hoje.”
Leandro Mockdece e o audiovisual como ferramenta de conexão
“Minha participação na COP 30 foi intensa e transformadora, tanto no aspecto profissional quanto humano. Além de atuar no registro audiovisual de pesquisas científicas e iniciativas ambientais, estive presente para exibir o documentário “Ecos de 92, do Rio à Belém”, do qual sou um dos diretores, em dois espaços que integraram a programação da COP 30. Ao longo do evento, ficou ainda mais evidente que a crise climática não se limita ao chamado aquecimento global, mas se manifesta, sobretudo, nas consequências da destruição dos biomas, na perda da biodiversidade e no impacto direto sobre comunidades e territórios, reforçando a necessidade de soluções integradas à natureza, como os sistemas agroflorestais e outras práticas que conciliam produção, conservação e justiça climática.
Entre os momentos que mais me marcaram está a visita à floresta, na Ilha de Cumbu, onde o contato direto com a Amazônia viva trouxe uma dimensão concreta às discussões do evento. Apesar da campanha negativa que cercou a COP 30 na mídia, o evento se mostrou fundamental como espaço de encontro e construção de narrativas comuns.
Esse percurso mostra como debates globais podem reverberar localmente, influenciando iniciativas ambientais, educativas e culturais em Juiz de Fora. Belém nos recebeu de forma extremamente acolhedora, em uma hospitalidade que lembra muito a mineira, reforçando a ideia de que projetos nascidos na cidade também têm força para dialogar com o mundo.”
