Até metade do ano, Juiz de Fora notificou 43 novos casos de HIV
Dezembro Vermelho suscita debate sobre preconceitos e visibiliza histórias de quem vive com HIV
Em 2023, até o último dia de junho, Juiz de Fora notificou 43 diagnósticos de HIV no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). De 2015 a 2021, os casos, no período de janeiro a dezembro de cada ano, foram decrescendo gradativamente, indo de 186 (2015) para 94 (2021). Contudo, no ano passado, o número cresceu para 99 registros, expressando o retorno de um pequeno aumento, depois de seis anos em queda. A informação é do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, através do Painel de Indicadores de Dados Básicos do HIV/AIDS nos municípios brasileiros.
No mês da luta contra o HIV/Aids, mais conhecido como Dezembro Vermelho, o médico Pedro Henrique Rezende atesta a importância de se avançar com a campanha em prol de mitigar preconceitos ainda existentes. “Muitas vezes, confunde-se o infectado com o próprio vírus, e isso é uma das consequências da desinformação. Uma pessoa que vive com o HIV pode ter uma vida plena e saudável.” Ele explica, ainda, que os vírus sempre se relacionaram com as formas de vida no planeta e podem marcar períodos históricos. “Na época dos anos 1980, descobriu-se que o que fazia com que o sistema de defesas do corpo humano não conseguisse responder a infecções e doenças era a ação do vírus do HIV, que ataca o sistema imune e, sem tratamento, pode causar a Síndrome da Deficiência Imune Adquirida, a AIDS”.
Há exatos dez anos, o ator, diretor e idealizador da Escola de Teatro Musical de Juiz de Fora, a Entreato, deparava-se com seu diagnóstico positivo para HIV, enquanto passava um período profissional e artístico fértil morando em Belo Horizonte. Drew Persí realizava tratamento dental rotineiro no serviço ofertado pelo Curso de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais, quando recebeu um telefonema. “Descobri totalmente por acaso. Após um atendimento, me ligaram da faculdade dizendo que uma aluna da clínica havia espetado o dedo em uma agulha e sangrado. O procedimento, quando isso acontece, tanto para o paciente como para o aluno, é a realização de alguns exames”, conta.
Na manhã seguinte, no local da testagem, os resultados da aluna saíram em uma hora, ao passo que os dele precisaram ser repetidos. Depois de cinco dias, com o resultado pronto, ele foi chamado de volta e informado do diagnóstico. “A sensação que tive na hora foi de fim. Por mais que você tenha informação, quando isso acontece com você, sua mente só te leva a pensar tudo aquilo que foram os anos 1980 e 1990. Esse diagnóstico me fez ter diante de mim o meu futuro inteiro, que pareceu não existir mais.” Hoje, com a carga viral indetectável, o que significa intransmissível, Drew olha para seu percurso se reconhecendo como alguém mais fortalecido diante do que passou. “Com o tempo, as fichas vão caindo, e com todas as informações, rede de apoio e amigos fui sendo capaz de perceber que existia vida após o diagnóstico, uma vida normal como a de qualquer pessoa”, afirma.
Histórias reais, pessoas reais
Em 2019, o diretor de teatro tomou a decisão de tornar público seu diagnóstico. Para Drew, essa foi uma das decisões mais assertivas que ele fez. “Falar sobre HIV hoje vai muito além de só dizer pra desabafar, é um compromisso de coletividade com quem enfrenta o mesmo. Eu lembro de quando eu soltei o primeiro vídeo sobre e começaram a chegar muitas mensagens. Uma delas era de uma pessoa que relatava ter planejado se suicidar depois de receber o diagnóstico, mas, ao ver meu vídeo, desistiu. Foi um momento em que as coisas fizeram sentido, e eu entendi que precisava falar mais sobre isso para o resto da minha vida”, compartilha.
Ter pessoas que vivem com HIV sendo capazes de pautar abertamente o assunto é importante para aproximar linguagens e realidades, muitas vezes não apreensíveis para o discurso de saber científico. É o que defende Drew quando versa sobre as “histórias reais para pessoas reais”. “As pessoas se identificam com o que está próximo e é possível de entender e sentir. A gente precisa abrir um diálogo que chegue nas pontas da sociedade, porque, muitas vezes, a fala médica soa protocolar, não acolhe. Quando uma pessoa com HIV se vê podendo olhar pra mim e entende que vivo plenamente dessa maneira, ela também acredita e vai atrás de poder. É diferente de só falar questões técnicas, mostrar números e resultados.”
Em seu caminhar de 22 anos como artista, Drew fez da sua história de vida um manifesto de mortes simbólicas e reinvenção de si. Em 2020, na pandemia, ele lançou seu livro “Vidas: sobre todas as vezes que morri para que pudesse nascer outra vez”. “Decidi que precisava contar mais sobre a minha história, não só sobre o HIV, mas toda ela.” Um ano depois, ele produziu a web série “O Som das Décadas”, junto com Diego Krausz e Thaís Renovatto, que aborda os movimentos sobre o HIV no decorrer do tempo. Apropriado de sua luta e atribuindo tons de arte à ela, Drew é parte que se move contra o preconceito. “O estigma mata, mas a informação e o acolhimento salvam e curam, esse é meu propósito”, faz reverberar.
Projeto Nutrição Positiva
Prestes a completar cinco anos e com mais de 300 pessoas atendidas, o projeto Nutrição Positiva é mais um agente que compõe a rede de cuidados que garante qualidade de vida à população que vive com HIV. Concebido por Renato Moreira Nunes, nutricionista e professor da UFJF, juntamente com a professora Aline Aguiar da Universidade Federal Fluminense (UFF), e em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), articula-se um serviço que atenda as necessidades dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade.
Na primeira consulta, é feita uma avaliação nutricional acurada, assim como a prescrição da dieta junto ao paciente, que é denominado pela equipe como “partilhante”. “Chamamos os pacientes de partilhantes, porque é um trabalho de partilha, onde primeiro são acolhidos. No processo, fazemos a escuta ativa de sua vida e das suas queixas e acompanhamos mensalmente, até que, depois de um processo de educação nutricional, ele esteja estável e possa caminhar sozinho para ganhar alta”, explica Renato.
O papel da nutrição, se não é muito conhecido, é significativamente importante. Como elucida o professor, pessoas que vivem com HIV, embora fiquem indetectáveis com o tratamento atual, apresentam uma inflamação crônica de baixa intensidade, que é levada ao longo da vida. “Com isso, estão mais dispostas a terem obesidade, diabetes, alergias, depressão, dores musculares e doenças autoimunes. Hoje já se sabe que todas as doenças crônicas passam pela má nutrição, por isso, no ambulatório, fazemos um rastreamento metabólico, com o objetivo de identificar os riscos e os sintomas e, a partir daí, adotamos uma conduta individualizada para cada quadro.”
Conforme o acompanhamento vai se consolidando, as melhoras vão sendo observadas. “Conseguimos ver, por exemplo, a melhora dos níveis de glicose, colesterol, triglicérides, ácido úrico e dos sintomas de depressão. Mas o mais importante é que a taxa de abandono do tratamento com os antirretrovirais, que no país é de 7% e em Juiz de Fora chega a quase 14%, nos pacientes que estão no programa é de 0%. Isso significa que nenhum paciente abandonou o tratamento.”
O projeto funciona em uma sala no Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis, que fica na Avenida dos Andradas, 523, na subida do Morro da Glória. Para ser atendida, a pessoa que vive com HIV deve ir até a recepção e marcar um horário ou ligar para o número 3690-7576. Atualmente, o projeto atende todas às quartas-feiras de 8h às 13h, com hora marcada para cada paciente.
*Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa